Opinião

Tópicos sensíveis da regulação do setor mineral estão à margem da sociedade

Autor

  • Rosinaldo S. Lobato Junior

    é advogado doutorando e mestre em Direito da Regulação pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) LL.M. (master of laws) em Direito Empresarial também pela FGV Direito Rio e professor de Regulação do Setor de Mineração na FGV Direito Rio.

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14 de abril de 2023, 10h19

No último mês, especificamente dia 20 de março de 2023, a Agência Nacional de Mineração publicou convocação para a Reunião Participativa 04/2023, visando à produção de conhecimento a respeito da regulação das Declarações de Utilidade Pública (DUP) que revestem as servidões minerais e desapropriações com o regime e justificações específicas do Direito Minerário. Ainda que seja um assunto em construção, no limite, o regime minerário permite o bloqueio, servidão e desapropriação de quaisquer áreas que possam otimizar o funcionamento de minas. Essas áreas de terceiros que sofrerão intervenção de mineradoras sequer precisam ser essenciais à mina: basta que otimizem a eficiência do empreendimento. O mineroduto Minas-Rio, de 529 km de extensão, é um vívido exemplo do esforço coletivo que pode ser exigido para o sucesso de lavras.

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O regime minerário é altamente protetivo dos investimentos realizados em pesquisa e lavra mineral. E isso não ocorre por algum lobby escuso. A indústria mineral é o início da cadeia produtiva de todos os outros setores de interesse público e privado. Permite que haja autossuficiência de insumos para subsidiar saneamento, portos, rodovias, gasodutos, maquinários diversos, e basicamente tudo que está ao nosso toque. Além disso, fornece a possibilidade de ampliação do parque industrial em regiões geralmente desfavorecidas. Muitas vezes o investimento privado amplia a distribuição de redes de energia elétrica, e está intimamente ligado às infraestruturas essenciais que podem ser compartilhadas entre diferentes empreendimentos, como rodovias e ferrovias.

São algumas das justificativas mais comuns para a mineração receber tratamento jurídico privilegiado. Não que tudo sejam flores. Não se trata disso. As vezes pode ser lama. Mas, no geral, a mineração é compreendida pelos tribunais como atividade de interesse nacional e utilidade pública, que reveste as propriedades privadas com uma função social. O TJ-SP já mencionou que tal função social gera o dever do proprietário do imóvel ou superficiário de ceder seu espaço sem maiores tumultos ao empreendimento. A esse respeito, o Código de Mineração estipulava:

"Art. 57. No curso de qualquer medida judicial não poderá haver embargo ou sequestro que resulte em interrupção dos trabalhos de lavra.
(…)

Art. 87. Não se impedirá por ação judicial de quem quer que seja o prosseguimento da pesquisa ou lavra".

Tribunais de regiões mineradoras como o TJ-MG, TJ-PA e TJ-GO reforçavam o entendimento de tais artigos, ainda que houvesse alguma ambivalência no STJ, especialmente quando contrapostos a bens ambientais. A racionalidade, ainda que discutível, é a seguinte: impacto concentrado, para grandes benefícios difusos. No geral, baseado em impressionismos. Concepções etéreas do interesse nacional, dos custos e benefícios sociais.

A produção de dados governamentais e pesquisas empíricas pela academia é relativamente recente. Para um país com tradição mineradora, é curioso que a rubrica orçamentária da CFEM só tenha atingido um patamar mínimo de distinção e controle a partir de 2005 na lei orçamentária. No campo governamental, havia uma enorme lacuna quanto a pesquisas e prioridades apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia. No final de 2019 um acordo de cooperação celebrado com o Ipea forneceu algum subsídio técnico ao ministério para realizar um diagnóstico do setor mineral.

No âmbito das universidades, no entanto, as pesquisas voltadas a subsidiar a regulação do setor são extremamente escassas. Principalmente as que combinam análises jurídicas, econômicas e sociológicas — e não as puramente geotécnicas. Por exemplo, a construção do curso "Regulação do Setor de Mineração", ministrado na Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, precisou se valer de bibliografia produzida por outros países mineradores em quantidade considerável. E a participação da academia no processo regulatório em geral é deficitária, para não dizer nula. Há algum tempo que a agência tem realizado um esforço visível em ampliar a participação pública em seus processos. O público apenas parece pouco interessado.

Quanto ao chamamento público para a Reunião Participativa 04/2023, mencionada no início deste texto, registrou-se a participação de um grupo altamente concentrado de interessados do setor regulado. No entanto, os impactados pela regulação parecem extrapolar as mineradoras, visto que bloqueios, servidões e desapropriações podem atingir não somente particulares, mas imóveis e áreas que comportam outras infraestruturas de interesse público. Os debates no Judiciário sobre o estabelecimento de prioridades entre diferentes DUPs gerou até um antigo parecer vinculante da Procuradoria do extinto DNPM, mas a ausência de critérios claros neste parecer apenas transferiu o poder decisório ao ministro de Minas e Energia nos casos específicos de conflito entre empreendimentos mineradores e redes de energia elétrica.

Em resumo, o ponto central deste texto é o de explicitar que tópicos muito sensíveis têm tomado a agenda da ANM. Para além de assuntos quentes como desastres em segurança das barragens. A nova agência tem se consolidado como uma instituição cada vez mais proativa e relevante, e ofereceu a oportunidade de contribuição social ao solicitar subsídios em mais de 50 instrumentos de participação nos últimos três anos. Mas quem são e onde estão os interessados?

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  • é advogado, doutorando e mestre em Direito da Regulação pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), LL.M. (master of laws) em Direito Empresarial também pela FGV Direito Rio e professor de Regulação do Setor de Mineração na FGV Direito Rio.

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