Vedação à extensão da pensão por morte a estudantes maiores de 21 anos
1 de janeiro de 2023, 9h13
O subsídio material deste texto advém de irresignação quanto à vedação legal-etária contida no artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91 — Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Ela afasta a possibilidade de extensão da pensão por morte a estudantes maiores de 21 anos de idade não portadores de necessidades especiais, sem análises valorativas expressivas em aspectos socioeconômicos.
Contudo, essa providência legislativa não se afigura compatível com a principiologia da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Isso porque, a busca pela máxima efetividade dos direitos, deveres e garantias fundamentais sociais, com destaque para o direito à educação e para o dever fundamental de sustento, requer diálogo com a solidariedade, nos termos do artigo 1º, III, da CRFB/88, sobretudo a previdenciária.
A superação material, lógica e normativa da vedação contida no artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91, colabora com a redução de desigualdades sociais e regionais presentes no federalismo assimétrico brasileiro, em observância ao artigo 3º, I, II, III e IV, da CRFB/88.
Nesse cenário, a teoria dos deveres fundamentais é sustentáculo jurídico, haja vista que eles, baseados na supremacia constitucional (fundamentalidade formal), são, de fato, deveres jurídico-normativos da pessoa, tanto física quanto jurídica, enquanto ente relacional que estabelece vínculos obrigacionais e solidários.
A lógica de alteridade e convivência social contribuem para incidência adequada e coesa dos deveres fundamentais, de modo a equilibrar os aspectos culturais, econômicos, políticos, religiosos, sociais, de maneira que, em uma análise holística, o Direito seja um pilar de segurança jurídica frente a vicissitudes cotidianas.
A alteridade jurídica intrínseca à Previdência Social, bem como o desdobramento natural e vital de autopreservação do mínimo existencial para a efetivação da dignidade da pessoa humana, requer ótica constitucionalmente adequada aos objetivos fundamentais da República, no artigo 3º, da CRFB/88, bem com aos direitos fundamentais. Sem tal premissa, não é possível avaliar com afinco a (im)possibilidade de extensão da pensão por morte na situação jurídica expressa neste texto.
A vedação do artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91 e, majoritariamente, as decisões judiciais [1] que acompanham tal lógica, incorrem em nítida falácia de acidente (aplicar uma regra geral a um caso específico). Veja-se, é patentemente incoerente ou equivocada a incidência da cognição hermenêutica presente em manifestações judiciais sobre a extensão da pensão por morte. Isso porque, não há o devido cotejo com critérios materiais — como a necessidade, cabalmente comprovada, de custeio educacional em prol de direitos fundamentais sociais, como a educação, na busca pela valorização da juventude, com base no artigo 227, da CRFB/88.
Não se ignora a necessidade de preservação financeira da Previdência Social, mas, é válido dizer que a capacitação profissional, vislumbrada com a extensão da pensão por morte, retornará, por lógica, como benefício econômico-atuarial por parte do cidadão qualificado. É uma relação dialógica, em que a Previdência favorece a efetividade do direito fundamental à educação e o dever fundamental de sustento com a extensão da pensão por morte e, posteriormente, recebe o retorno financeiro.
Quem advoga pela preservação da vedação contida no artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91, afirma a ausência da fonte de custeio (contrapartida). Ele evita a criação, extensão ou majoração de qualquer benefício previdenciário ou assistencial, ou serviços de saúde, que não encontre uma prévia fonte de receita orçamentária. Em síntese, deve haver contribuição social bastante para que haja expansão da seguridade social, bem como prévia indicação de dotação orçamentária para tanto.
Todavia, acórdão do Tribunal de Justiça do Amazonas, na Apelação Cível de nº 0601184-53.2020.8.04.0001, decidiu que não há que se falar em ausência de fonte de custeio, na medida em que a concessão da pensão por morte não esta inovando nem criando novo benefício que não aquele já existente. O princípio da solidariedade previdenciária, como dever fundamental coletivo de financiamento, direto ou indireto, da seguridade social, na linha dos artigos 194 e 195, da CRFB/88, também funciona como esteio para tal impasse. Há quem defenda que a taxação dos pensionistas também e fonte de custeio para a extensão.
Como se sabe o montante econômico relacionado à seguridade social advém dos entes federativos União, estados, Distrito Federal e municípios, com respaldo nas receitas primárias de natureza jurídico-tributária. Em eventual escassez financeira, em verdadeiro federalismo cooperativo, a seguradora desses recursos financeiros, é a União, nos termos do artigo 16, da Lei nº 8.212/91.
Nesse cenário, este artigo não esquece a necessidade de compreensão interligada dos princípios da seguridade social, para adequada análise da vedação atual da extensão da pensão por morte a estudantes maiores de vinte um anos não portadores de necessidades especiais.
O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento é calcado em acepções objetiva e subjetiva. Dito de outro modo, a seguridade social deve possuir abrangência generosa, a fim de inclua diversas hipóteses de contingências sociais. No aspecto subjetivo, o braço da proteção social dever acolher o máximo de cidadãos possível.
Já a universalidade (lato sensu) proporciona acesso à seguridade social a todos os sujeitos de direitos quem residentes no Brasil, inclusive estrangeiros, garantindo-lhes a proteção a frente de determinadas nuances sociais, em vista do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Na saúde, a universalidade é holística, já que todos os cidadãos devem ter acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Na assistência social, a universalidade está inserta no campo das vulnerabilidades ou desestabilizações sociais, atendendo a pessoas nessas condições, a exemplo do Beneficio de Prestação Continuada (Loas).
No campo previdenciário, a universalidade está interligada ao caráter contributivo, de maneira que somente aqueles que estejam dentro da subsunção normativa de certos requisitos legais terão direito à fruição de benefícios que os blinde, ainda que minimamente, de riscos sociais inerentes a desigualdades sociais e regionais.
Já o princípio da seletividade direciona o legislador para que eleja as contingências sociais que atinjam a sociedade de maneira prejudicialmente expressiva, com o fito de que a cobertura seja a ampla. Por fim, o princípio da distributividade conduz o Poder Legislativo na missão de proteger o mais sobressalente contingente populacional que é atingido pelas contingências previstas na legislação.
Quando se aplica a lógica dos princípios acima ao artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91, vê-se que o legislador se conteve, excessivamente, na seleção dessa contingência social, sem analisar socioeconomicamente a possibilidade de extensão da pensão por morte a estudantes que, de fato, necessitem da pecúnia. Com efeito, o referido artigo está em colaboração com o "efeito cliquet", ou seja, retrocesso social no campo dos deveres, direitos e garantias fundamentais.
E nítido que a Previdência Social encontra limitação objetiva no aspecto financeiro, não se desconhece tal questão. Todavia, não permitir que a Previdência seja uma política pública interdisciplinar na realização do direito fundamental à educação, na hipótese de extensão da pensão por morte, é permitir a letargia na capacitação dos jovens brasileiros, em um cenário em que, tão somente, 21% dos jovens brasileiros, entre 25 e 34 anos, concluíram o ensino superior, segundo o Education at Glance, realizado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e publicado em 2021.
Na pesquisa acima, o Brasil ficou abaixo de países como Argentina (40%), Chile (34%), Colômbia (29%) e Costa Rica (28%).
Em outra pesquisa, agora da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e da Symplicity, no Brasil, 69% dos egressos de ensino superior estão empregados após um ano de completa sua formação. Isso significa, aproximadamente, que sete em cada dez formados estão empregados.
Para viabilizar a extensão da pensão por morte a estudantes maiores de 21 anos de idade e não portadores de necessidades especiais, propõe-se, de plano, alteração legislativa do artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91. Contudo, para solucionar a questão, até manifestação do Congresso Nacional, sugestiona-se a utilização da técnica hermenêutica denominada declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.
Antes de adentrar no referido instrumento interpretativo, afirma-se a preservação do marco legal-etário de 21 anos como presunção absoluta de dependência econômica. Todavia, para a extensão da pensão por morte, requer-se standard probatório satisfatório da necessidade material da pecúnia pleiteada.
Além disso, a extensão da pensão por morte não deverá ser por tempo indefinido, mas balizada por critério objetivo: lapso de duração do curso de graduação mais longo no Brasil, atualmente, que é a medicina — seis anos — conforme Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014 (alterada pela Resolução CNE/CES n° 3, de 3 de novembro de 2022), do Ministério da Educação (MEC), por meio do Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior.
Pois bem. A declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade expressa três efeitos, segundo MENDES (2004, p. 10-11) [2]: 1) o dever de legislar; 2) suspensão de aplicação da lei inconstitucional; 3) eventual aplicação da lei inconstitucional. Logo, em casos enquadrados no atual artigo 77, §2º, II, da Lei 8.213/91, utiliza-se, normalmente, o referido dispositivo legal. Em situações que estejam alinhadas com a proposta discorrida neste artigo, o comando legal acima é inconstitucional, sob pena de concretização de verdadeira falácia de acidente [3] no campo jurídico.
[1] REsp 639.487/RS, 5.ª T., relator ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 01.02.2006; REsp 729.565/CE, 5.ª T., relatora ministra Laurita Vaz, DJU 01.02.2006, p. 598; REsp 742.034/PB, 5.ª T., relator ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 22.10.2007, p. 347; REsp 1.269.915/RJ, relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe 13.10.2011.
[2] Para compreensão aprofundada, ler MENDES, Gilmar Ferreira. A Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pronúncia da Nulidade na Ação Direta de Inconstitucionalidade e no processo de Controle abstrato da omissão. Caderno Virtual, v. 1, nº 7, 2004. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/49. Acesso em: 23 dez. 2022.
[3] Segundo COPI (1978, p. 74), "A falácia de acidente consiste em aplicar uma regra geral a um caso particular, cujas circunstâncias 'acidentais' tornam a regra inaplicável. Na República de Platão, por exemplo, encontra-se uma exceção à regra geral de que uma pessoa deve pagar as suas dívidas: 'Suponhamos que um amigo, quando em perfeito juízo, confiou-me, em depósito, suas armas e me pediu que lhas devolvesse, quando seu espírito estivesse conturbado. Deveria devolver-lhas? Ningúem diria que sim ou que faria a coisa certa, se assim procedesse…'. O que é verdadeiro em 'geral' pode não ser universalmente verdadeiro, sem limitações, porque as circunstâncias alteram os casos". COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. Tradução Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
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