Saúde mental

CNJ publica resolução que institui política antimanicomial do Judiciário

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27 de fevereiro de 2023, 19h12

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou na última sexta-feira (24/2) a resolução que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Aprovada neste mês durante a primeira sessão virtual do conselho em 2023, o documento visa a adequar a atuação da Justiça às normas nacionais e internacionais sobre os direitos das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial em conflito com a lei.

Reprodução/Jornal da USP
Política Antimanicomial do Judiciário busca evitar internações em hospitais psiquiátricos
Reprodução/Jornal da USP

De acordo com o conselho, o objetivo da normativa é oferecer subsídios aos juízes a fim de que a atividade judicial leve em consideração que as pessoas com transtorno mental têm o direito ao tratamento de sua condição de saúde ao longo de todo o processo penal, desde a audiência de custódia até o eventual cumprimento de medida de segurança. Outra finalidade é ampliar a desinstitucionalização (medidas de prevenção de internações em hospitais psiquiátricos) nas diferentes fases do ciclo penal.

Assinado pela presidente do conselho e ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, o documento apresenta diretrizes e procedimentos elaborados com base em princípios previstos no direito internacional, nas leis brasileiras e em normativas do próprio conselho.

A resolução estabelece, por exemplo, que a política antimanicomial deve ser aplicada a qualquer portador de deficiência mental ou psicossocial que esteja sob investigação ou em cumprimento de pena ou de medida de segurança, com monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto.

Define, ainda, que a política é voltada à pessoa com "dificuldade psíquica, intelectual ou mental que, confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena manutenção da organização da vida", necessitando de cuidado em qualquer fase do ciclo penal.

Já entre os princípios que regem o tratamento dos portadores de transtornos mentais, a normativa orienta que a reabilitação desse público deve se dar por meio da inclusão social, a partir da reconstrução de laços e de referências familiares e comunitárias, além do acesso à renda e ao trabalho.

Quanto ao tipo de estabelecimento adequado ao às pessoas em sofrimento mental, o documento recomenda atendimento em "ambiente terapêutico  em estabelecimentos de saúde de caráter  não  asilar, pelos meios  menos invasivos possíveis. Assim, proíbe o uso contenção física ou de medicação desproporcional ou prolongada, além de isolamento compulsório e eletroconvulsoterapia em desacordo com os protocolos médicos e as normas de direitos humanos.

O CNJ estabelece ainda que, nas audiências de custódia, caberá à autoridade judicial, após ouvir o Ministério Público e a defesa, o encaminhamento das pessoas com indícios de transtorno mental para atendimento voluntário na Rede de Atenção Psicossocial (Raps).

"Será assegurada à pessoa com indícios de transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial a oportunidade de manifestar a vontade de ter em sua companhia pessoa por ela indicada, integrante de seu círculo pessoal ou das redes de serviços públicos com as quais tenha vínculo, ou seja, referenciada, para o fim de assisti-la durante o ato judicial", diz o parágrafo único do Artigo 4º da resolução.

O documento dispõe, também, sobre os procedimentos que os juízes devem observar em caso de necessidade de tratamento mental no curso de prisão preventiva; da medida de segurança; do tratamento ambulatorial; e da medida de internação, em situações excepcionais, entre outras disposições.

"A ausência de suporte familiar não deve ser entendida como condição para a imposição, manutenção ou cessação do tratamento ambulatorial ou, ainda, para a desinternação condicional", esclarece o ato normativo.

Fontes de inspiração
Ao definir as disposições gerais e diretrizes do documento, o CNJ  observou normas contidas nas convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006) e contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e seu Protocolo Facultativo (2002); nas Leis 10.216/2001 — que estabelece a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais — e 13.146/2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência; e na sentença proferida no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, a primeira condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direito Humanos (Corte IDH).

Ocorrida em 2006, a sentença foi proferida no processo sobre o caso de Damião Ximenes Lopes, morto aos 30 anos após sofrer maus-tratos em uma clínica psiquiátrica em Sobral (CE), em outubro de 1999. No julgamento, a Corte IDH ordenou que o Estado brasileiro desenvolvesse programas de formação e capacitação para médicos, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, com base nos princípios internacionais que orientam o tratamento de portadores de transtornos mental.

Clique aqui para ler a Resolução CNJ 487

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