Opinião

Desmistificando a pós-graduação em direito no exterior (parte 1)

Autores

  • Luís Henrique Perroni Fernandes

    é advogado sênior do escritório Pinheiro Neto Advogados bacharel em Direito pela PUC-SP LLM pela University of Pennsylvania Carey Law School e master in business economics pela Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP).

  • João Vitor de Araujo Crepaldi

    é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados LL.M. em Direito pela Northwestern Pritzker School of Law (2019) e ex-international visiting associate no escritório Latham & Watkins em Chicago.

6 de fevereiro de 2023, 7h11

O aprimoramento acadêmico e profissional na área do direito pode se dar de diferentes maneiras, no Brasil ou no exterior. A opção pelo exterior certamente não é a mais trivial e isso se deve em grande parte à enorme assimetria de informações sobre o assunto. Quanto custa uma pós-graduação no exterior? Qual é a melhor idade para ir? Há opções de bolsa de estudos? E de financiamento? Quais são as faculdades mais renomadas em determinada área do direito? Qual é o efeito na carreira no curto e no longo prazo?

Não há fontes confiáveis que reúnam essas — e outras — informações sobre pós-graduação em direito no exterior de forma organizada, completa e gratuita. O bacharel em direito que queira estudar no exterior geralmente está diante de um quebra-cabeça difícil, de muitas peças, com diferentes formatos. E a resposta para resolver esse quebra-cabeça está pulverizada nos sites das universidades estrangeiras e, principalmente, nas conversas com ex-alunos.

Essa fase de exploração é lenta e demanda tempo, energia e certa "cara-de-pau". Em grandes escritórios de advocacia, em que há vários associados e sócios, é bem provável que a informação esteja perto. Na sala ao lado. No café. No almoço de equipe. No caminho de volta de uma reunião. É mais fácil a interação entre pessoas que já trilharam o caminho de estudo no exterior e os futuros candidatos.

Mas sabemos que a comunidade jurídica não é formada somente por grandes escritórios de advocacia. Pensando nisso, reunimos abaixo 20 perguntas comuns para quem tem curiosidade, planos, ou está decidido a cursar uma pós-graduação no exterior. Esse texto está dividido em duas partes, sendo a primeira parte contendo dez perguntas e respostas com maior foco no programa de pós-graduação no exterior e processo de admissão, e a segunda, com outras dez e perguntas e respostas com maior foco na carreira.

Esperamos que essas perguntas sejam um incentivo, não para cursar uma pós-graduação no exterior necessariamente, mas para que explorem, reflitam, pensem nos diferentes caminhos disponíveis e, assim, tomem decisões profissionais e acadêmicas fundamentadas.

Perguntas e respostas
1. Qual é a diferença entre a pós-graduação no exterior e no Brasil? Como é uma aula no exterior? Qual é o tamanho da turma?
No Brasil, são oferecidos cursos de pós-graduação strictu sensu (mestrado) e latu sensu. Os cursos de pós-graduação oferecidos nos Estados Unidos— também conhecidos como LL.M.[1] — se aproximam mais dos cursos de pós-graduação latu sensu pelo fato de não haver (em sua grande maioria) dissertação como requisito para a sua conclusão e pela abordagem mais prática.

Diferentemente do Brasil, os cursos de pós-graduação no exterior costumam ser de dedicação exclusiva. As aulas são ministradas com base no método socrático de ensino, em que os alunos devem estudar anteriormente a matéria que será dada em aula e os professores fazem perguntas aleatórias para os alunos a respeito do material, como ponto de partida para as discussões em sala. Trata-se de um diálogo dinâmico, com participação ativa de alunos e professores. Os alunos estrangeiros, em regra, se misturam nas salas de aula com alunos nativos que estão cursando a graduação em direito, havendo algumas matérias dedicadas exclusivamente aos alunos estrangeiros.

Os próprios alunos montam as respectivas grades com base nas matérias de interesse, sendo permitida a escolha de determinado número de matérias em outras escolas que não a Law School. É interessante a possibilidade de interações com alunos de todo o mundo, de diferentes áreas do direito, sistemas jurídicos, e culturas.

2. Além das aulas, quais outras atividades posso fazer na faculdade como aluno de pós-graduação?
Há uma verdadeira infinidade de atividades extracurriculares nas faculdades. A começar pelos vários eventos, palestras, congressos e dinâmicas que acontecem quase que simultaneamente nas faculdades de direito todos os dias, a respeito dos mais variados temas. Apesar de a participação em tais atividades não ser obrigatória (na maioria das vezes), é bastante incentivada pelos orientadores das faculdades para que os alunos possam ter maior imersão na vida estudantil e se aproximar dos outros estudantes. É também comum que os alunos estrangeiros se envolvam em associações estudantis, que podem ser de afinidade, esportivas, produção acadêmica ou relacionadas a diferentes práticas do direito. Algumas universidades oferecem clínicas, em que os alunos podem vivenciar experiências práticas supervisionadas durante o curso. E, como no Brasil, há possibilidade de os alunos estrangeiros serem assistentes acadêmicos de professores.

3. Quanto custa um curso de pós-graduação nos Estados Unidos? Há opções de bolsa? E de financiamento?
Custa caro, mas leia até o fim! Em geral, as faculdades norte-americanas disponibilizam, em seu site, uma simulação dos custos totais a serem desembolsados pelo aluno durante o período do curso, incluindo gastos de matrícula ("tuition"), material, moradia, plano de saúde e lazer. Essa estrutura de custo varia, a depender da universidade e da cidade em que esteja localizada.

Dentre as 50 faculdades de direito mais bem ranqueadas dos Estados Unidos em 2023 (de acordo com o US News), o tuition varia de US$14.208,00 (Brigham Young University, em 23º lugar) a US$ 76.088,00 (Columbia University, em quarto lugar), sendo US$ 67.675,00 a média das 15 faculdades mais bem ranqueadas, e a média das 50 faculdades mais bem ranqueadas, US$ 49.484,00. O custo total terá uma variação a depender do estilo de vida, mas o acréscimo ao tuition deve ser algo em torno de 30-40%.

A parte boa é que há opções de bolsa de estudos, sejam aquelas oferecidas pelas próprias faculdades (na forma de descontos sobre o tuition) ou externas, como Instituto Ling, Fundação Lemann, Programa Chevening (específico para estudos no Reino Unido), entre outras. As bolsas concedidas pelas faculdades chegam a 100% e podem ser decorrentes de mérito, necessidade, perfil de aluno desejado ou área de atuação, a depender dos critérios estabelecidos por cada faculdade. Tais processos, que são competitivos, demandam tempo e dedicação.

Há também interessantes opções de financiamentos estudantis em que não é necessário fiador e os pagamentos começam a ser realizados seis meses após a conclusão do curso, com prazos de pagamento total alongados. Ainda que seja uma boa opção de custeio, a recomendação é que eventual financiamento seja feito de maneira pensada e responsável, especialmente pela variação cambial no Brasil.

É comum que o aluno de pós-graduação no exterior, que não tenha condições para arcar todas as despesas à vista, combine diferentes fontes de custeio entre reserva pessoal, reserva familiar, bolsa de estudos concedidas pelas próprias faculdades estrangeiras, bolsas de estudos externas, financiamento estudantil, além de eventual patrocínio de empregador no Brasil.

4. Qual é a idade apropriada (ou momento certo da carreira) para estudar no exterior?
Não há resposta certa. Há quem vá imediatamente após a graduação e quem opte por ir um pouco mais adiante na carreira. No primeiro cenário, não há dúvidas de que haverá um elevado grau de absorção de conhecimento. No segundo cenário, é de se imaginar que o aluno participe mais ativamente das aulas e tenha mais facilidade de assimilar o conhecimento. A segunda opção é a mais usual, seja porque a pós-graduação no exterior é uma grande oportunidade de troca, compartilhamento e discussão de temas de interesse, bem como pelo fato de as próprias faculdades privilegiarem (o que não é uma regra) candidatos mais maduros, que possam agregar às aulas um pouco da vivência profissional que tiveram em seus respectivos países. Além disso, eventuais patrocínios de empregadores no Brasil são usualmente atrelados a tempo de casa e formação.

A média dos brasileiros em cursos de pós-graduação em direito no exterior tem sido algo em torno de 3-8 anos contados da graduação em direito no Brasil, embora naturalmente haja exceções para ambos os lados. É necessária uma avaliação crítica a respeito do grau de maturidade profissional, acadêmica e pessoal para determinar o melhor momento para ir: Estou em qual estágio da carreira? Qual é a minha experiência em casos sofisticados? Qual é o meu grau de autonomia? Estou ainda aprendendo muito todos os dias ou está na hora de buscar novos desafios no exterior? Será que tenho condições de acompanhar discussões jurídicas de alto nível em inglês? Essas e outras várias perguntas precisam ser feitas, exploradas, discutidas com colegas, chefes e professores, e avaliadas com honestidade.

5. Posso ir a qualquer momento? Há datas específicas para início dos cursos de pós-graduação? Como é o calendário?
Em geral, nos Estados Unidos, os prazos para inscrição em cursos de pós-graduação em direito encerram ao final de cada ano, em dezembro, mais tardar no início de janeiro. Os resultados costumam ser publicados em diferentes levas durante o primeiro semestre do ano subsequente e os cursos iniciados em meados do semestre seguinte, entre julho e setembro, com duração total de nove meses. Além disso, estimamos que o tempo de preparação ideal é de seis meses antes dos prazos de inscrição.

Assim, se a intenção é fazer uma pós-graduação nos Estados Unidos em 2024, por exemplo, é recomendável (a) começar a se preparar a partir de junho/2023; (b) se inscrever para as faculdades norte-americanas em dezembro/2023; (c) esperar pelos resultados de admissão ao longo do primeiro semestre de 2024; e, então, (d) embarcar para os Estados Unidos em meados de agosto/2024 para início das aulas. Obviamente, a depender da faculdade, esse calendário será ajustado, para frente ou para trás. Por conta da pandemia, algumas faculdades passaram a oferecer cursos de pós-graduação com início em janeiro, como o caso de Fordham University School of Law.

6. Quais são as etapas para o processo de admissão nos Estados Unidos?
Há algumas etapas que são praticamente comuns a todos os processos de admissão nos Estados Unidos, quais sejam: (a) exame de proficiência em inglês, sendo que cada faculdade terá seus critérios e notas de corte; (b) currículo; (c) carta pessoal, em que o candidato terá que contar a sua trajetória e explicar as razões pelas quais deseja cursar pós-graduação no exterior; (d) apresentação de documentos da graduação (e eventual pós-graduação) no Brasil, para comprovação de realização e desempenho; e (e) cartas de recomendação profissional e acadêmica. Todos os documentos devem ser apresentados em inglês com validação de tradutor juramentado (o que implica custos e tempo para expedição de tais documentos). Algumas faculdades norte-americanas podem exigir etapas/informações adicionais, como elaboração de artigos, entrevistas, entre outras ações. A plataforma LSAC (www.lsac.org) centraliza o application para grande parte das faculdades norte-americanas.

7. Há necessidade de contratar uma consultoria para me auxiliar no processo?
Há algumas empresas de consultoria especializadas (nacionais e estrangeiras) que orientam candidatos no processo de inscrição. Nos parece que a contratação destes profissionais varia caso a caso e dependerá de uma análise detalhada do nível de informação, tempo de preparação e solidez do perfil do candidato.

8. Decidi HOJE que quero cursar uma pós-graduação em direito nos Estados Unidos. Por onde começo?
O primeiro passo é saber o cronograma de inscrição, divulgação de resultados e início das aulas (vide item 5 acima). O segundo passo é mapear todo o caminho a ser percorrido para que se tenha uma ideia geral do processo e do tempo aproximado exigido em cada uma das etapas. Esse exercício determinará a ordem das atividades a serem realizadas. Por exemplo, é preciso de nota satisfatória em exame de proficiências em inglês, que pode levar algum tempo a ser obtida. Além disso, é interessante se atentar às tarefas que não dependam integralmente do candidato, como, por exemplo, solicitação de determinados documentos para as instituições de ensino cursadas no Brasil (graduação e eventual pós-graduação), já que o candidato não tem total controle sobre a agenda de terceiros. Embora quase todas as informações estejam nos sites das universidades, há atividades que serão descobertas durante as pesquisas adicionais e conversas com ex-alunos, como, por exemplo, providências para obtenção de visto e passaporte, plano de saúde no exterior e inscrição para processos de bolsas externas.

9. Qual é o perfil desejado pelas faculdades? Não sou o melhor aluno. Ainda assim tenho chances de ser admitido em uma faculdade americana?
No item 6 acima, explicamos como funciona o processo de inscrição. Há diferentes elementos que são submetidos às faculdades estrangeiras. Alguns mais objetivos, como desempenho acadêmico no Brasil e nota do exame de proficiência em língua inglesa, e outros mais subjetivos, como cartas de recomendação. As faculdades irão analisar o perfil do candidato como um todo e decidir com base nessa "cesta". O fato de a candidatura ter uma fragilidade, como notas medianas durante a graduação, por exemplo, pode tranquilamente ser compensada pela sólida experiência profissional ou atividades robustas de liderança realizadas pelo candidato até aquele momento de sua carreira. E há casos em que a faculdade, por qualquer razão, esteja procurando perfis específicos para compor as suas turmas de pós-graduação. A verdade é que há algum mistério no processo de admissão conduzido pelas faculdades. Por isso, se você tem vontade e condições de estudar no exterior, vá adiante!

10. Qual a rotina de um curso de pós-graduação no exterior? Preciso estudar muito? Posso usar esse período como um sabático?
É comum que o candidato que esteja no meio da carreira, já com alguns anos de formado da graduação, veja no curso de pós-graduação no exterior uma oportunidade de pausa e reenergização. Embora isso seja em parte verdade, por se tratar de um período de muita exploração e novidades, o LL.M. é um curso com elevadíssima carga de estudo, que exige dedicação, resiliência, e longas horas diárias de estudo. Definitivamente, não se trata de férias.

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As perguntas e respostas acima foram identificadas com base em nossa experiência recente nos Estados Unidos e no conteúdo recebido pela página do Instagram "Por Dentro do LLM", foro de divulgação de informações e trocas de experiências entre alunos, ex-alunos e entusiastas de cursos de pós-graduação em direito no exterior.

Fazemos a ressalva de que, ainda que grande parte das respostas às perguntas acima tentem partir de uma média, trata-se de pontos de vistas dos autores que, por conta de sua subjetividade, não podem ser tratadas como regras. É importante que todos os temas abordados acima sejam pesquisados e debatidos. Trata-se, portanto, de um ponto de partida para a navegação — necessária e saudável — no mundo dos cursos de pós-graduação no exterior.

Continua na parte 2

 


[1] Abreviação do termo em latim Latin Legum Master. Em inglês, o termo utilizado é Master of Laws.

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    é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados, criador do projeto "Por Dentro do LLM", LL.M. em Direito pela University of Pennsylvania Carey Law School (2021) e ex-visiting associate no escritório Gibson, Dunn & Crutcher, em Nova York.

  • Brave

    é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados, LL.M. em Direito pela Northwestern Pritzker School of Law (2019) e ex-international visiting associate no escritório Latham & Watkins, em Chicago.

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