Opinião

Glosa de créditos de ICMS no transporte interestadual de combustíveis

Autores

  • é advogada graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes com extensão em contabilidade geral e tributária pela Fundação Getúlio Vargas.

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  • é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados graduada em Direito pelo Ibmec com LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

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  • é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio).

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19 de abril de 2023, 6h36

Diversos estados estão glosando a tomada de crédito do valor referente ao frete do transporte interestadual de combustíveis pelas distribuidoras, por entender que a operação interestadual de distribuição de combustíveis derivados de petróleo está abarcada pela “imunidade”, e, portanto, não correspondem a uma operação tributada capaz de ensejar o direito ao crédito, nos termos dos artigos 155, §2º, X, “b”, da Constituição (CF) e 20, §1º, da Lei Complementar (LC) nº 87/96.

Todavia, há clara confusão pelos Fiscos estaduais e distrital acerca das duas hipóteses de incidência do ICMS estipuladas pelo artigo 155, II, da CF: a primeira quanto às operações relativas à circulação de mercadorias e a segunda quanto às prestações de serviço, no caso, de transporte interestadual. Quanto a este ponto, deve-se esclarecer desde já que a hipótese contemplada pelo artigo 155, §2º, X, “b”, da CF na verdade não veicula uma norma de imunidade, mas de diferimento do imposto, que deverá ser pago não no estado de origem, e sim no estado de destino da mercadoria.

Ademais, tal regra somente se aplica à primeira hipótese de incidência do ICMS, ou seja, sobre operações relativas à circulação de mercadorias, não havendo qualquer determinação acerca da sua aplicação no que tange às prestações de serviços de transporte interestadual. Assim, sendo distintos os fatos geradores, a não incidência do tributo sobre a operação de circulação de mercadoria não deve vincular o serviço de transporte da mesma, a qual é devidamente tributada.

É neste contexto que o presente estudo pretende examinar a legalidade da tomada de crédito de ICMS do frete incluído na prestação do serviço de transporte interestadual de combustíveis.

Como se sabe, são duas as hipóteses de incidência do ICMS estabelecidas pelo artigo 155, II, da CF/88, a saber, a circulação de mercadorias e a prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Por sua vez, o artigo 155, §2º, X, “b”, da CF dispõe que não incide ICMS nas operações interestaduais com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, tendo em vista que, pelo princípio do destino, referido imposto deve ser pago somente no Estado consumidor da mercadoria.

Neste contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE nº 212.637/RN, reconheceu que a CF somente concedeu a referida não incidência tributária para a hipótese de incidência do ICMS relativa à circulação de mercadoria: “A Constituição Federal, ao conceder imunidade tributária, relativamente ao ICMS, aos produtos industrializados destinados ao exterior situou-se, apenas, numa das hipóteses de incidência do citado imposto: operações que destinem ao exterior tais produtos (…)”.

Conforme se verifica, a CF, ao conceder a não incidência de ICMS aos produtos derivados de petróleo em operações interestaduais, refere-se tão somente a uma das hipóteses de incidência do imposto, qual seja, a operação que destine combustíveis derivados de petróleo a outros entes da federação.

Ademais, nos termos do artigo 13, III, §1º, da LC nº 87/96, a base de cálculo da prestação de serviços de transporte interestadual é o preço pago pelo serviço de transporte, sendo integrado na base de cálculo o “frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado”. Ou seja: o frete sofre tributação do ICMS.

E, como se sabe, em observância ao princípio da não-cumulatividade, estabelecido pelos artigos 155, §2º, I, da CF e 20 da LC nº 87/96, é assegurado ao sujeito passivo do ICMS creditar-se do imposto cobrado em operações de circulação de mercadoria e/ou de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, desde que não se trate de operações ou prestações isentas ou não tributadas.

Em outras palavras, o princípio da não-cumulatividade permite ao sujeito passivo creditar-se do ICMS que suportou tanto na aquisição da mercadoria quanto na contratação do serviço de transporte interestadual sujeito à tributação do ICMS.

Diante disso, somente as hipóteses de exceção ao princípio da não-cumulatividade previstas no artigo 155, §2º, II, alíneas “a” e “b” da CF poderiam limitar a utilização do crédito do ICMS, não podendo leis ordinárias ou autoridades administrativas determinarem o estorno dos créditos ou anulá-los.

Assim, considerando que o ICMS incidente sobre as prestações de serviços de transporte interestaduais não está abarcado pela não incidência, incidindo o imposto sobre tais operações, é claramente possível o creditamento, sob pena de violação ao princípio da não-cumulatividade.

Isso porque, quando o tomador contrata o serviço de transporte e recolhe o respectivo ICMS, uma vez que o valor do serviço (frete) vai estar incluído no preço das mercadorias, a empresa deve creditar-se do valor do ICMS-Frete pago na contratação do serviço do transportador, sob pena de pagar duas vezes o mesmo imposto.

Diante deste contexto, é necessário verificar em cada caso se houve ou não a tomada do crédito referente ao serviço de transporte suportado pela empresa, bem como se houve o devido estorno dos créditos referentes às entradas de mercadorias que tiveram posterior saída isenta. Se o serviço de transporte interestadual de combustível foi tributado no momento da contratação e incluído no custo da mercadoria, não restam dúvidas da legalidade do aproveitamento do crédito de ICMS relativamente a este serviço.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AgRG no REsp nº 883.821/DF, entendeu pela possibilidade do aproveitamento do crédito de ICMS pago sobre o frete de transporte interestadual de combustível, tendo consignado que a exigência do estorno violaria o princípio da não-cumulatividade.

Assim, de acordo com o princípio da não-cumulatividade, o ICMS pago pela prestadora de serviço de transporte, que integra o frete, deve gerar crédito do imposto para o tomador, até porque, na hipótese de exigência do estorno do crédito do valor do frete do combustível, estar-se-á onerando a operação em violação à sistemática da não-cumulatividade, uma vez que a distribuidora não poderá se utilizar do valor pago pelo ICMS naquela operação.

Portanto, a incidência do ICMS sobre o serviço de transporte interestadual autoriza o creditamento do frete referente a esta prestação, de modo que a coibição de tal prática por parte do Fisco implica violação ao princípio da não-cumulatividade.

Autores

  • é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados, graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes, com extensão em contabilidade geral e tributária pela Fundação Getúlio Vargas.

  • é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados, graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj, membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio), além de autor e coordenador de livros e artigos científico-tributários e professor convidado do FGV Law Program.

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