Julgamento dos Temas 881 e 885 pelo STF é realmente uma "aberração jurídica"?
13 de abril de 2023, 14h19
Em 8 de fevereiro de 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal), ao julgar os Temas de Repercussão Geral 881 e 885, definiu a tese: "As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo".
Tal decisão gerou um impacto imediato, fazendo com que diversos contribuintes realizassem apurações fiscais no intuito de estimarem o prejuízo financeiro, sendo verificados impactos milionários, até mesmo bilionários.Diante da grande repercussão, bem como em razão da ausência de publicação do acórdão para se identificar os principais fundamentos que acarretam a decisão, o ministro Luís Roberto Barroso veio a público, em vídeo publicado no canal do STF no YouTube, para esclarecer alguns pontos sobre o julgamento realizado. A manifestação do então relator do Tema 885 foi um misto de alívio e indignação por parte dos envolvidos com a questão. Alívio porque a até então preocupante "não modulação dos efeitos da decisão" não foi tão prejudicial quanto parecia. Já a indignação se manifestou em razão de mais uma "derrota do contribuinte" a partir de um polêmico caso, cheio de incertezas, em que foi colocado em pauta o respeito ao fundamental princípio da segurança jurídica.
Passando para a efetiva análise da decisão, com as informações disponibilizadas até o momento, pode-se perceber, em um primeiro momento, que o caso se refere apenas aos tributos de trato continuado, isto é, aqueles em que a sua exigência se renova ano a ano, como é o caso do Imposto de Renda, PIS, Cofins, entre outros. Isso quer dizer que tendo o contribuinte obtido decisão favorável, ela vigorará em todos os seus efeitos legais. Entretanto, se o STF decidir, em momento posterior, que a exigência deste tributo é constitucional, a partir desta decisão não mais haverá a proteção da coisa julgada.
A consequência é diferente do que acontece nos casos de tributos instantâneos, ou seja, aqueles em que se exige apenas uma vez, quando da ocorrência do fato gerador, como é o caso do ITBI, ITCMD, etc. Nessas hipóteses, tendo o contribuinte obtido uma decisão favorável, o direito perdura ad aeternum. Por este motivo, é um tanto quanto complexo sustentar que as decisões dos Temas 881 e 885 podem se estender para outras áreas jurídicas, como o direito previdenciário e o direito penal como vem sendo divulgado por alguns juristas, uma vez que a tese publicada foi bem restritiva nesse sentido.
Para se entender melhor os pontos acima evidenciados, observa-se o exemplo hipotético: Em 2015, contribuinte obteve decisão favorável para o não pagamento do tributo Y, de trato continuado. Posteriormente, em 2023, o STF profere decisão, em sede de repercussão geral, declarando a constitucionalidade daquele mesmo tributo, podendo, por consequência, ser exigido, sem nenhuma modulação de efeitos. Com o trânsito em julgado da sentença, não obstante a declaração de constitucionalidade possua efeitos ex tunc, preservam-se as coisas julgadas em sentido contrário até então existentes, de modo que o contribuinte deverá pagar o tributo a partir desse novo precedente, respeitados ainda os princípios da irretroatividade, da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal.
Dessa forma, a decisão do STF nos leading cases em análise não foi exatamente uma relativização da coisa julgada, como ficou popularmente conhecido, mas na verdade uma "superação" dela. Isto porque, o fundamento básico das relações de trato continuado, conforme, inclusive, expressamente previsto no Código de Processo Civil (artigo 505, I) é: enquanto se mantiverem os contextos fático e jurídico da decisão, está o contribuinte amparado pela coisa julgada. Mudando o estado de fato e o estado de direito, a coisa julgada não se aplica mais. o contribuinte não "perdeu" a sua coisa julgada, nem foi esta "ponderada", mas, simplesmente, o direito aplicável ao caso mudou
Note que o entendimento do STF acerca da coisa julgada traz implícito que um precedente vinculante do tribunal, seja decorrente de controle difuso, seja de controle concentrado, inova o ordenamento jurídico e, para o contribuinte em particular, implica o aumento ou a exigência de determinado tributo que até então não era devido por força de coisa julgada, em razão de decisão judicial transitada em julgado, ele pode ser exigido (com efeito ex nunc), mas sujeito à anterioridade (após 90 dias ou no próximo exercício financeiro, dependendo do tributo em questão).
Nesse contexto, não parece que o entendimento do Supremo acerca da coisa julgada seja uma "aberração jurídica" como tanto se divulgou, uma vez que possui, no mínimo, alguma coerência com o direito positivo. Na verdade, grande parte da polêmica deveu-se ao fato de que o leading case foi construído sobre o caso da contribuição social sobre o lucro líquido, declarada constitucional em 2007 por ocasião do julgamento da ADI 15, o que abriu margem à possibilidade de se exigir, neste caso específico, os valores que deixaram de ser recolhidos nos últimos 60 meses, o que não acontecerá em relação aos precedentes a serem firmados no futuro. Os efeitos de eventual novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre coisas julgadas contrárias serão sempre prospectivos, com respeito, ainda, dos princípios acima consignados.
Discordando juridicamente ou não do julgamento dos Temas 881 e 885, fato é que os contribuintes, para não serem surpreendidos, deverão estar atentos em relação as teses que, ao serem suscitadas perante o STF, têm o condão de alterar entendimento jurisprudencial até então dominante, principalmente se dispor de coisa julgada que lhe é favorável, pois poderá vir a ser compelido a voltar a recolher dado tributo a partir de novo precedente.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!