Opinião

Supremo "invalida" flexibilização do controle de agrotóxicos

Autores

  • é graduando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e estagiário no escritório Medina Guimarães Advogados.

    Ver todos os posts
  • é advogada sócia diretora da área de Direito de Família e Planejamento Patrimonial e Sucessório do escritório Medina Guimarães Advogados doutoranda e mestra em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

    Ver todos os posts

9 de agosto de 2023, 15h17

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 910, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais (e deu interpretação conforme a Constituição) a alguns dispositivos do Decreto nº 4.074/2002 modificado pelo Decreto nº 10.833/2021, que regulamentava a Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989). A decisão, proferida por maioria, foi relatada pela ministra Cármen Lúcia, restando vencidos os ministros Nunes Marques e André Mendonça.

"Nítido retrocesso ambiental" [1] foi a expressão utilizada pela relatora para fundamentar a inconstitucionalidade do dispositivo que concedia exclusivamente ao Ministério da Saúde a atribuição de estabelecer o limite de resíduos de agrotóxicos e o intervalo de segurança para a aplicação do produto. Com a declaração de inconstitucionalidade desse dispositivo, a competência volta a ser compartilhada entre os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Meio Ambiente.

A ministra fundamentou seu voto no artigo 225 da Constituição [2], que tem extrema relevância por representar a primeira vez em que o constituinte brasileiro dedicou um capítulo exclusivo ao meio ambiente na Constituição. Por este artigo, foram estabelecidos os princípios da "responsabilidade e da solidariedade intergeracional", assegurando-se a preservação de um meio ambiente equilibrado não apenas para a geração atual, mas também para as futuras.

Ademais, no julgamento da ADPF nº 910 o STF considerou inconstitucionais as disposições que impunham aos detentores de registro de agrotóxicos a responsabilidade de manter os laudos sobre impurezas relevantes do ponto de vista toxicológico e ambiental desses produtos, reconhecendo que cabe ao poder público a tarefa de monitorar e fiscalizar sua qualidade.

Nesse contexto, retornou-se à regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 4.074/2002, que conferia a responsabilidade pelo controle de qualidade aos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Destaca-se que o ato de controlar difere das atividades de monitoramento ou fiscalização, implicando uma avaliação direta, criteriosa e vinculativa por parte dos órgãos incumbidos.

Outra disposição relevante que foi declarada inconstitucional relaciona-se à obrigação de destruir ou inutilizar vegetais e alimentos que apresentem resíduos de agrotóxicos acima dos níveis permitidos, classificando-os como um "risco dietético inaceitável" [3]. O conceito de "risco dietético inaceitável" não foi definido pelo Decreto n. 10.833/2021, sendo abordado na Resolução da Diretoria Colegiada nº 295/2019 da Anvisa, que estabelece os critérios para avaliar o risco da exposição humana contínua a resíduos de agrotóxicos, bem como as medidas a serem adotadas posteriormente.

Com o desfecho do julgamento, retoma-se a vigência da norma que determina a inutilização de alimentos contendo resíduos de agrotóxico acima dos limites permitidos, encerrando a permissão de aproveitar alimentos que seriam descartados em razão das normas sanitárias, o que coloca em risco a saúde dos consumidores. Esse aspecto visa proteger a saúde dos consumidores, respaldando-se no artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor [4], que veda a comercialização de produtos que apresentem elevado grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, prejudicando, assim, tanto os trabalhadores rurais quanto os consumidores e o meio ambiente.

Por fim, o tribunal concluiu que um produto contendo diversos compostos ativos só poderá ser registrado se todos os componentes ativos já estiverem previamente registrados. Além disso, ressaltou-se a importância de que todos os pedidos e concessões de registros sejam inteiramente públicos, não havendo necessidade de cadastro prévio para consulta, de modo a permitir que toda a população interessada tenha acesso às informações.

A interpretação conforme a Constituição dada ao inciso I do §14 do artigo 10 do Decreto Presidencial nº 4.074/2002 (alterado pelo Decreto nº 10.833/2021) partiu da premissa de que a normativa representava um evidente perigo à saúde e ao meio ambiente, ao permitir a dispensa de estudos de eficiência e praticabilidade para produtos contendo ingredientes ativos ainda não registrados, desde que esses ingredientes já estivessem presentes em uma formulação de ingrediente ativo já registrado.

A decisão não configura uma derrota para os agricultores no que se refere ao uso de agrotóxicos e fertilizantes, pois a expressa proibição desses produtos acarretaria uma séria crise no setor que desempenha um papel significativo no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro [5]  o que não ocorreu.  

No atual contexto global, a implementação dessas normativas revela-se fundamental para a construção de um cenário mais sustentável e consciente no setor agrícola. Ao ressaltar a não intenção de prejudicar os produtores rurais, o foco se concentra na busca por um equilíbrio entre a preservação ambiental e a viabilidade econômica.

É imperativo reconhecer que a agricultura desempenha um papel crucial na subsistência da sociedade, mas também é inegável que as práticas agrícolas desregulamentadas podem acarretar impactos negativos à saúde da população e ao meio ambiente. Nesse sentido, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em termos práticos, invalida as normas que flexibilizavam os registros de agrotóxico, procura harmonizar esses aspectos, assegurando a continuidade das atividades agrícolas de maneira mais responsável e benéfica para a sociedade.

 


[1] Supremo Tribunal Federal (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 910, relatora ministra Cármen Lúcia, julgado em 03 de julho de 2023, p. 66.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/constituicao-supremo/artigo.asp?abrirBase=CF&abrirArtigo=225 >. Acesso em: 25 jul. 2023.

[3] Supremo Tribunal Federal (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 910, relatora ministra Cármen Lúcia, julgado em 03 de julho de 2023, p. 97.

[4] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 26 jul.2023

[5] Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). PIB do agronegócio brasileiro. Disponível em: < https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx >. Acesso em: 26 jul. 2023.

Autores

  • é graduando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e estagiário no escritório Medina Guimarães Advogados.

  • é sócia-diretora de Direito da Família e Planejamento Patrimonial e Sucessório no escritório Medina Guimarães Advogados, doutoranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!