Opinião

ChatGPT: seria esse robô capaz de substituir um advogado?

Autor

  • Matheus Martins

    é advogado em uma startup de tecnologia entusiasta das relações existentes entre Direito e tecnologia e coautor dos livros Lei Geral de Proteção de Dados – uma Análise Reflexiva e de Impactos Tecnológicos na Sociedade.

8 de fevereiro de 2023, 7h09

Há tempos que uma das grandes novidades no mundo do trabalho é a sua falta. Digo isso porque, desde tempos imemoráveis em que a tecnologia e a inovação modificaram a forma com que realizamos determinadas tarefas, ouvimos a conversa sobre a extinção dessa ou daquela profissão.

Deve ter sido assim quando inventaram a televisão para os atores das radionovelas (você já ouviu alguma áudio-série no Spotify?); quando inventaram a máquina de costura, para as costureiras; ou quando inventaram o ebook para os donos de livrarias.

Não foram diferentes as reações com o fenômeno chamado ChatGPT.

Desde que começou a ser comentado nas redes sociais, a conversa voltou à baila: os mais pessimistas dizem que profissões que dependam da escrita — do advogado ao poeta, passando pelo revisor de texto, o copywriter, o ghost writer e toda sorte daqueles que tem, na palavra, seu ganha-pão — estão com seus dias de segurança no mercado (isso existe?) contados.

Do outro lado, otimistas afirmam que se trata da mais nova e revolucionária invenção que será capaz de modificar totalmente a forma como são feitos esses trabalhos, economizando o tempo daquele que está a trabalhar — que, em vez de gastar horas e minutos com essa ou aquela tarefa mais manual, poderá focar na essência de sua profissão.

Mas, afinal, o que é o tal do ChatGPT?

"O ChatGPT é um modelo de linguagem de última geração treinado pela OpenAI. Ele foi treinado usando milhões de exemplos de texto na internet e agora é capaz de gerar respostas humanas para uma ampla variedade de perguntas e tarefas, como traduções, resumos de texto e conversas. O objetivo é fornecer uma experiência de conversa natural e útil para os usuários. Em resumo, o ChatGPT é um robô inteligente que pode responder a perguntas e realizar tarefas com base em seu treinamento."

Engana-se o leitor que acredita que fui eu quem escreveu isso. Não foi. É obra dele, o chat, após eu mesmo ter explicado a ele que estava escrevendo um artigo para um site jurídico e que gostaria que ele me explicasse, de maneira simples, o que de fato ele é.

Às vezes, mostrar é melhor do que explicar — e está aí a amostra. Isso é o ChatGPT: um robô capaz de responder questionamentos, escrever coisas, organizar listas etc. em linguagem natural.

Mas seria esse robô capaz de substituir um advogado?

Antes de respondermos essa pergunta, é importante entendermos o que é – de fato — um advogado. Para tanto, não recorrerei a nenhuma citação extensa de algum doutrinador renomado. Perguntarei ao chat. E aqui está a resposta:

"Um advogado é uma pessoa formada em direito que atua como defensor de seus clientes em questões legais. Eles podem ajudar seus clientes a entender as leis e regulamentos aplicáveis a suas situações, representar os clientes em tribunais e negociar acordos. A função de um advogado é garantir que os direitos de seus clientes sejam protegidos e defendidos de acordo com a lei. Eles também podem ser consultores e aconselhar seus clientes sobre questões legais antes que elas se tornem problemas maiores. Em resumo, o papel de um advogado é ajudar as pessoas a entender e navegar no sistema jurídico."

Em tempo: ele não nos respondeu que um advogado é alguém que copia e cola a mesma petição para diversos casos. Nem que o advogado é aquele que, quando pago para fazer um contrato, faz algumas modificações em um modelo de internet e o entrega ao seu cliente.

Também não disse que advogado é um ser de outro mundo, com linguajar incompreensível, responsável por influenciar esta ou aquela pessoa por causa da "pinta de importante". Não. Ele respondeu que advogado é quem representa seus clientes e os ajuda a entender as leis. Sobrou tempo até mesmo para uma figura de linguagem: advogado é aquele que tem por papel auxiliar as pessoas a "navegar" no sistema jurídico.

Portanto, precisamos entender o que de fato o ChatGPT é capaz de fazer e o que ainda permanecerá imprescindível que um ser humano faça.

Importante dizer que a existência de profissionais que copiam e colam a mesma petição para diversos casos ou que usam modelos de contrato para seus clientes é, antes de tudo, o sintoma de uma doença muito mais profunda e estrutural. Pelo menos aqui no Brasil.

Isso porque, segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em dezembro de 2020 havia cerca de 1,1 milhão de advogados no país. Se considerarmos que, no mesmo ano, a população brasileira estava em torno estimada em 211 milhões de pessoas, teremos aproximadamente 1 advogado para cada 200 pessoas. Sem contar o número exorbitantes de faculdades de Direito no Brasil que contribuem ainda mais para que esse número aumente.

Seria utopia acreditar que somos, pois, uma sociedade muito mais vocacionada ao Direito do que a outras áreas. Eu — na minha condição de advogado vindo das camadas menos favorecidas da sociedade — tenho a crença de que outros jovens como eu viram, e veem, na profissão uma das poucas oportunidades de ascensão — mesmo em um mercado tão competitivo. Soma-se a isso o fato de que os incentivos para que estudantes sigam outras áreas como as de exatas — engenharia, programação etc. — é ínfimo tanto devido ao nosso baixo índice educacional, quanto a realidade industrial e de mercado que temos.

Por isso, muitos optam pelo Direito como um fio de esperança pela ascensão social — o que resulta no mercado que só quem conhece sabe: honorários aviltados, condições de trabalho muitas vezes absolutamente inaceitáveis e as centenas de milhares de vagas para a chamada "advocacia de massa", em que causas idênticas são objetos de petições idênticas e onde muitos são contratados para preencher modelos.

E é inaceitável reduzirmos uma profissão tão nobre a somente essas atividades.

Portanto, quando imaginamos o ChatGPT e outras tecnologias congêneres não fugimos de um conceito central: ela é muito precisa para nos dar textos, respostas e informações, mas não pode substituir a subjetividade presente nas relações e interações humanas — onde conceitos como "Direito" e "Justiça" habitam e permanecem.

Por isso, o ChatGPT não será — pelo menos por ora — o algoz da advocacia. Mas isso não significa que ele não poderá modernizá-la e nem tampouco que seu uso massivo não possa abalar as estruturas do que hoje muitos entendem por advocacia.

Isso porque ainda está no imaginário popular o advogado enquanto alguém que tem um escritório no centro e visita o fórum diariamente, alguém que vive do litígio e dos ritos de outrora. Porém, as novas tecnologias podem abalar muitas dessas estruturas estabelecidas na medida em que impõe uma nova perspectiva sob essa realidade, desnudando a profissão de suas práticas mais sobejantes e forçando que profissionais se atentem aquilo que é essencial — soluções práticas, rápidas e de preferência sem "pretensões resistidas".

Cada vez mais ferramentas como essa substituirão as velhas práticas. Os parágrafos e mais parágrafos que o advogado dedica horas e horas para exemplificar essa ou aquela tese ou instituto jurídico — "legítima defesa", "inversão do ônus da prova", princípio disso ou daquilo — serão escritos por inteligências como a do ChatGPT. Imaginem, então, o que ocorrerá com preenchimentos de modelos e outras atividades do mesmo gênero.

E isso sim tem o poder de revolucionar o mundo jurídico — tirando advogados das tarefas repetitivas e convidando-os a pensar o Direito. E "pensar o Direito" passa pela desconstrução deste enquanto apenas litígio e passa pela construção de um Direito muito mais estratégico, afeito a soluções simples e sem formalismos exacerbados.

Imagine, portanto, que em vez de ficar horas e mais horas escrevendo uma petição e procurando essa ou aquela citação ou maneira de explicar esse ou aquele princípio, o advogado possa simplesmente solicitar à ferramenta que escreva um parágrafo explicando de maneira simples e ele possa concentrar-se efetivamente em delinear uma boa estratégia para o caso, utilizando dessa explicação. Ou então o advogado contratualista que em vez de ficar horas e mais horas fazendo modificações idênticas em todos os modelos de contrato que recebe — por exemplo: alterando a multa e inserindo suas cláusulas padrão — possa utilizar da ferramenta para fazê-lo e aproveitar melhor seu tempo ajudando a liderança ao exercer a função de um jurídico mais estratégico.

Afinal, por trás de toda a estrutura formalística que envolve o Direito, existe uma ciência cujo único intuito é pacificar a sociedade sob o ideal da Justiça. É óbvio que toda essa ciência se vale de um constructo teórico, procedimentos e processos que conferem a ela uma maneira de alcançar o seu fim — porém, ferramentas como o ChatGPT podem servir justamente como atalho a alguns desses procedimentos ou, até mesmo, como uma oportunidade de questioná-los.

Por isso, retornando o diálogo com os pessimistas e otimistas que citei no início desse texto, posso afirmar:

"– A revolução virá! Mas cum grano salis…"


 

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Conselho Federal. Disponível em: https://oab.org.br. Acesso em: 30/01/2023.

ACESSO AO CHATGPT. Data de acesso: 30 de janeiro de 2023. Disponível em: https://openai.com/chat-ai/.

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  • é advogado em uma startup de tecnologia, entusiasta das relações existentes entre Direito e tecnologia e coautor dos livros Lei Geral de Proteção de Dados – uma Análise Reflexiva e de Impactos Tecnológicos na Sociedade.

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