Transplante de fígado por esteatose hepática não alcoólica e o rol da ANS
18 de abril de 2023, 7h04
Esteatose é o termo médico utilizado para representar o acúmulo anormal de gordura em um órgão ou tecido. Popularmente é conhecida como gordura no fígado. No caso em comento, esteatose hepática significa o acúmulo de gordura no fígado. Este acúmulo pode se dar em razão de distúrbios no metabolismo, tais como diabetes e obesidade [1]. A esteatose hepática não alcoólica é uma condição muito frequente, onde os estima-se que 30% da população adulta tenha algum grau desta doença, e onde 15% irão desenvolver um grau mais sério de inflamação do fígado.

Após a realização de exames para confirmar o diagnóstico da doença, e realizado o prognóstico da necessidade de transplante de fígado, o paciente realiza o pedido de autorização do transplante junto à sua Operadora de Saúde. Desta forma, ele irá entrar na lista de espera de transplante do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), cuja função de órgão central é exercida pelo Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT), sendo responsável pela regulamentação, controle e monitoramento do processo de doação e transplantes realizados no país, com o objetivo de desenvolver o processo de doação, captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano para fins terapêuticos [2].
Na última atualização da lista de pessoas que esperam por um órgão no Brasil (atualizado em 6/4/23), havia 2.153 pacientes aguardando por um fígado [3]:
Não obstante a gravidade do caso, é comum a negativa de cobertura do transplante por operadoras de saúde, alegando que tal procedimento não consta no rol da ANS. Esta negativa acaba por incorrer em diversas ações judiciais com pedidos de liminares.
Estas ações possuem como alegações o direito constitucional à vida e à saúde, bem como a nulidade de cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (artigo 51, IV, do CDC), e que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico (artigo 51, §1º, I, do CDC) e que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato (artigo 51, §1º, II, do CDC).
O procedimento não é eletivo, e a mortalidade em fila de transplante é elevada devido à gravidade da doença hepática subjacente.
A Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, determina em seu artigo 35-C:
"Artigo 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente.
A Portaria 2.600/2009 do SUS aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes:
Artigo 78 Para inscrição em lista de espera de transplantes hepáticos serão aceitos potenciais receptores que estejam em tratamento de enfermidades hepáticas graves e irreversíveis.
§1º São consideradas indicações de transplante hepático:
(…)
XIX – cirrose por doença gordurosa hepática não alcoólica."
Por mais que se aceite que a ANS elabore uma norma com a listagem dos procedimentos e eventos em saúde, esta norma não pode incorrer em renúncia antecipada do consumidor ao seu direito à vida.
De toda forma, em 18/07/22 foi realizada a 7ª Reunião Cosaúde — Discussão de Tecnologias da ANS [4], onde foi reconhecida a inexistência de tecnologias alternativas para tal condição, e de que o transplante hepático é o único tratamento definitivo, de acordo com a fundamentação do Conselho Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), ao que o procedimento foi incluído no rol.
Temos que o atual entendimento do STJ é o de que o Rol da ANS é taxativo mitigado, ou seja, a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol para a cura do paciente.
E que, não havendo substituto terapêutico no rol da ANS, a cobertura do tratamento deve ser realizada desde que 1) não tenha sido indeferido expressamente pela ANS; 2) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da Medicina; 3) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros; e 4) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas de expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.
Quando os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, especificamente o direito à vida e à saúde, estão em risco, estes devem ser relativizados, de acordo com as normas supra citadas. É ilegítima a negativa de cobertura quando a cirurgia é indispensável à garantia da vida da paciente, sob pena de descumprimento do direito fundamental inerente à natureza do contrato, qual seja, garantir a saúde do paciente.
Atualmente, com a inclusão deste procedimento no rol da ANS, os pacientes possuem maior segurança jurídica para que a cirurgia de transplante seja coberta pelas operadoras de saúde, evitando o número de ações judiciais, agilizando o tratamento e recuperação.
[1] Acessado em 10.04.23 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/e/esteatose-hepatica
[2] Acessado em 10.04.23 https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/snt
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