A importância na contenção do abuso de poder econômico nas eleições
28 de fevereiro de 2023, 17h22
A democracia é o princípio vetor de boa parte das atuais nações no mundo, alicerçada na pretensão de aprimoramento social e político contínuos, atuando como um difusor de isonomia dos direitos fundamentais. Ela contém em si um elemento dinâmico que reverbera nas ações da sociedade, sendo as eleições um dos resultados desencadeados por sua força motriz.
As eleições introduzem elementos modificadores da qualidade da democracia, tendo o papel fundamental de renovar o contexto político-social e econômico numa sociedade. É nesse momento breve que o cidadão tem a oportunidade de se expressar e de escolher seus representantes na condução dos interesses que mais importam a esta, possuindo as eleições, inerente ao seu genótipo, a necessidade de constantes manifestações periódicas.
Assim é que, essa oportunidade se converte em um momento crucial para o cidadão, como representante da parcela da soberania popular, quando ele deverá sufragar, dentro de um cabedal amplo de candidatos interessados, a pessoa mais apta para o mister que a sociedade tanto aguarda. Daí por que sua capacidade de discernimento deverá estar irretocável, livre de influências perniciosas e de más condutas eleitoreiras que afetem sua plena possibilidade de escolher.
Portanto, a normalidade das eleições só ocorre quando o prélio eleitoral consegue preservar a isonomia entre todos os candidatos que disputam, atuando nesse cenário em igualdade de condições materiais uns com os outros; e quando o cidadão exerce seu direito fundamental sem constrangimento e sem aflição em seus ânimos de escolha livre. Assim, o desfecho que se pretende nessa normalidade de manifestação eleitoral é alcançar a lidimidade que se espera do resultado obtido nas urnas.
Por isso, a importância de um equilíbrio na distribuição de recursos financeiros e de tempo de propaganda política e eleitoral e no uso do poder econômico e do poder político no período eleitoral é de extrema relevância para conferir a normalidade das eleições almejada. Com efeito, o crivo eleitoral só pode ocorrer verdadeiramente quando tanto o candidato quanto o eleitor tiverem respeitados seus direitos, especialmente a isonomia na possibilidade de justamente exercerem-nos.
Tratando especificamente do tema aqui proposto, o que se nota do abuso de poder econômico numa eleição é que é uma grave e péssima conduta eleitoral largamente praticada, especialmente pelos resultados nocivos não só para o processo eleitoral, mas também para a democracia e o Estado de Direito, cuja sorrelfa e percepção do prejuízo muitas vezes demoram a ocorrer ou a serem sentidas.
A influência incontida do poder econômico traz sobremaneira a dominação do espaço político por meio de inserções financeiras ilícitas — ou quando não, propriamente ditas, inversões financeiras com o intuito de aquisição do livre acesso ao espaço de decisões governamentais —, a eliminação da justa e saudável concorrência política e a transformação do cenário eleitoral num mercado político-econômico [1] espúrio. É no abuso de poder econômico que subjaz recôndito uma miríade de violações à ordem jurídica, como desdobramento daquele.
Como exemplo, a prática na atividade fiscalizatória do processo eleitoral revela que o abuso de poder econômico porta consigo a manipulação de cifras financeiras, com a maquiagem da contabilidade, inclusive com a designação de valores a menor ou inexistentes; a criação de contratos fictícios com emissão de notas frias; a compra de votos (corrupção eleitoral) e de apoio político; a manutenção ou movimentação de recursos ou valores em contas paralelas às contábeis fiscalizadas (caixa dois); sem faltar a constituição de um verdadeiro establishment.
Na seara judicial, o que se verifica é que a dificuldade em sua contenção decorre precipuamente da falta de percepção das cortes judiciais eleitorais acerca da gravidade do fenômeno em sua menor manifestação. A existência de standards elevados de provas que possam ensejar eventual condenação inviabiliza qualquer possibilidade de uma resposta adequada do poder público em prol de toda a sociedade.
E o pior acontece quando, mesmo existindo elementos probatórios mínimos suficientes para uma condenação, há a exigência do Poder Judiciário reclamando que seja reconhecida a necessidade da gravidade dos fatos ou da expressividade dos valores envolvidos ou do requisito de real afetação na normalidade e na legitimidade das eleições, impedindo, assim, por completo sua coibição.
A efetividade do combate a este fenômeno necessita que o Judiciário reconheça a importância da prova indiciária em termos de valor probatório, porquanto às vezes uma única e singela prova traz sob si um volumoso esquema fraudulento onde a ponta do novelo de lã se encontra oculta para ser retirada.
Ora, o fenômeno do abuso de poder econômico em quaisquer de suas manifestações é um atentado à democracia e ao próprio Estado de Direito, pois sua ilicitude decorre de sua própria natureza de extrapolação no exercício de um direito outrora legítimo em seu estado de razoabilidade quanto aos meios e quanto aos fins e também pela profanação das regras do jogo democrático.
A primeira, na distorção no uso de uma modalidade de poder, francamente admitido na sociedade, força a imposição de um interesse privado sobre o interesse público, moldando resultados para atender àquele interesse específico com a sobreposição a qualquer outro.
A segunda, não só pela violação do processo eleitoral com regras do jogo claras e precisas que bem delineiam o curso de seu desenvolvimento legítimo e permitem a participação em nível de igualdade dos contendores eleitorais, mas também, por malferir o direito de outros candidatos em ter a chance de obter êxito no prélio eleitoral, desequilibrando a disputa pelo uso de meios ilícitos e ilegítimos.
Dessarte, a contenção desse fenômeno depende, no Brasil, muito mais da mudança de postura do Poder Judiciário do que, propriamente dita, uma alteração legislativa.
[1] A. DOWNS, in An Economic Theory of Democracy, Harper & Row, New York, 1957, revela que a relação entre eleitores e eleitos é um contínuo intercâmbio de mercadorias: aqueles no apoio, em forma de voto da parte dos eleitores, e aqueles, diversos benefícios, patrimoniais ou de status.
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