Opinião

Competência municipal para a aprovação ambiental da Reurb em APPs

Autor

  • Bruno Oliveira de Souza Kryminice

    é procurador do Município de Campo Largo/PR coordenador jurídico da área ambiental no escritório CMT Advogados professor universitário especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Bacellar e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST) mestre e doutorando do Programa de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (PPGMADE -UFPR) membro das Comissões de Direito Ambiental e de Direito das Cidades da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná.

1 de janeiro de 2023, 11h17

Diante dos diferentes e conflitantes entendimentos em relação à previsão da legislação federal sobre a aprovação ambiental no âmbito da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) em imóveis localizados em Área de Preservação Permanente (APPs), torna-se necessária uma breve reflexão sobre o tema.

Enquanto existe uma corrente que acredita ser a aprovação ambiental da Reurb, prevista na Lei nº 13.465/2008 (LRF), equivalente ao procedimento de licenciamento ambiental pelo órgão ambiental competente, outra, da qual se filia este autor, entende que a legislação federal não prevê a necessidade de licenciamento ambiental e que aqueles municípios que possuam disponibilidade de profissionais com atribuição técnica para a análise e a aprovação dos estudos técnicos, no âmbito da Reurb, quando o núcleo urbano informal estiver situado, total ou parcialmente, em APP e que se justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso, possuem competência para a aprovação ambiental.

Preliminarmente, nos termos do artigo 12, da Lei nº 13.465/17, a aprovação municipal da Reurb corresponde à aprovação urbanística do projeto de Reurb e, na hipótese de o município ter órgão ambiental capacitado, à aprovação ambiental. Para fins da legislação vigente, considera-se órgão ambiental capacitado, o órgão municipal que possua em seus quadros ou à sua disposição, profissionais com atribuição técnica para a análise e a aprovação dos estudos referidos no artigo 11, independentemente da existência de convênio com os estados ou a União (artigo 12, §1º, da LRF).

Da mesma forma, o órgão ambiental capacitado deverá ser composto por uma equipe técnica multidisciplinar, recomendando-se que tenha em seus quadros, entre outros técnicos, no mínimo, um engenheiro florestal (Resolução nº 218/73  Confea) ou engenheiro ambiental (Resolução nº 447/00  Confea), e um biólogo (Lei nº 6.684/79) [1].

Os estudos referidos no artigo 11, deverão ser elaborados por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de Reurb e conter, os elementos constantes do artigo 65 [2], da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), conforme previsto no artigo 12, da LRF. Ressalte-se que a aprovação ambiental prevista no artigo 12, da LRF, é um procedimento que ocorrerá exclusivamente no âmbito da Reurb e não se confunde com o procedimento de licenciamento ambiental.

Ressalte-se que, nos termos do artigo 12, §3º, da LRF, os estudos técnicos acima mencionados se aplicam somente às parcelas dos núcleos urbanos informais situados nas APPs, nas UCs de uso sustentável ou nas áreas de proteção de mananciais e poderão ser feitos em fases ou etapas, sendo que a parte do núcleo urbano informal não afetada por esses estudos poderá ter seu projeto aprovado e levado a registro separadamente.

Nos termos dos §§3º e 4º, do artigo 3º, Decreto nº 9.310/2018, que institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Reurb, constatada a existência de núcleo urbano informal situado em APP, no âmbito da Reurb, será obrigatória a elaboração de estudos, em conformidade com os artigos 64 e 65 do Código Florestal, que comprovem que as intervenções da Reurb implicarão melhorias das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, cabendo ao município a aprovação do projeto de Reurb de núcleo urbano informal situado em APP, in verbis:

"Artigo 3º (…)

§3º. constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela união, pelos estados, pelo distrito federal ou pelos municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos artigo 64 e artigo 65 da lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 , e será obrigatória a elaboração de estudo técnico que comprove que as intervenções de regularização fundiária implicam a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior com a adoção das medidas nele preconizadas, inclusive por meio de compensações ambientais, quando necessárias.

§4º. cabe aos municípios e ao distrito federal a aprovação do projeto de regularização fundiária do núcleo urbano informal de que trata o § 3º".

O mesmo decreto prevê que a aprovação ambiental municipal no âmbito do processo de Reurb, tratado no §4º, do artigo 3º, corresponde à aprovação do estudo técnico ambiental a que se refere o inciso VIII, do caput do artigo 30, e será realizada pelo município se este tiver um órgão ambiental capacitado.

"Artigo 4º A aprovação municipal e distrital da Reurb de que trata o §4º do artigo 3º corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, e à aprovação ambiental, se o município tiver órgão ambiental capacitado.

§1º. a aprovação ambiental a que se refere o caput corresponde à aprovação do estudo técnico ambiental a que se refere o inciso viii do caput do artigo 30.
§2º. Considera-se órgão ambiental capacitado o órgão municipal que possua, em seus quadros ou à sua disposição, profissionais com atribuição técnica para a análise e a aprovação dos estudos referidos no artigo 3º, independentemente da existência de convênio com os Estados ou com a União.
§3º. A aprovação ambiental poderá ser feita pelos Estados, na hipótese de o Município não ter órgão ambiental capacitado".

Destaca-se que, apesar do artigo 13, parágrafo único, da lei nº 6.766/79, exigir a anuência prévia do Estado para aprovação, pelos municípios, e loteamentos e desmembramentos de áreas de município integrante de região metropolitana, o artigo 70, da Lei nº LRF exclui, expressamente, a referida norma no âmbito da Reurb. Ou seja, mesmo na região metropolitana, não se exige a anuência do Estado para a aprovação ambiental do projeto de Reurb, cuja competência é municipal:

"Artigo 70. As disposições da lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, não se aplicam à Reurb, exceto quanto ao disposto nos artigos 37, 38, 39, no caput e nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 40 e nos artigos 41, 42, 44, 47, 48, 49, 50, 51 e 52 da referida Lei".

A única exceção prevista na legislação para aprovação ambiental da Reurb pelo Estado, está prevista no artigo 4º, §3º, da Lei nº 13.465/2017, e artigo 3º, §4º, do Decreto nº 9.310/2018, na hipótese de o município não ter órgão ambiental capacitado.

"Artigo 4º A aprovação municipal e distrital da Reurb de que trata o §4º do artigo 3º corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, e à aprovação ambiental, se o município tiver órgão ambiental capacitado.

(…)

§3º. A aprovação ambiental poderá ser feita pelos Estados, na hipótese de o Município não ter órgão ambiental capacitado".

A competência do município para a emissão da aprovação ambiental no âmbito do processo da Reurb em APP está em consonância com a Lei Complementar nº 140/2011, que fixa normas de cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção do meio ambiente. Isto porque, a LC nº 140/2011 é uma lei geral, enquanto a Lei nº 13.465/2017 se trata de uma lei especial, devendo ser aplicada nesse caso concreto, em atenção ao princípio da especialidade [3].

O principal e mais amplo conceito de licenciamento ambiental dentro da legislação brasileira foi definido pela Resolução n° 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que trata do licenciamento ambiental, em seu artigo 1° como:

"O procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimento e atividades utilizadoras dos recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso".

É importante destacar que o licenciamento ambiental instrumentaliza os princípios ambientais da precaução e prevenção, sendo exigência prévia para as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras a partir da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei n°6.938/1981, ao estabelecer em seu artigo 10 que "a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental".

LEITE [4] afirma que licenciamento é "submeter liberdades econômicas a condicionamentos, ao controle e a um juízo de prognóstico prévio sobre a possibilidade de seu exercício, sempre que estiver em causa o acesso ou a intervenção sobre recursos naturais".

Dessa forma, enquanto o licenciamento ambiental, instrumentalizando os princípios ambientais da precaução e prevenção, sendo um procedimento prévio, a autorização ambiental no âmbito da Reurb trata de aprovação de núcleo urbano informal consolidado [5]. Ou seja, uma situação já existente que deve ser regularizada, não podendo ocorrer confusão entre os referidos instrumentos.

Pelo exposto, pode-se concluir que caberá ao município a aprovação ambiental no âmbito da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) em imóvel localizados em área de preservação permanente (APPs), na hipótese do município possuir órgão ambiental capacitado, que atenda os requisitos previstos no artigo 12, §1º, da Lei nº 13.465/08.

 


[1] SABINO, Jamilson Lisboa. Tratado de Regularização Fundiária Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2022.

[2] Artigo 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§1º O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos

I – a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;

II – a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;

III – a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;

IV – a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;

V – a especificação da ocupação consolidada existente na área;

VI – a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;

VII – a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

VIII – a avaliação dos riscos ambientais;

IX – a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

X – a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.

§2º. Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 metros de cada lado.

§3º. Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o §2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento.

[3] Pelo princípio da especialidade, a norma especial deve ser observada sobre a norma geral. Dessa forma, havendo controvérsia sobre a aplicação de duas leis que regulamentem a mesma matéria, aplica-se a norma especial em detrimento da geral. No caso em apreço, o a LC nº 140/2011 é normal geral, enquanto a Lei nº 13.465/2017 é normal especial.

[4] LEITE, José Rubens Morato et al. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 236.

[5] Nos termos do artigo 11, III, III – núcleo urbano informal consolidado é aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;

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    é procurador do Município de Campo Largo/PR, coordenador jurídico da área ambiental no escritório CMT Advogados, professor universitário, especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Bacellar e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST), mestre e doutorando do Programa de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (PPGMADE -UFPR), membro das Comissões de Direito Ambiental e de Direito das Cidades da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná.

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