Empresa preponderante exportadora sem exclusividade
26 de dezembro de 2023, 15h22
Esta matéria pretende esclarecer o entendimento ao direito à imunidade de receitas decorrentes de exportação (artigo 149, § 2º, inciso I, da CF/1988), em relação à venda do serviço de frete nacional não necessitar ser contratado, exclusivamente, por pessoa jurídica preponderantemente exportadora.
Em matéria de interpretação, ensina o desembargador federal Leandro Paulsen, que diz: “a imunidade objetiva é aquela em que se exclui da tributação determinado bem, riqueza ou operação considerado de modo objetivo, sem atenção ao seu titular.” (…) “Relativamente à aplicação das imunidades, vale considerar que as normas negativas de competência, bastantes em si, são autoaplicáveis”. (curso de direito tributário completo, Saraiva Jur, 11ª edição, revista atualizada, ano de 2020, páginas 117 e 119).
Cumpre observar, o entendimento de que esta norma constitucional imunizante por ser autoaplicável não autoriza o benefício (suspensão) previsto no artigo 40 da Lei nº 10.865/2004, com exclusividade ao caso de venda à empresa preponderante exportadora.
Neste sentido, o caso concreto em analise é o contexto do recurso extraordinário nº 1.367.071/PR, abrangendo, em essência, as decisões anteriores e posteriores, de modo que, possa se entender que a empresa preponderante exportadora sem exclusividade da imunidade tributária.
Em primeiro plano, no âmbito do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), parte da ementa do acórdão:
“(…) Apenas o frete contratado por pessoa jurídica preponderantemente exportadora confere direito à suspensão da incidência de contribuição ao PIS e da COFINS sobre as receitas decorrentes da prestação de tal serviço, na forma do art. 40, §§ 6º-A e 8º, da Lei nº 10.865, de 2004, não se estendendo o benefício fiscal às receitas de transporte contratado por trading company.”
O tribunal de origem manteve a sentença que julgou improcedente o pedido de suspensão tributária das contribuições sociais, inclusive assentou inexistir previsão constitucional ou legal para não incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas auferidas pelo operador de transporte com o serviço de frete contratado por trading company.
O acórdão do TRF-4 relata que a autora não tem direito à suspensão da incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas de frete de produtos destinados à exportação, quando contratado por trading company. O pedido é fundamentado no artigo 40, §§ 6º-A, II e 8º, da Lei nº 10.865/2004. Ou seja, não há previsão legal de suspensão da incidência destas contribuições para este fato específico.
É de verificar-se que o tribunal de origem ao interpretar a legislação tributária de regência (artigo 14, II, IX e § 1º, da MP nº 2.158-35/2001; artigo 6º, I e III, da Lei nº 10.833/2003; artigo 5º, I e III, da Lei nº 10.637/2002; artigo 40, §§ 6º-A, II e 8º, da Lei nº 10.865/2004; artigo 228, parágrafo único, do Decreto nº 6.759/2009 e artigo 3º, I e II, da IN/RFB nº 1.152/2011), conclui que a isenção prevista nas leis sobre as receitas de frete de produtos destinados à exportação tem incidência apenas quando o frete é contratado por pessoa jurídica preponderantemente exportadora, que vá exportar o produto diretamente, ou por intermédio de empresa comercial exportadora, não alcançando o frete contratado por esta última.
Em resumo, não tem a demandante o direito à suspensão da incidência do PIS e Cofins, na forma da Lei nº 10. 865/2004, artigo 40, §§ 6º-A, II e 8º, sobre as receitas auferidas com o serviço de frete contratado por trading company. Ante o exposto, foi negado provimento à apelação.
A vice-presidência do TRF-4, inicialmente, determinou o sobrestamento do recurso até o julgamento do Tema 674 da repercussão geral (RE nº 759.244).
Após o julgamento do mérito do Tema 674 do RG, o tribunal de origem, em juízo negativo de retratação, manteve o acórdão recorrido, por entender que o precedente paradigma não se aplica ao caso concreto. O acórdão ficou assim ementado:
“JUÍZO DE RETRATAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). LEI Nº 10.865, DE 2004. SUSPENSÃO DA INCIDÊNCIA. OPERADORA DE TRANSPORTE MULTIMODAL. SERVIÇOS AFINS AO FRETE (QUE NÃO O FRETE EM SI) PRESTADOS A EMPRESA COMERCIAL EXPORTADORA. TEMA 674 STF. SIMILITUDE FÁTICA. INEXISTÊNCIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO.”
O apelo extremo foi admitido.
O acórdão recorrido dissentiu do entendimento do RE 759.244 (tema 674), razão pela qual merece reforma. Diante do exposto, com base no regimento interno do STF, foi dado provimento ao recurso extraordinário para julgar procedente os pedidos, declarando o direito da parte autora de não recolher o PIS e a Cofins sobre receitas de venda de frete nacional.
Cuida-se de matéria constitucional, devidamente prequestionada na instância de origem. Presentes todos os pressupostos recursais, merece análise do mérito do apelo extremo. A pessoa jurídica objetiva a declaração do direito de que não deve realizar o recolhimento do PIS e da Cofins, nos termos (dentre outros), do artigo 40, parágrafos 6º-A, II e 8º, da Lei nº 10.865/2004.
No recurso extraordinário, a empresa transportadora sustenta, em síntese, ao posicionar-se pela oneração tributária do PIS e da Cofins sobre as receitas com os serviços de frete contratados por comerciais exportadoras (trading company), nas operações de exportação, o acórdão do TRF 4ª Região proferido diretamente contrariou o artigo 149, § 2º, inciso I, da CF/1988.
A empresa transportadora aduz que a Suprema Corte reconheceu a repercussão geral da matéria no Tema 674. Afirma que a imunidade do artigo 149, § 2º, I, da CF, na acepção do termo “operação”, deve-se entender não só o produto da venda realizada no exterior, mas toda a receita decorrente do complexo mecanismo de exportação, no qual as receitas de serviços o frete de trading company, é parte indissociável. Ainda, sustenta a empresa, que o acórdão recorrido contrariou a não incidência do artigo 6º da Lei nº 10.833/2003 e artigo 5º da Lei nº 10.637/2002.
Tenha-se presente o agravo interno contra decisão que deu provimento ao recurso extraordinário nº 1.367.071/PR, agravante União, ao argumento de que o acórdão do Tribunal de origem está em dissonância com o entendimento do STF, firmado no julgamento do RE 759.244. Não há reparo a fazer no entendimento aplicado, pois o agravo regimental não apresentou qualquer argumento apto a desconstituir os óbices apontados. Diante do exposto, os ministros da Suprema Corte, em sessão da 1ª Turma (09/05/2022), por unanimidade, acordaram em negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do relator.
Importante ressaltar os embargos de divergência opostos contra acórdão do agravo interno, sendo o embargante a União. Posteriormente, a decisão em plenário em 22 de março de 2023, por maioria, negou provimento aos embargos de divergência e confirmou o acórdão recorrido que deu provimento ao recurso extraordinário da empresa ora recorrente, nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, redator para o acórdão.
É de ser relevado no fundamento do redator do acórdão destes embargos de divergência, na página 21 do acórdão, em essência, o seguinte:
O acórdão recorrido, ao lado de interpretar a legislação infraconstitucional de regência, também adotou fundamento constitucional para afastar as receitas de frete da imunidade das contribuições sociais.
Ocorre que o preço do frete inclui a carga tributária sobre ele incidente, a qual será repassada para a operação de exportação, quer seja ela realizada diretamente pela empresa exportadora, quer pela trading company.
Assim, frusta-se o principal escopo buscado pelo constituinte de desonerar as exportações, contribuindo para a indesejada exportação de tributos.
Em conclusão, apesar de as situações fáticas analisadas na hipótese vertente e aquela do Tema 674 da repercussão geral serem distintas, os fundamentos adotados neste último são suficientes para assegurar que a norma imunizante abrange também as receitas do serviço de frete destinado à mercadoria a ser exportada, seja a empresa contratante a própria exportadora ou a comercial exportadora.
É bem verdade, diante do contexto desta ação judicial, que o fundamento do acórdão do tribunal de origem tem como base, também, a legislação infraconstitucional de regência citada. Todavia, como se depreende dos fundamentos do acórdão dos embargos de divergência, plenário de 22/02/2023, os ministros, por maioria, desconsideraram esta legislação infraconstitucional de regência por não estar sujeita à lei a exegese dos dispositivos que estabelecem imunidades tributárias. Trata-se de interpretação da Constituição voltada a esclarecer o alcance de regras tipicamente constitucionais, com absoluta independência da atuação do legislador.
Realmente, a situação analisada no precedente RE 759.244/SP e no presente processo RE 1.367.071/PR não são idênticos (situações fáticas distintas). Entretanto, no âmbito destes embargos de divergência, os ministros por maioria decidiram que os fundamentos adotados no Tema 674 do RG são suficientes e estão sobrepostos ao decidido no tribunal de origem.
No RE nº 598.468/SC, plenário de 20/05/2020, o voto-vista do ministro Luiz Fuz, páginas 44 e 45 do acórdão, quanto à natureza jurídica da imunidade, tem os seguintes trechos elucidativos:
“Isso porque, seja qual for à posição que se adote em relação à natureza jurídica da imunidade, a doutrina é unívoca em reconhecer que ela atua no palco da competência. (…).
Logo, resultado do desrespeito à norma imunizante pelo legislador infraconstitucional é a produção de uma norma juridicamente inválida, eis que elaborada em desacordo com as regras constitucionais de competência nas quais encontra seu fundamento de validade.”
Sobre imunidade, vale lembrar a lição de Aliomar Baleeiro que diz: “imunidades tornam inconstitucionais as lei ordinárias que as desafiam”. (Direito tributário, 11ª edição, página 113). Neste passo o ensinamento de Hugo de Brito Machado que diz: “o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoa”. (Curso de direito tributário, 29 edição, página 230).
Logo, permite entender que a legislação infraconstitucional de regência expressa está superada (ou sem efeito) totalmente ou parcialmente, conforme cada caso concreto, pelo entendimento posto no Tema 674 do RG (RE 759.244/SP) da Suprema Corte.
Em virtude do exposto, em princípio, eu entendo, que a venda de serviço de frete nacional não necessita ser contratado, exclusivamente, por pessoa jurídica preponderantemente exportadora, para ter o direito à imunidade do artigo 149, § 2º, inciso I, da CF (receitas decorrentes de exportação).
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