Opinião

Como os gênios produzem: mais segredos da superaprendizagem

Autor

3 de fevereiro de 2023, 6h33

Quando comecei a me interessar pela ciência da alta performance cognitiva, procurei a entender a rotina dos grandes gênios da humanidade. Meu objetivo era seguir a máxima de Newton de "subir nos ombros dos gigantes" e tentar descobrir os segredos desses gênios.

Spacca
Afinal, como é que pessoas como Albert Einstein, Marie Curie e Charles Dickens conseguiram produzir tanto conhecimento de qualidade em tão curta vida? Qual caminho eles trilharam para alcançar resultados tão grandiosos? E será que nós próprios podemos aproveitar alguma estratégia que eles utilizaram para atingir um nível parecido?

Compilei o resultado no livro "SuperAprendizagem: a ciência da alta performance cognitiva" e irei aqui apresentar um panorama geral e simplificado de algumas ideias lá desenvolvidas, deixando claro que o livro vai muito além disso.

Para começar, um quadro bem ilustrativo, que sintetiza a rotina de 28 gênios de várias áreas:

Reprodução
Reprodução

É possível notar alguns detalhes bem interessantes. Em primeiro lugar, embora exista uma predominância de trabalho intenso no período da manhã, o padrão de rotinas é bem variado. Alguns como Voltaire, Kant e Benjamin Franklin acordavam antes de 6h e reservavam uma parte considerável da manhã para a realização de trabalho intelectualmente intenso. Outros, como Vladimir Nabokov, Thomas Mann e Tchaikovsky acordavam um pouco mais tarde (por volta de 7-8h), começavam a trabalhar no meio da manhã e esticavam o expediente intelectual até as primeiras horas da tarde. Kafka, Flaubert e Picasso, por sua vez, começavam a trabalhar no final da tarde e só paravam de madrugada, reservando o período da manhã para o sono. Por fim, há os que fogem dos padrões tradicionais, como Mozart, que dormia menos de 5 horas por dia e usava momentos intercalados do dia para o trabalho criativo.

Como se vê, não existe uma "rotina ideal" que se amolda a todas as pessoas indistintamente. Os gênios souberam encontrar o seu timing perfeito e organizaram suas rotinas de trabalho em função disso. Muitos deles evitaram se curvar à agenda imposta pela sociedade, preferindo seguir as suas particulares potencialidades biológicas, emocionais e cognitivas. Em outras palavras: eles montaram suas rotinas de acordo com suas características individuais (cronotipo), tentando extrair o melhor resultado possível dentro de uma limitada janela de tempo.

Mesmo tendo rotinas variadas, quase todos adotavam rituais diários muito consistentes, que envolviam alguns horários pré-estabelecidos para o trabalho focado, intercalados com momentos de relaxamento, introspecção e reflexão. Parece aleatório, mas há lógica na loucura.

Veja, por exemplo, a rotina de Charles Dickens, descrita no livro Daily Rituals, de Mason Currey:

"Os horários de trabalho de Dickens eram invariáveis. Seu filho mais novo disse que 'nenhum funcionário público era mais metódico ou ordeiro do que ele; nenhuma atividade burocrática, monótona e convencional poderia ser realizada com mais pontualidade ou com mais regularidade do que ele dedicava ao seu trabalho de imaginação e fantasia'. Ele acordava às 7h, tomava café da manhã às 8h, se dirigia ao seu gabinete por volta de 9h. Ele permanecia lá até 14h, dando um rápido intervalo para almoçar com sua família, durante o qual ele frequentemente parecia estar em transe, comendo mecanicamente e mal falando uma palavra antes de voltar para a sua mesa. Em um dia ordinário, ele podia escrever cerca de 2.000 palavras, mas, durante um voo de imaginação, ele às vezes alcançava o dobro. Outros dias, contudo, ele dificilmente escrevia alguma coisa; mesmo assim, ele continuava com sua rotina diária sem falhar, rabiscando e olhando pela janela para passar o tempo.
Prontamente às 14h, Dickens deixava sua mesa para uma vigorosa caminhada de 3 horas pelos campos ou pelas ruas de Londres, continuando a pensar em sua história e, como ele descreveu, "procurando por algumas imagens que eu queria construir". Após voltar para casa, nas palavras de seu cunhado, "ele parecia a personificação da energia, que parecia emanar de todos os poros como se tivesse um reservatório oculto". As noites de Dickens, contudo, eram relaxadas: ele jantava às 18h, e passava o restante da noite com sua família ou amigos antes de dormir à meia-noite."

Como se vê, é uma rotina simples: quatro horas de deep work (trabalho focado), seguidas de algumas horas de shallow work (trabalho superficial) ou de pensamento em modo difuso (caminhadas e conversas com amigos), criando as condições necessárias para a maturação de ideias, intercaladas com várias horas de descanso efetivo (relaxamento noturno).

Em muitos momentos, Dickens estava em estado de flow ("em transe", em "voos de imaginação"). O flow (ou fluxo) é uma condição mental que pode ocorrer quando se está tão concentrado e engajado na realização de uma determinada atividade que o consciente e o inconsciente passam a trabalhar juntos na mesma direção.

Nesse estado mental, o cérebro costuma processar muito mais informações do que em situações de normalidade, apesar de, paradoxalmente, fazer menos esforço cognitivo. É como se o cérebro "desligasse" os setores da mente que não são relevantes para aquela atividade e canalizasse toda a energia para realizar a tarefa do modo mais eficiente possível. Nesses momentos, a pessoa está tão profundamente compenetrada na atividade que nem nota o mundo a sua volta e mal sente o tempo passar. É uma sensação que gera muita satisfação, motivação e crescimento intelectual. Esportistas, artistas e cientistas de alto nível experimentam essa sensação com frequência e percebem que, ao alcançarem esse estado, estão no caminho certo.

Outro ponto fundamental é a inclusão de momentos de descanso durante o trabalho focado. Charles Darwin era bem metódico quanto a isso. Ele fracionava o seu trabalho focado em três ciclos diários de 90 minutos, intercalados com períodos de relaxamento mais longos, nos quais ele caminhava, realizava atividades mais leves e interagia com seus amigos e familiares.

O curioso é que, cem anos após a morte de Darwin, descobriu-se que o ritmo circadiano do ser humano envolve ciclos de aproximadamente 90-120 minutos. Ou seja, em um ciclo de 90 minutos, a energia mental aumenta até atingir o seu pico e, logo em seguida, diminui para o seu ponto mais baixo. Daí porque as melhores estratégias para gestão do tempo sugerem a adoção de alguma versão da técnica pomodoro, aproveitando ao máximo esse sobe e desce da capacidade cognitiva.

Outro ponto intrigante é que praticamente todos os gênios devotavam cerca de 4 horas por dia para o trabalho profundo, criativo e mais intenso, não mais do que isso. Muito provavelmente, se houvesse um esforço para extrapolar esse limite, teriam um colapso mental e dificilmente conseguiriam produzir com qualidade.

E quando não estavam em modo focado, muitos deles utilizam estratégias de relaxamento para ativar um modo de pensamento que hoje é conhecido como modo difuso (em inglês: diffuse mode).

O modo difuso é uma técnica para criar associações de ideias quando a mente está relaxada. Os gênios da humanidade têm consciência disso. Por isso, eles usam estratégias deliberadas para ativar o pensamento difuso. Alguns adotam o hábito da soneca durante o expediente. Outros preferem uma caminhada ao ar livre ou um passeio com o animal de estimação. Há quem goste de um banho mais demorado ou uma conversa entre amigos. Enfim, são muitos hábitos possíveis para estimular o pensamento difuso.

Para que o modo difuso seja ativado, é necessário que exista uma pré-disposição mental para o processamento inconsciente da informação e um constante estado de alerta para captar a informação quando surge.

O pintor Salvador Dalí, no seu livro 50 Segredos Mágicos para Pintar, ensinou um modo bem peculiar de colocar essa ideia em prática. Ele denominou a técnica de "dormindo com a chave". Basicamente, ele sentava em uma poltrona em estilo espanhol, inclinava a cabeça para trás e mantinha as costas relaxadas na parte de trás da cadeira. As mãos ficavam penduradas para o lado de fora da poltrona, completamente relaxadas. Em uma das mãos, Dalí segurava uma chave grande. No chão, logo abaixo da chave, ele colocava um prato de cabeça para baixo. Próximo à poltrona, ele já deixava uma tela em branco com os pincéis preparados para a pintura. E dormia… Quando o sono vinha, o corpo relaxava, o braço soltava a chave, que espatifava no prato, produzindo um barulho suficiente para acordá-lo justamente no estágio do sono em que os pensamentos estavam mais difusos. Com frequência, uma ideia para uma nova tela aparecia do nada e era só começar a pintar!

É provável que Salvador Dalí tenha imitado essa técnica de Thomas Edison, que também costumava tirar cochilos frequentes em seu local de trabalho para encontrar a solução de problemas intelectuais. Ele lia um texto ou um problema científico que o intrigava e simplesmente tentava dormir segurando uma bola de ferro na mão. Quando a bola caía, Thomas Edison acordava e tentava registrar todas as ideias que haviam surgido naquele instante.

Tanto Salvador Dalí quanto Thomas Edison estavam colhendo os frutos de um estado mental conhecido como hypnagogia, que é um estágio de transição entre a consciência (vigília) e a inconsciência (sono). Nesse estado de semiconsciência, em que a pessoa nem está totalmente dormindo nem acordada, as conexões neurais são muito mais difusas e, portanto, há muito mais associações de ideias sendo realizadas.

Hoje, sabemos que a hypnagogia tem efeitos colaterais, como alucinações ou outros distúrbios mentais. Por isso, não é uma técnica recomendada. Porém, o mais importante é perceber o princípio que a sustenta. Se você analisar com atenção, nem Salvador Dalí, nem Thomas Edison acreditavam que o sono por si só seria capaz de gerar ideias geniais. Havia uma preparação prévia para estimular o modo difuso de pensamento. Antes de entrar no estado de hypnagogia, eles usavam o deep work para forçar a mente a pensar em um determinado ponto focal. Somente depois é que eles diminuíam o foco e deixavam o inconsciente realizar o seu trabalho, preparando-se para registrar as ideias assim que surgissem. Ou seja, eles plantavam uma ideia no cérebro, desligavam o foco intenso e esperavam o momento certo para colher os frutos produzidos pela mente. Graças a esse intercâmbio frequente entre o modo focado e o modo difuso, as ideias costumavam surgir com muito mais riqueza.

O sono também é um catalisador do pensamento difuso. São muitas as histórias em torno disso. Por exemplo, Paul McCartney confessou ter escrito a música "Yesterday" durante um sonho. Ele acordou com a melodia na cabeça, sentou-se em seu piano e simplesmente tocou a música!

A música "(I Can’t Get No) Satisfaction", dos Rolling Stones, tem uma história ainda mais curiosa. Keith Richards costumava dormir com um gravador ao lado da cama. Em uma certa manhã, ao acordar, notou que o gravador estava ligado. Quando apertou o play, os acordes da música estavam todos lá, inclusive o famoso riff da introdução. Ele havia composto e gravado a música durante a noite, apesar de não se lembrar de nada do que havia acontecido!

Há várias histórias semelhantes no campo das descobertas científicas. Além da famosa história da maçã que levou Isaac Newton a desenvolver a lei da gravidade, Dmitri Mendeleiv afirmou ter encontrado a solução para organizar a primeira versão da tabela periódica de elementos químicos após uma noite de sono. Ele acordou e montou a tabela praticamente sem erros. Do mesmo modo, August Kekulé contou que resolveu a intricada fórmula estrutural do benzeno após sonhar com uma cobra mordendo a própria cauda.

O sono também produz o efeito Zeigarnik, um fenômeno psicológico que nos leva a lembrar melhor de tarefas inacabadas ou interrompidas do que de tarefas concluídas.

Ernest Hemingway desenvolveu um método bem sofisticado para tirar proveito do efeito Zeigarnik. Ele costumava finalizar a sessão de escrita bem no meio de uma frase, mesmo que soubesse o que escrever depois. No dia seguinte, relia o que havia escrito no dia anterior, melhorava a redação e continuava a escrever de onde parou. Essa interrupção deliberada forçava o cérebro querer terminar o que havia sido iniciado. Hemingway dizia: "o melhor jeito é sempre parar quando você está indo bem e sabe o que vai acontecer depois. Se você fizer isso, nunca vai empacar".

Além do efeito motivacional, esse método tem o potencial de estimular o pensamento em modo difuso, criando novas associações de ideias até então não imaginadas. Nas palavras de Hemingway, "aprendi a nunca esvaziar o poço da escrita, mas a sempre parar quando ainda havia algo lá na parte mais profunda do poço e deixá-lo reabastecer à noite nas nascentes que o alimentavam".

Como se vê, os gênios da humanidade usaram métodos inteligentes para produzirem com eficiência e qualidade. Eles não alcançaram a excelência com sacrifícios extenuantes, nem adotavam a máxima "no pain no gain". Muito menos praticavam técnicas obscuras de “leitura dinâmica” ou "fórmulas infalíveis de aprendizagem". Na verdade, eles aderiram a um sistema de vida eficiente, capaz de propiciar o constante aprimoramento pessoal. Os resultados frutificaram por conta de seus pequenos hábitos cultivados diariamente.

E esse é um dos segredos da superaprendizagem. Não é preciso ter algum tipo especial de superpoder intelectual para se tornar um gênio. Todos somos gênios em potencial. Basta ter a capacidade de buscar a melhoria contínua em tudo o que podemos controlar. Para nossa sorte, essa capacidade já está pré-configurada em nossas mentes. Só precisamos dar uma forcinha para ativá-la.

PS. Se quiser saber mais, vale a leitura do livro "SuperAprendizagem: a ciência da alta performance cognitiva" (clique aqui para adquirir) que se alicerça na ciência da formação de hábitos (James Clear), na gestão do tempo (Daniel Pink), na ciência do sono (Matthew Walker), e muitos outros. Os rituais diários dos grandes gênios foram descritos no livro "Daily Rituals", de Mason Currey.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!