O que administradora de consórcio e exportadora de café têm em comum?
17 de abril de 2023, 19h38
Em março deste ano, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 61/2023 [1], por meio da qual manifestou o entendimento de que as empresas administradoras de consórcios não têm direito ao desconto de créditos de PIS e Cofins sobre as comissões pagas a pessoas jurídicas que lhes prestam o serviço de representação comercial, vendendo quotas de consórcio.
A conclusão a que chegou a administração tributária não é mais surpreendente do que o caminho trilhado por ela: tomou por base, de forma incauta, a decisão dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao REsp nº 1.221.170/PR e o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5/2018 [2], que demandam uma análise casuística a partir das particularidades da atividade empresarial desenvolvida pelo contribuinte. É a partir do exame do caso concreto que se pode definir se determinados dispêndios são ou não insumos para fins de desconto de créditos de PIS e Cofins, à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, conforme estabelecido pelo STJ naquele recurso especial.
No entanto, a fim de afastar o direito ao desconto de créditos, a Receita, embora tenha reconhecido que a atividade de administração de consórcios é uma espécie de prestação de serviço, trouxe o exemplo de um contribuinte industrial — para a qual realmente as comissões não eram essenciais — dado pelo Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5/2018 para excluir as comissões de vendas do conceito de insumos: "mais adiante, no item 18, o Parecer Normativo em comento, ao analisar o RESP 1.221.170/PR, exemplifica a comissão de vendas como um item cuja utilidade não é aplicada na atividade desempenhada pela empresa (naquele caso, a industrialização)".
Assim, houve um descolamento dos fundamentos da Solução de Consulta Cosit nº 61/2023 da ratio decidendi do acórdão do STJ no REsp nº 1.221.170/PR, na medida em que a Receita Federal não procedeu à devida análise casuística das comissões pagas a representantes comerciais no contexto da atividade de administração de consórcios. Com efeito, as comissões de vendas podem não ser essenciais para uma dada atividade, mas podem ser para outra — e de fato o são, para as administradoras de consórcios.
Não foi por outra razão que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no acórdão nº 3302-006.528, decidiu que "os custos com comissões pagas sobre as vendas de consórcios nas administradoras de consórcios geram direito a crédito do PIS e da Cofins, por preencherem a definição de insumo estabelecida na legislação de regência, já que se tratam de gastos aplicados ou consumidos diretamente na execução do serviço" [3].
Além de sustentar a relevância dessas despesas, o relator do acórdão afirmou, como se depreende, que as comissões são essenciais para a gestora de consórcios, que "deve realizar as atividades de reunir um número de pessoas interessadas na aquisição de determinados bens para formação de grupo, atividade esta que, senão realizada por representantes conveniados à Recorrente dificilmente se concretizará".
Mas, afinal, como sugere o título deste artigo, o que isso tem a ver com as empresas exportadoras e beneficiadoras de café?
A princípio, parece que as empresas administradoras de consórcios não têm semelhanças com as exportadoras de café. Óbice nenhum, pois isso não importaria para alijar uma ou outra do desconto de créditos de PIS e Cofins a partir de uma análise comparativa.
Por outro lado, as comissões pagas pelas empresas exportadoras e beneficiadoras de café também representam um custo importante neste segmento. As comissões são pagas a corretores, que são profissionais responsáveis por intermediar e aproximar as empresas beneficiadoras e exportadoras dos produtores, aplicando os seus conhecimentos tanto da oferta quanto da demanda de café.
A discussão em torno do direito ao desconto de créditos de PIS e Cofins sobre comissões de corretagem chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). No acórdão nº 9303-007.291, o relator fez extensa análise sobre a corretagem à luz — como era de se esperar — da cadeia econômica cafeeira [4]. Veja-se:
"Contudo, há que se apreciar a atividade econômica cafeeira dentro de sua própria lógica de mercado. Nesse mercado, o negócio sem a corretagem seria o mesmo que realizar a operação de compra e venda de insumos sem a participação de interveniente responsável pelo frete do insumo até o estabelecimento do comprador: possível, mas economicamente incerta. Se há necessidade de operação eficaz na atividade, a atuação dos corretores passa a ser essencial, sob pena de haver demora ou dificuldades tais que inviabilizem a operação economicamente falando. […]. Penso que a busca de diversos tipos de cafés entre produtores, pessoas físicas, jurídicas e cooperativas, poderia ser realizada pela empresa, assim como a realização do frete do café até seu estabelecimento, mas, pelo próprio histórico da atividade de exportação de café nunca o é. Esse mercado se estabeleceu com base na atuação dos corretores que são conhecedores das distintas espécies de grãos e de quem são os produtores destes. Esse tipo de atuação é essencial à atividade da contribuinte."
Ressalta-se que o direito ao crédito sobre despesas com comissões de corretagem foi garantido, reafirmando-se a essencialidade desses dispêndios para a cadeia produtiva do café, em outras oportunidades, a exemplo dos acórdãos nºs 9303-012.703 [5] e 9303-013.170 [6], ainda que como componente do custo de aquisição do insumo em si (café).
Portanto, na solução dada à consulta nº 61/2023, teria se saído melhor a Receita Federal caso tivesse comparado as administradoras de consórcio com empresas exportadoras de café, que também dependem das despesas com comissões para concretizar a atividade, do que com uma empresa industrial para a qual representantes comerciais e corretores realmente não são indispensáveis. Nesse sentido, a comparação com as empresas exportadoras de café apenas relembra que deve ser dada especial atenção às singularidades de cada cadeia produtiva, como bem define o STJ.
[1] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=129675. Acesso em: 09/04/2023.
[2] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=97407. Acesso em: 09/04/2023.
[3] Carf, Acórdão nº 3302-006.528, relator Walker Araujo, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, j. 30/01/2019.
[4] CSRF, Acórdão nº 9303-007.291, redator designado Luiz Eduardo de Oliveira Santos, 3ª Turma, j. 15/08/2018.
[5] CSRF, Acórdão nº, 9303-012.703, redator designado Luiz Eduardo de Oliveira Santos, 3ª Turma, j. 09/12/2021.
[6] CSRF, Acórdão nº 9303-013.170, redator designado Luiz Eduardo de Oliveira Santos, 3ª Turma, j. 12/04/2022.
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