Por omissão, SP deve indenizar família de mulher morta pelo seu ex, policial
17 de fevereiro de 2023, 16h35
A Fazenda Pública do Estado de São Paulo foi condenada a indenizar em R$ 550 mil, por dano moral, os dois filhos, a mãe, o irmão e o padrasto de uma mulher morta a tiros pelo ex-companheiro, soldado da Polícia Militar, sob o fundamento de que a PM foi "omissa" ao saber do comportamento agressivo do acusado. O homicídio ocorreu em 11 de maio de 2020, em Guarujá, e o réu foi condenado a 14 anos, quatro meses e 24 dias de reclusão.

O advogado Airton Sinto, representante dos requerentes, expôs na inicial que o policial militar já tinha sido agressivo com a mulher, motivando-a a registrar boletim de ocorrência e a se dirigir à Corregedoria da PM. Porém, nesse órgão, a mulher foi desencorajada a formalizar a denúncia para a adoção das medidas administrativas cabíveis.
Uma testemunha indicada por Sinto declarou em juízo que foi vizinha do casal. Segundo ela, a vítima lhe disse que foi ao batalhão do companheiro "uma, duas ou três vezes", quando ainda viviam juntos, para denunciá-lo à Corregedoria. Porém, a companheira do soldado foi orientada a "deixar pra lá", pois a situação não seria resolvida e ainda haveria o risco de o policial "perder a farda" e de ela ficar "sem pensão".
A Fazenda do Estado contestou o pedido indenizatório. Alegou que não poderia ser responsabilizada por omissão, porque o soldado (expulso da corporação após o crime) sempre se portou de maneira adequada e nunca demonstrou qualquer desvio psicológico. A defesa acrescentou que não havia elementos que permitissem prever o que aconteceu.
No entanto, segundo a juíza, o argumento ouvido pela mulher na Corregedoria a desencorajou a apresentar novas queixas, "seja por medo ou desilusão". "É óbvio que não há registros pretéritos que desabonem o agressor perante a corporação, já que nas ocasiões em que as ameaças e agressões foram levadas ao conhecimento da corporação, nenhum registro se fez", concluiu a julgadora.
Conforme a sentença, disponibilizada nos autos na última quarta-feira (15/2), a morte da vítima poderia ter sido evitada se a denúncia fosse efetivamente registrada pela Corregedoria e apurada. "A Polícia Militar foi regularmente avisada pela vítima, quase que num pedido de socorro, mas preferiu fechar os olhos para as denúncias e acreditar que tudo se resolveria sem a instauração de sindicância ou processo administrativo."
Sobre o dano moral, a magistrada o considerou inequívoco diante da privação dos requerentes do convívio com a vítima. "Isso, por si só, configura abalo moral que supera, e muito, o status de mero aborrecimento cotidiano e gera dano extrapatrimonial que comporta indenização." A vítima e o policial tiveram dois filhos — uma menina e um menino, que tinham 6 e 7 anos de idade, respectivamente, na época do homicídio.
Cada filho e a mãe da vítima serão indenizados em R$ 150 mil. A indenização ao irmão e ao padrasto será de R$ 50 mil para cada. Conforme a juíza, esses valores foram fixados com base em critérios de proporcionalidade e razoabilidade para desestimular a reiteração de práticas semelhantes por parte da PM, "cumprindo sua dúplice função reparatória e pedagógica, sem que, no entanto, importe em enriquecimento indevido".
A indenização deve ser corrigida monetariamente a partir da sentença. Sobre ela ainda incidirão juros de mora a partir da data do evento danoso. A Fazenda arcará com as custas e despesas processuais, bem como com os honorários do advogado dos autores, arbitrados em 8% sobre o valor atualizado da condenação. Por disposição legal, a decisão será reexaminada em segundo grau, independentemente de recursos das partes.
Chegou atirando
Segundo o processo, quando a mulher estava chegando na casa de seu novo namorado, o seu ex, policial, se aproximou pilotando uma moto e atirando. Lotado no 6º BPM/I (Santos), o ex-companheiro portava uma pistola calibre .40 da corporação e fugiu, sendo preso em flagrante horas depois em sua residência. A vítima faleceu no próprio local.
Submetido a júri popular em 24 de março de 2022, Edgar foi condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe e emprego de recurso que impediu a defesa da vítima. Os jurados rejeitaram a qualificadora do feminicídio. O réu apelou e a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, negou provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença.
Ação cível 1004387-56.2020.8.26.0223
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