The good parody: limites entre paródias e marcas registradas
28 de abril de 2023, 15h19
Nos Estados Unidos, a renomada destilaria de uísque Jack Daniel está processando uma empresa de brinquedos para animais. O motivo? Um brinquedo para cães chamado "Bad Spaniels", que remete às características visuais da garrafa de bebida Jack Daniel's® e que estaria violando os direitos de propriedade intelectual.
Nos autos do processo, os advogados da Jack Daniel defendem que a suposta "piada" acabaria, na verdade, confundindo os consumidores ao se aproveitar do sucesso da marca Jack Daniel's®, levando-nos a uma reflexão sobre os limites das paródias através de marcas registradas.

Reprodução
A paródia é um recurso criativo por meio do qual se cria uma versão cômica, irônica ou satírica de uma obra original. Geralmente, ocorre com músicas, filmes, fotos, livros, mas também pode ser originada através de marcas registradas e seus respectivos conjunto-imagem, ao exemplo do caso em questão.
No Brasil, o titular do registro de marcas possui o direito de zelar pela integridade material e reputação de sua marca, conforme dispõe o artigo 130, III da Lei de Propriedade Industrial. Todavia, o titular não poderá impedir a citação da marca em discurso, obra cientifica, literária ou em qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para o seu caráter distintivo, o que é comumente chamado de fair use (uso justo).
Ocorre que quando a paródia diz respeito à alteração de uma marca — geralmente bastante conhecida — não são raros os casos em que o criador tenha o intuito de obter uma vantagem econômica, se por exemplo a marca for usada em associação a um produto ou serviço no mercado, ainda que de segmento distinto da marca original, ou mesmo criticar a empresa da marca originária.
A Lei de Propriedade Industrial não regula o registro de marca paródia. Assim, no âmbito do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), autarquia responsável pelo registro de marcas no país, o indeferimento dos pedidos de registro dessas marcas ocorre com base em outros fundamentos legais, como imitação de marca (artigo 124, XIX), violação de nome artístico/pseudônimo (artigo 124, XVI), ou mesmo violação de direitos autorais (artigo 124, XVII).
Tem-se, por exemplo o pedido de registro da marca New Kids on the Bloco [1] que foi indeferido por ter sido considerado uma paródia do nome artístico da banda New Kids on the Block, ambas relativas a serviços de entretenimento e bandas. Outro caso que se tornou famoso foi o da marca João Andante, indeferido por ter sido considerado imitação da marca Johnnie Walker, todos na classe de bebidas.
A empresa de confecções Cavalera tornou-se bastante conhecida no mercado nacional por suas paródias a marcas famosas, tais como Sepultura [2] e Turco Loco [3]. A maioria das marcas paródia dessa empresa não foram objeto de pedido de registro no INPI, e algumas tiveram o uso questionado judicialmente.
Nesse sentido, o enforcement perante o INPI contra marcas formadas por paródia apresenta maior complexidade, seja pela falta de expressa previsão legal, seja pelo fato de a proteção das marcas registradas ser restrita aos produtos e serviços cobertos pelos registros, o que dificulta a apresentação de medidas contra as marcas de paródia destinadas a segmentos completamente distintos de mercado, como ocorre no caso da marca Jack Daniel's.
Uma opção administrativa para os titulares de marcas famosas que costumam ser alvo de paródias é a obtenção do reconhecimento do alto renome da marca, que confere a proteção em todas as 45 classes e produtos e serviços e viabiliza a adoção de medidas em sede administrativa, ainda que a marca em questão pertença a segmentos distintos.
Além disso, o INPI tem firmado [4]o entendimento de que, na ocasião em que o artigo 124, XIX da LPI for inaplicável, em decorrência da ausência de afinidade dos produtos ou serviços, o aproveitamento parasitário poderá ser fator de indeferimento ou nulidade de registro, sendo necessário apresentar no processo elementos probatórios que evidenciem a possibilidade de captura indevida do prestígio e/ou fama da marca parasitada [5].
No caso em questão, envolvendo a marca Kawasaki®, foi aplicado o artigo 188, I do Código Civil bem como o artigo 122 da LPI para justificar o cancelamento do registro. Entretanto, na prática, não é comum que decisões desse teor sejam emitidas.
Por outro lado, perante o judiciário, o assunto tem sido tratado de forma mais recorrente. Voltamos a meados de 2018, em que se tornou moda entre empresas de cosméticos batizarem os seus produtos com nomes de alimentos.
Um dos casos mais relevantes é o da marca Alisena, que fazia alusão à marca registrada da Unilever Maisena®. Na época, a 2ª Câmara Privada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu pela existência de parasitismo sobre a marca registrada da empresa bem como dos elementos visuais característicos do produto, o chamado trade dress [6].
De volta ao caso da Jack Daniel, vale lembrar que os Estados Unidos possuem um sistema de proteção aos direitos intangíveis distinto do aplicado no Brasil, e o valor da liberdade de expressão é bastante forte. Uma das principais discussões é norteada pela necessidade de demonstração de que a paródia "Bad Spaniels" está sendo utilizada para fins comerciais. O caso ainda será avaliado pela Suprema Corte, sendo essa uma importante decisão para nortear a proteção de marcas contra paródias.
Essa não é a primeira vez que as Cortes americanas enfrentam casos como esse, em 2006 a Louis Vuitton processou a fabricante de brinquedos para cães Haute Diggity Dog LLC que parodiou não apenas a sua marca "Chewy Vuitton", mas também outras renomadas grifes, como "Chewnel" e "Sniffany & Co". Na época, a Corte determinou que a paródia não infringiria ou causaria a diluição da marca da Louis Vuitton.
O cenário do Brasil bem como dos Estados Unidos demonstra que a problemática entre a paródia de marcas tem como limites os princípios da livre concorrência. O que se busca evitar é a chamada "free riding" (carona grátis), que se caracteriza pelo fato de uma marca pegar carona na fama, sucesso e renome de uma marca famosa, aproveitando-se dos investimentos realizados por outra empresa a fim de alavancar sua própria marca, obtendo uma vantagem comercial indevida.
O que se nota é que tanto perante o INPI quanto em âmbito do judiciário, um dos critérios essenciais para a caracterização de aproveitamento parasitário através da paródia de marcas é a demonstração do extravasamento da marca parasitada, ou seja, quando o conhecimento da marca ultrapassa o seu segmento de mercado, sendo conhecida pelo público em geral.
Nesse sentido, em terras brasileiras, o próprio artigo 130 da LPI garante os limites em que as paródias podem ser utilizadas, pois, assegura ao titular do registro de marca a possibilidade de zelar pela integridade material ou reputação de sua marca, insurgindo-se, portanto, contra as paródias que se aproveitam indevidamente de suas marcas registradas.
[1] Pedido de registro nº 905879660, indeferido em 13/10/2015 com base no artigo 124, XVI da LPI New Kids On The Block.
[2] Registro nº 821930036, atualmente extinto por caducidade.
[3] Registro nº 815219156, atualmente extinto por caducidade.
[4] Conforme decisões consolidada na coletânea de Decisões da 2ª Instância administrativa do Inpi.
[5] Decisão publicada no processo do registro da marca KAWASAKI, nº 829124640.
[6] Ação judicial nº 1093251-56.2017.8.26.0100.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!