Opinião

Imparcialidade, independência e dever de revelação dos árbitros

20 de abril de 2023, 14h19

Ganhou relevância no âmbito da arbitragem a extensão do dever de revelação dos árbitros, no que diz respeito às dúvidas razoáveis sobre a independência e a imparcialidade da pessoa que se habilita para o exercício da função de árbitro. Certos fatos que, notadamente, não eram revelados pelos árbitros, passaram a ser reveladas pelas partes envolvidas nos conflitos.

O capítulo III da Lei de Arbitragem Brasileira (Lei nº 9.307/96) trata especificamente da figura do árbitro e de seus poderes, deveres e funções. O artigo 13 define que poderá ser árbitro qualquer pessoa capaz, de confiança das partes, que deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

Mais adiante, destaca o artigo 14 que, nessa condição, não poderão atuar aqueles que tenham com as partes ou com litígio que lhes for submetido, qualquer relação que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes de direito, aplicando-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. É através do dever de revelação que tais requisitos são impostos.

Não se discute que a própria nomeação e investidura do árbitro é decorrência da confiança que lhe é depositada pelas partes, porém, não significa dizer que ele estará subordinado a quem o indicou, devendo ser livre para decidir. Qualquer situação ou circunstância que possa afetar a independência e a imparcialidade do árbitro no ato de julgar, resultam do dever de revelação e consequentemente no seu afastamento.

Questão unânime na doutrina é que o sucesso da arbitragem e o aumento de sua utilização depende diretamente com a qualidade moral, ética e técnica daquele que irá desempenhar o papel de árbitro, pois a honestidade de seu comportamento, somado a seriedade do julgamento que proferir, repousará a segurança e confiança das partes para aceitação e reconhecimento da arbitragem como forma alternativa de resolução de conflitos, efetivamente.

Nas palavras da ministra Nancy Andrigui [1], haverá parcialidade quando um árbitro favorecer uma das partes, ou mostrar predisposição em fazê-lo para determinados aspectos correspondentes à matéria, objeto do litígio. Tal dependência surge da relação entre o árbitro e uma das partes ou uma pessoa estritamente vinculada a elas. Já a imparcialidade, surge quando o árbitro tiver interesse material no resultado do litígio, ou até se estiver previamente opinando quanto a este.

Em outras palavras, qualquer relação de negócios em curso, direta ou indiretamente, que se produza entre o árbitro e alguma das partes, ou potencial testemunha para o caso, resultará em dúvida com respeito à imparcialidade e independência do árbitro proposto. Relações sociais e profissionais de caráter substancial que se produzam de modo continuado entre um árbitro e uma parte ou testemunha, certamente macularão o conceito inegociável de imparcialidade e independência.

Infelizmente, parece que tais premissas estão sendo esquecidas, o que tem levado ao judiciário recorrentes demandas de suspensão e anulação de arbitragens, e suas sentenças. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já se manifestou por diversas vezes pela afirmativa de que a prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional.

A inobservância de tal prerrogativa, ofende, diretamente, a ordem pública nacional. Dada a natureza contratual da arbitragem, que põe relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passível de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral [2].

Decisão recente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) fez prevalecer o mesmo entendimento, quando no dia 28/3/2023, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial suspendeu sentença arbitral da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp [3], por suposta violação do dever de revelação de um árbitro e um coárbitro.

Na ocasião do julgamento, restou consignada questão importante já pacificada no STJ sobre a possibilidade de arguir, a qualquer tempo, a imparcialidade de um árbitro, por se tratar de questão de ordem pública. Mais ainda, chamou atenção para a necessidade do dever de revelação mais rigoroso, considerando que "o profissional do Direito quer ser acadêmico, advogar, ser árbitro e dar parecer. Está tudo certo, mas as consequências existem" (desembargador Grava Brazil).

De fato, há que se refletir sobre a multiplicidade de áreas simultâneas de atuação e seus conflitos, que certamente, em pouco tempo, resultará no impedimento e na imparcialidade do árbitro, para o exercício dessa função. Como bem disse o desembargador, não há problemas, mas não se pode relativizar os deveres legalmente impostos para ampliação do espectro de atuação. Necessário lembrar que tal conduta não macula somente o caso específico onde atua o árbitro imparcial, mas põe em risco a segurança jurídica do sistema arbitral que, apesar da resistência, vem apresentando excelentes resultados para o país.

Não foi por outro motivo que no final de março do ano corrente, a União Brasil acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) via ADPF nº 1.050, diante do vácuo em regular questões como a extensão do dever de revelação dos árbitros, para que sejam declarados quais os critérios da prática prevista na lei de arbitragem.

Para a legenda, na prática, aqueles que são indicados para árbitro tem constantemente tentado mudar o escopo do dever de revelar, como se fosse possível, deixando de lado fatos importantíssimos às partes, traduzindo em "perigosa promiscuidade" entre a figura do árbitro e do advogado da parte, colocando em risco a efetividade do sistema arbitral. Afirma que dentre os principais pontos controvertidos, as decisões judiciais têm enfrentado dificuldades em definir com precisão os limites do dever de revelar, escopo e definição de dúvida justificada e sua perspectiva, a não taxatividade das regras do CPC de suspeição e impedimento de juízes para o exame de adequação dos árbitros indicados ao ordenamento jurídico brasileiro, a não aplicação automática das assim chamadas soft laws e, por fim, qual seria o momento adequado para suscitar o impedimento e a suspeição do árbitro.

Ainda sob a perspectiva operacional, importante destacar que não há na arbitragem publicidade, que autorizaria um controle social do não cumprimento do dever de revelação, recursos ou corregedorias disponíveis para o controle de tais ilegalidades, o que reforça a necessidade pleiteada pelo partido de estabelecer hipótese de impedimento que vão além daquelas previstas no CPC.

Assegurar previsibilidade e segurança jurídica para as disputas arbitrais é fundamental para que as ações anulatórias não sejam utilizadas como sucedâneo recursal, e até para uma perspectiva comercial nacional, como atrativo para novos investimentos no país e para não sujeitar as empresas brasileiras à submissão de tribunais arbitrais exclusivamente internacionais.

E falando em tribunais internacionais, a Corte de Apelação de Paris proferiu decisão em 10/1/2023 [4] sobre o tema, que serve de alerta para comunidade arbitral, em especial a brasileira, sobre a importância do cumprimento do dever de revelação.

No caso sub judice, o árbitro presidente, no curso do procedimento arbitral, publicou nota de pesar pelo falecimento do principal patrono de uma das partes. Na referida nota, além dos elogios de praxe, afirmou que "o consultava antes de qualquer escolha importante".

Em decisão, afirmou a Corte de Paris que é evidente que certas situações que envolvem as partes, seus patronos e os árbitros, dispensam revelação prévia, são exatamente as situações enumeradas na conhecida Lista Verde, provida pelas diretrizes da IBA sobre Conflito de Interesses na Arbitragem Internacional.

Em especial, situações corriqueiras, em que, por exemplo, o árbitro participa de painéis de congresso ou banca de mestrado de um dos patronos das partes. Porém, há um limite razoável para que o meramente subjetivo não se torne objetivo, como no caso julgado pela corte.

Eventual dúvida não revelada, não pode ser ignorada, minimizada, como pretende impor o Projeto de Lei Federal nº 3.293/2021, popularmente conhecida como PL da Arbitragem, mas sim como dúvida justificada, de caráter objetivo, a qual deve ser imediatamente revelada pela pessoa que se propõe a exercer a função de árbitro.

Sem uma regra clara e escrita, que deve ser observada para que o dever de revelação seja cumprido no sentido positivo, é impossível a plena confiança das partes no árbitro e no procedimento arbitral, e a confirmação de sua imparcialidade. Se o juiz togado está sujeito à uma regra clara e vários mecanismos de controle e correição, por que não o arbitro? Afinal, qual o problema com o dever de revelação?

Uma norma clara e um comportamento transparente que demonstre o simples aos olhos comuns, mas que tenham relevância aos olhos das partes. Apenas assim poderemos equipar o dever de revelação, ainda que esperançosamente, a seriedade com que deve e é exercida a atividade jurisdicional.


[1] ANDRIGHI, Fátima Nancy. O perfil do árbitro e a regência de sua conduta pela…. Revista Themis, Fortaleza, v.2, n.2, p. 39-45, 1999. Disponível em: http://revistathemis.tjce.jus.br/index.php/THEMIS/article/view/417/413. Acesso em 17/04/23.

[2] (SEC nº 9.412/EX, relator ministro Felix Fischer, relator para acórdão ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/4/2017, DJe de 30/5/2017).

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