À espera da solução

Parado no STF, caso do marco temporal é gargalo para pretensões indígenas

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18 de abril de 2023, 11h43

O primeiro simpósio internacional sobre povos indígenas, natureza e Justiça, sediado no Superior Tribunal de Justiça, nesta segunda-feira (17/4), serviu para esquentar as expectativas quanto à retomada do julgamento do marco temporal para demarcação de terras, atualmente paralisado no Supremo Tribunal Federal.

Lucas Pricken/STJ
De cocar, deputada federal Célia Xakriabá participa de evento no STJ ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
Lucas Pricken/STJ

Diversas autoridades ligadas ao tema e convidadas para participar do evento fizeram referência ao caso, tratado como um gargalo para a resolução de conflitos demarcatórios no país. O tema começou a ser julgado no RE 1.017.365 e foi alvo de pedido de vista em setembro de 2021, feito pelo ministro Alexandre de Moraes.

O julgamento discute se os indígenas têm direito somente às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Até o momento, dois votos foram proferidos. Relator, o ministro Edson Fachin votou contra o marco temporal. Abriu a divergência o ministro Nunes Marques, votando a favor.

Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana declarou que há muitas barreiras a impedir a resolução de conflitos relacionados às terras indígenas. E uma das principais é judicial: exatamente a tese do marco temporal, classificada por ela como "absurda".

"Temos todo o interesse que as terras indígenas sejam regularizadas, protegidas, livres de esbulho e posse; que as terras nas mãos de pessoas não indígenas sejam entregues para as comunidades. Temos interesse em avançar na demarcação. Mas temos de vencer uma série de barreiras. A judicial é uma delas. Muitas ações estão paralisando processos com a tese absurda do marco temporal, que se coloca na mesa como se houvesse um precedente", disse ela.

Em sua avaliação, a Constituição Federal é clara ao definir o direito dos povos originários sobre as terras que tradicionalmente ocuparam como imprescritível, indisponível e inalienável. "Precisamos avançar porque os conflitos estão aumentando. Estamos vendo mais crises e mais mortes."

Lucas Pricken/STJ
Ministro Herman Benjamin é o coordenador de evento sobre povos indígenas e Direito sediado pelo Superior Tribunal de Justiça
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A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) também fez referência ao tema ao citar a mobilização indígena em semanas de acampamento em Brasília, por causa do julgamento no STF. As ações não pararam. Em setembro do ano passado, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, recebeu lideranças indígenas para tratar do caso. E, no mês passado, em visita ao Vale do Javari (AM), prometeu pautar a retomada do julgamento ainda no primeiro semestre.

"Para nós, o Direito tem um lugar importante. Dizemos que o pajé cura. Mas o Direito também vem para curar parte da sociedade, para colocar as coisas no lugar. Não temos medo da Justiça. Temos medo da injustiça. Não temos medo da diferença. Temos medo da indiferença, que se torna fronteira e assassina nossos corpos indígenas", afirmou a deputada.

Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva foi outra a falar sobre o caso enfrentado pelo STF. Ela citou que a Constituição de 1988 determinou, no artigo 67, que a União deveria concluir a demarcação de terras indígenas no prazo de cinco anos após sua promulgação, o que não se concluiu até hoje.

Enquanto isso, projetos de lei e medidas provisórias levaram à possibilidade de regularização fundiária de terras na Amazônia Legal que tenham sido ocupadas, inicialmente, até 2009, graças à Lei 11.959/2009, e posteriormente até 2014 (MP 910/2019), com proposta de estender até 2018 (PL 2.633/2020).

"Aqueles que estão aqui há milhares de anos teriam de ter terras reconhecidas só até a Constituição de 1988. E quem invadiu e ocupou terras indígenas criminosamente, eles vão esticando o prazo para dar direito de propriedade", criticou a ministra.

Em fala na abertura do simpósio, a ministra Rosa Weber não tratou especificamente do caso do marco temporal, mas destacou algumas das decisões do STF contra ofensas aos direitos das populações indígenas, como a ADPF 991, que obrigou a União a apresentar plano para proteger os grupos isolados na epidemia da Covid-19, e a ADPF 709, que sustou atos da Funai que desautorizaram as atividades de proteção em terras indígenas não homologadas.

Presidente do STJ, a ministra Maria Thereza de Assis Moura destacou que o debate sobre o tema se reveste de importância para aprimorar políticas públicas e contribuir na busca de solução de conflitos envolvendo povos originários, o que se insere na missão constitucional da corte.

"Afinal, a prestação jurisdicional só será efetiva se, de um lado, partir da compreensão dos riscos enfrentado pelos povos indígenas quanto à sobrevivência própria de seus saberes e cultura e, de outro, se salvaguardada a posse de suas terras não só na Amazônia Legal, mas também nas demais áreas à espera de demarcação", disse a magistrada.

Coordenador do simpósio e referência no tema do Direito Ambiental, o ministro Herman Benjamin disse que é preciso que os juízes brasileiros entendam que são convocados a proteger os povos originários não porque se quer ou porque é desejável, mas porque a Constituição e as leis assim determinam. "O juiz que não entender isso estará sendo desobediente, desrespeitoso com a Constituição e com as leis. E certamente não terá um bom julgamento pelas gerações futuras."

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