Opinião

Marca x nome de domínio: Saci-Adm como uma alternativa à judicialização

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15 de agosto de 2023, 15h22

Globalização. Coronavírus. Home office. 5G. Metaverso. O futuro chegou. Para a geração Z, aquela nascida após 1990, não há mais diferença entre o mundo real e o mundo virtual. Atualmente, essas pessoas têm suas vidas intrinsecamente vinculadas à internet. Esse comportamento afeta não apenas aspectos de suas vidas pessoais mas também as relações e os conflitos interpessoais — e interempresariais — que consequentemente geram demanda ao Poder Judiciário.

Pesquisa realizada após a pandemia pela empresa ConQuist Consultoria mostrou que 71% dos entrevistados preferem as compras online. Nesse contexto, evidencia-se, mais que em qualquer outro período na história da humanidade, o conflito existente ou em potencial entre marcas e nomes de domínio.

De acordo com Kelli Priscila Angelini Neves (2013, p. 58), nome de domínio pode ser compreendido como sendo uma "tradução da linguagem utilizada pelos computadores na rede". Em linhas gerais e simplistas: é o nome do site. Nesse sentido, Lélio Schmidt assevera:

"Seria bastante difícil para o internauta conhecer e memorizar a sequência exata de números correspondentes aos computadores que abrigam conteúdos de seu interesse. Isto não seria prático, não favoreceria as buscas, nem contribuiria para disseminar o uso da internet. Era necessário buscar uma outra plataforma, sem renunciar à unicidade técnica exigida para a conexão à rede. Para obviar estas dificuldades é que os nomes de domínio foram criados" (SCHMIDT, 2009, p.130).

Para Denis Borges Barbosa (2003, p. 700), marca é "o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços". O autor afirma que a existência de uma marca depende de dois requisitos: capacidade de simbolizar e capacidade de indicar uma origem específica, "sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor".

Nomes de domínio têm natureza jurídica de signo distintivo como as marcas?
Para Schmidt (2009), os nomes de domínio têm como função principal permitir que a internet possa localizar com precisão aquele que armazena o conteúdo correspondente ao endereço eletrônico digitado pelo usuário. Kelli afirma que, embora o elemento localizador dos nomes de domínio tenha dado origem à criação desse instituto, não é o que prevalece isoladamente em sua natureza.

"ao longo do tempo os nomes de domínio adquiriram importante função identificadora e distintiva, estabelecendo identidade ao que é incluído na internet. E isto se dá, principalmente, em decorrência da possibilidade da escolha do nome que compõe o domínio, o qual é formado por caracteres alfanuméricos, de fácil associação, fazendo com que o instituto assuma verdadeira função de identificar, no espaço virtual, determinada atividade, pessoa, órgão, ou região, seja para fins econômicos ou não" (NEVES, 2013, p. 104).

Inegavelmente, há certa função identificadora nos nomes de domínio. Atualmente, com o e-commerce e lojas inteiramente virtuais, que comumente surgem em conjunto com redes sociais como o Instagram, constituem quase a totalidade da identificação do negócio do comerciante, que usualmente não registra a marca e tampouco o CNPJ do negócio. Dessa forma, por vezes, o site é o único signo distintivo do empreendimento. Nesse sentido é o entendimento de Liliana Paesani:

"os nomes de domínio passam a constituir uma nova categoria de sinais distintivos. Portanto, o nome de domínio é o sinal distintivo que identifica um produto, um serviço ou uma empresa por meio digital. São endereços eletrônicos de computadores que ligam o usuário da internet à página que ele busca. Parte da doutrina defende que os nomes de domínio desempenharam papel semelhante ao dos títulos de estabelecimento do mundo real. Os negócios virtuais estão ligados à internet e sua identificação passa pelos nomes de domínio" (PAESANI, 2006, p. 66).

Apesar do amplo debate doutrinário, ainda não há um consenso em forma de legislação ou jurisprudência sobre a natureza jurídica dos nomes de domínio. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao tratar sobre o tema, furtou-se à adentrar na discussão acerca da natureza jurídica dos nomes de domínio, mas, ao final, citou que por óbvio o nome de domínio é um signo distintivo:

"(…) A despeito da divergência doutrinária sobre sua natureza jurídica (direito autônomo de propriedade ou direito derivado de outro incidente sobre bem imaterial), é certo que a Constituição da República de 1998 reconhece não só proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas, mas também a quaisquer outros signos distintivos (inciso XXIX do artigo 5º), expressão que abrange, por óbvio, o nome de domínio" (STJ – REsp: 1466212 SP 2013/0336840-4).

Diferentes sistemas de registro
Há densa regulamentação acerca do registro de uma marca. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) é o órgão responsável por receber o pedido de registro e por conduzir o processo administrativo.

O Manual de Marcas (2023) dispõe que o Inpi analisa a legalidade do sinal distintivo; se o sinal é dotado de distintividade suficiente; a veracidade do sinal marcário; a disponibilidade do sinal marcário, bem como a apresentação de oposição ao pedido de registro por terceiro interessado.

Ao final, podem ser aplicáveis ao pedido de registro de uma marca a decisão de: exigência, quando o requerente é convocado para prestar esclarecimentos, promover alterações ou apresentar documentos; sobrestamento, quando se decide postergar o exame do pedido até que se conclua trâmite de anterioridade ainda não decidido em caráter definitivo; deferimento, quando o sinal não infringe nenhum dispositivo legal e atende às condições de registrabilidade; indeferimento, quando o pedido é negado por infringência de proibição prevista em lei (MANUAL DE MARCAS, 2023).

Por outro lado, os nomes de domínio são registrados pelo sistema first come, first served, ou seja, aquele que primeiro requisitar o registro, o obterá, sem que haja qualquer análise prévia da pertinência ou da legalidade do nome escolhido.

No Brasil, os nomes de domínio são registrados no site registro.br. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) regulamenta o registro por meio da Resolução CGI.br/RES/2008/008/P — Procedimentos para registro de domínio. O artigo 1º da Resolução dispõe:

Art. 1º – Um nome de domínio disponível para registro será concedido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências para o registro do mesmo, conforme as condições descritas nesta Resolução.

O parágrafo único do art. 1º atribui exclusivamente ao requerente a responsabilidade de não infringir legislação ou induzir consumidores a erro pelo nome de domínio escolhido, evidenciando a falta de análise para a concessão do registro:

Parágrafo único – Constitui-se em obrigação e responsabilidade exclusivas do requerente a escolha adequada do nome do domínio a que ele se candidata.

Kelli (2013) afirma que o sistema utilizado para o registro dos nomes de domínio segue o espírito da internet: é rápido e sem burocracia. Acompanha a instantaneidade imposta pela modernidade. Ressalta, contudo, que, tanto as empresas e pessoas com legítimo interesse no registro de determinado nome de domínio, quanto aqueles que visam obter a titularidade do registro com intuito de perceber vantagem indevida, valem-se do mesmo sistema facilitado de registro.

Nesse contexto, tendo em vista a vinculação da vida real e da vida virtual, a preferência dos consumidores por realizar compras online e a facilidade e falta de fiscalização nos registros de nomes de domínio, surgem inúmeros conflitos em face de nomes empresariais, nomes civis, títulos de obras intelectuais ou nomes de personagens, nomes de cidades e países, organizações governamentais e principalmente das marcas.

Conflito entre nomes de domínio e marcas
Nem sempre os conflitos entre nomes de domínio e marcas são oriundos de concorrência desleal ou má-fé de alguma das partes. Cita-se, a título de exemplo, o caso de um nome de registro que é anterior ao registro da marca, ou, ainda, o caso de um nome de domínio que seja semelhante à alguma marca que o titular do nome de domínio não tenha conhecimento no momento do registro.

Há, por outro lado, os casos em que há evidente má-fé, notadamente o cybersquatting, o typosquatting e a concorrência desleal.

Cybersquatting, de acordo com Rafael Tárrega Martins (2008, p. 99), consiste no:

"registro ou aquisição de nome de domínio idêntico ou similar a marca, normalmente notória ou de alto renome, para proceder a sua venda, licença ou cessão ao titular da marca ou a empresa da concorrência, ou ainda para beneficiar-se de reputação da marca alheia".

Tinoco Soares (2001, p.68), complementa afirmando que ocorre quando "a) há identidade ou similaridade com a marca; b) não há legítimo interesse do detentor do domínio virtual sobre a expressão; c) o referido nome é registrado ou utilizado de má-fé".

Typosquatting pode ser considerado uma espécie evoluída de cybersquatting, nas palavras de Rafael Tárrega Martins:

"O typosquatting é uma espécie mais evoluída do cybersquatting que consiste na prática de registrar nomes de domínios usando erros ortográficos comuns de marcas, produtos e pessoas conhecidas para lucrar com esses erros. O que tenta o typosquatter é prever os erros tipográficos mais usuais na digitação de um nome de domínio com o objetivo de desviar os usuários da verdadeira página buscada" (MARTINS, 2008, p. 103).

SACI-Adm como uma alternativa à judicialização
Nesse contexto, surge, como uma alternativa à judicialização dos conflitos entre marcas e nomes de domínio o Sistema Administrativo de Conflitos de Internet relativos a nomes de domínios (SACI-Adm).

De acordo com Kelli (2013, p. 157), esse sistema "tem por objetivo a solução de litígios entre o titular de nome de domínio no '.br' e qualquer terceiro que conteste a legitimidade do registro do nome de domínio feito pelo titular".

Importante mencionar que no momento que um requerente de registro de domínio adere ao contrato de registro, concorda com a cláusula décima segunda, a qual prevê o efeito vinculante ao SACI para os nomes de domínio registrados após outubro de 2010:

Cláusula décima segunda: da aplicação do SACI-Adm

I. Toda e qualquer controvérsia resultante do registro do nome de domínio sob o ".br" poderá ser resolvida por meio do Sistema Administrativo de Conflitos de Internet Relativos a Nomes de Domínios sob o ".br" – SACI-Adm, de acordo com o Regulamento do referido Sistema, disposto no endereço "https://registro.br/dominio/saci-adm/".

Kelli Angelini (2013) afirma que o efeito vinculante ao SACI se dá por três premissas: respeito à vontade das partes em submeter o conflito ao sistema; incentivo à utilização do SACI; e o interesse social do Poder Judiciário, evitando-se a judicialização e desafogando a esfera judiciária. Há de se mencionar, contudo, que as partes não estão impossibilitadas de recorrer ao poder judiciário, o que vai ao encontro do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Assim, as partes podem, caso queiram, ingressar com ação judicial desde o início ou após decisão administrativa que não concorde emitida pelo SACI.

Assim, em síntese: o titular do domínio adere ao SACI no momento do contrato do registro do nome de domínio; o terceiro interessado em reclamar o nome de domínio, adere ao SACI no momento em que apresentar o requerimento de abertura do procedimento administrativo.

O SACI-Adm tem regulamento próprio. O regulamento prevê, no art. 1º, § 4º, que o SACI "é implementado por instituições credenciadas pelo NIC.br, cujos regulamentos próprios integram e devem ser interpretados de acordo com este Regulamento". Atualmente há três instituições credenciadas: Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI; Câmara de Comércio Brasil – Canadá – CCBC; World Intelectual Property Organization – WIPO.

Assim, o reclamante deverá escolher uma dessas instituições para apresentar o requerimento de abertura do procedimento, devendo apresentar os documentos listados no art. 6º do Regulamento do SACI.

Aberto o procedimento administrativo, o artigo 7º dispõe que o "Reclamante deverá expor as razões pelas quais o nome de domínio foi registrado ou está sendo usado de má-fé, de modo a causar prejuízos ao Reclamante". O artigo dispõe, ainda, que deverá ser comprovada a existência de pelo menos um dos requisitos listados nas alíneas abaixo:

a) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI; ou

b) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, que ainda não tenha sido depositada ou registrada no Brasil, mas que se caracterize como marca notoriamente conhecida no Brasil em seu ramo de atividade para os fins do art. 126 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial); ou

c) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio sobre o qual o Reclamante tenha anterioridade.

Observa-se, do texto do caput do artigo 7º, que não basta causar prejuízo ao reclamante, o nome de domínio deve ter sido registrado ou esteja sendo utilizado com má-fé.

O parágrafo único do artigo dispõe de modo não taxativo as situações que configuram má-fe, citando entre elas ter o titular registrado o nome de domínio: com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo; para impedir que o Reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente; com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do Reclamante ou para atrair usuários para o seu sítio criando uma provável confusão.

Conclusão
No contexto de globalização e hiperconectividade em que se encontra a sociedade atual, é cada vez mais comum que as pessoas estejam constantemente ativas na internet. Esse comportamento afeta, além das vidas pessoais, os conflitos existentes, que devem gradualmente estar mais relacionados à internet.

O conflito entre marcas e nomes de domínio é um desses conflitos. Não é raro que pessoas usem de má-fé para tentar desviar clientela de outrem por meio das práticas de cybersquatting e typosquatting, utilizando nomes de domínio de forma parasitária em relação à marca de quem se objetiva roubar a clientela.

O SACI-Adm, um sistema arbitral de conflito de nomes de domínio, surge como uma alternativa à judicialização para, de forma mais célere e menos onerosa, solucionar esse tipo de conflito e desafogar o Poder Judiciário.

 


Referências bibliográficas

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BRONZE, Giovana; CARVALHO, Júlia. Consumo na pandemia: 71% dos brasileiros preferem compras online. CNN BRASIL [online], São Paulo/SP, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/consumo-na-pandemia-71-dos-brasileiros-preferem-compras-online/. Acesso em 04 de ago. de 2023.

MARTINS, Rafael Tárrega. Internet: nome de domínio e marcas – aproximação ao tema e notas sobre solução de conflitos. Campinas: Servanda, 2008.

NEVES, Kelli Priscila Angelini. Nomes de Domínio e Sistema Administrativo de Conflitos de Internet. Tese (Mestrado em Direito Civil). Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. 2013.

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SCHMIDT, Lélio Denicoli. A proteção do nome de domínio no Brasil. Revista Semestral de Direito Empresarial, n.5, p. 129. 2009

SOARES, José Carlos Tinoco. Abuso de direito pelo uso de nomes de domínio na internet. RT, São Paulo, n. 786. 2001.

Autores

  • é advogado. Pós graduando em direito empresarial. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação na Universidade de Brasília (UnB).

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