Opinião

Excepcionalidade no reconhecimento da patologia de cláusula arbitral

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9 de fevereiro de 2023, 10h08

Em recente notícia publicada aqui na Conjur, foi divulgado julgamento sobre a anulação de cláusula arbitral em contrato de franquia, pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível número 1006072-45.2021.8.26.0100, relator desembargador Cesar Ciampolini).

A decisão em referência decretou a nulidade de cláusula arbitral, com fundamento em grave defeito de cláusula contratual, que exprime a opção dos contratantes pela jurisdição arbitral para dirimir contenda sobre o contrato.

O vício de uma cláusula arbitral pode ser identificado em contradições redacionais (referência a procedimentos inexistentes, a instituição de arbitragem não regularmente constituída etc). Nesse sentido, a Lei 9.307/96  disciplina o procedimento a ser adotado diante de tal vício, com a eventual, e excepcional, intervenção do Poder Judiciário para, por exemplo, nomear árbitro.

De qualquer forma, há um princípio no procedimento de arbitragem que estabelece a precedência da avaliação de uma cláusula arbitral pelos árbitros nomeados ou indicados, antecedentemente à manifestação do Poder Judiciário. Esse princípio é conhecido como Kompetenz-Kompetenz (competência-competência). A adoção desse princípio reflete a influência de Convenções Internacionais sobre o tema (Convenção de Nova York e Convenção Interamericana em Arbitragem Comercial Internacional do Panamá), além de reproduzir previsão contida na Lei Modelo da Uncitral.

A exceção para tal precedência no exercício da jurisdição vem sendo identificada em repetidas decisões de nossos Tribunais, no caso de o vício ser reconhecível de imediato (reconhecimento "prima facie"). Nesses casos admite-se a precedência do julgamento pelo Poder Judiciário.

O Superior Tribunal de Justiça durante anos reconheceu a aplicação do princípio da competência-competência aos processos em que as partes discutiam os requisitos de existência, validade e eficácia dos contratos em que havia a inserção de cláusula compromissória.

Em sentido contrário, podemos citar uma decisão (acórdão) que, de forma ampla e fundamentada (REsp 1.602.076/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, j. 15/9/2016), deliberou sobre hipótese de nulidade de cláusula compromissória, que pode ser constatada prima facie, mediante intervenção do Poder Judiciário, antes mesmo da apreciação de deliberação pelo painel de arbitragem.

A partir, portanto, desse marco decisório, foram proferidas diversas decisões no STJ, no mesmo sentido [1].

Contudo, há preocupantes questões na adoção da avaliação "prima facie" de vício em cláusula compromissória, pelo Poder Judiciário. Uma dessas preocupações consiste na generalidade de casos em que o argumento da análise "prima facie" pode superar o princípio basilar da competência-competência, dirigindo as contendas ao Poder Judiciário, e gerando, dessa forma, grande insegurança na escolha da arbitragem para solução de demandas advindas de contratos.

A ausência de formação de precedentes judiciais, que possa moldar as escolhas na opção pela arbitragem, retirando a vinculação no proferimento de novas decisões (essa questão é tormentosa inclusive para os arbitralistas), tem como consequência a limitação na escolha da arbitragem para determinadas estruturas contratuais, provocando, assim, maior pressão sobre o Poder Judiciário e, também, sobre a celeridade e eficiência da jurisdição estatal.

Os precedentes judiciais são relevantes, como visto, para criar um ambiente de previsibilidade e respeito à segurança jurídica. Sem que haja um precedente, tal qual definido em nossa lei processual civil, as decisões que forem sendo proferidas, carentes de vinculação obrigatória a decisões futuras, por juízes e tribunais, certamente provocarão instabilidade em procedimentos arbitrais.

Para confirmar a insegurança gerada com tal discussão, pode-se citar o acórdão proferido no Recurso Especial 1.550.260/RS, relator ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, em 12/12/2017. Apesar de a maioria dos ministros (três Ministros) ter rejeitado a tese de possível avaliação prima facie de nulidade de cláusula compromissória, com base em alegação de falsidade documental, dois ministros já expuseram opinião de que esse tipo de defeito também estaria sujeito à apreciação do Poder Judiciário, antes mesmo da atuação do tribunal arbitral.

Dessa forma, a decisão referida no início desse texto, de lavra do competente desembargador Cesar Ciampolini, demonstra a necessidade urgente de pacificação desse tema perante os Tribunais Superiores, evitando-se, assim, que o Poder Judiciário seja utilizado como palco de revisão da inicial escolha de arbitragem, com elevação dos custos e eternização das soluções para lides empresariais.

 

[1] São citados os seguintes acórdãos, que, a título de exemplo, adotaram a premissa de apreciação prima facie da nulidade da cláusula compromissória pelo Poder Judiciário, flexibilizando o princípio Kompetenz-Kompetenz: AgInt em AgInt em REsp 1.773.599/PE, Terceira Turma, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 26/10/2020; AgInt em AgInt no REsp 1.431.391/SP, Quarta Turma, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, j. 20/4/2020; REsp 1.845.737/MG, Terceira Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, j. 20/2/2020; AgInt no Aresp 1.029.480/SP, Quarta Turma, relator ministro Raul Araujo, j. 21/3/2017.

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