Opinião

Pandemia e IA: o futuro da Justiça ou a Justiça do futuro (parte 1)

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11 de abril de 2023, 16h17

De 2020 a 2021, o mundo parou. A doença, embora anunciada, chegou com estardalhaço, trouxe pesadelos nunca imaginados, confinando as pessoas em suas casas, em seus quartos, temendo algo que não podiam ver, ouvir, cheirar ou tocar. Com azar, poderiam senti-la. E esperar a salvação, quer por ação dos homens, quer por intervenção divina. Parecia que as mudanças causadas no dia a dia de toda a população mundial (com exceção de alguns redutos isolados, especialmente na África) não teriam fim. Atividades até então essencialmente sociais acordaram na interface dos computadores. Plataformas de comunicação como Skype e Zoom, antes esquecidas, foram reativadas e atualizadas para níveis nunca sonhados. As empresas, com seus empregados em casa (como sempre tinha sido, naquelas grandes e visionárias), apresentaram programas que prometiam revolucionar a comunicação entre as pessoas em tempo real em todas as partes do mundo, sem nada que lembrasse a necessidade de se encontrarem no mesmo ambiente físico dividindo a mesma iluminação e a mesma máquina de café.

Durante dois anos, o mundo viveu, produziu, falou, ouviu, apresentou teses, e assistiu a concertos e shows de rock através do espaço cibernético. Era o "novo normal", onde as pessoas continuavam a se comunicar, trocar ideias, antever realizações grandiosas, realizar eventos acompanhados por centenas, milhões de pessoas em todas as partes do mundo, tudo proporcionado pela mesma tecnologia já disponível, mas que não demandava uso porque todos podiam se ver e trocar apertos de mãos.

Agora, não. Em razão do alto contágio da doença, real ou imaginário, as interações humanas tinham que ser reduzidas ao mínimo necessário para que a vida prosseguisse dentro da normalidade. Imagens de grandes metrópoles desertas, de cidades-fantasma, de praias intocadas, se tornaram comuns e assustadoras. Ainda assim, o mundo não parou, a vida continuou pulsando, as sociedades continuaram produzindo, as pessoas se amando, a população mundial crescendo como se não existisse doença alguma, mesmo com as mortes acontecendo de maneira quase incontrolável.

Progresso tecnológico antecipado
Em 2022, o mundo voltou a sair de casa, as pessoas voltaram a se movimentar, deixando para trás um medo que, afinal, se revelou maior que o necessário. Sempre existiram pandemias, e a humanidade venceu todas e ficou mais forte, ponderaram alguns. Por que com esta seria diferente? indagaram outros. Era inevitável que surgissem, quase que imediatamente, teorias conspiratórias de controle, de reorganização social, de experimentos falhos ou secretamente desejados. Reuniões e debates fomentaram especulações sobre as causas da pandemia e seus efeitos na saúde humana, sobre o acerto das decisões políticas tomadas a nível mundial e pelos governos dos países, sobre o papel das grandes corporações no ocorrido.

A grande questão que se apresentava, no entanto, era como deveria a sociedade encarar o futuro. Em dois anos, mesmo com bilhões de pessoas contidas em casa, o mundo não parou. As trocas de experiências, de informações, de conhecimento, de aprendizado foram uma constante, todos utilizando as ferramentas cibernéticas para tal fim. Nunca houve, durante o período, afastamento de pessoas de modo que cada uma não soubesse o que acontecia em seu bairro, em sua cidade, em seu país ou, mais importante, o que acontecia no resto do mundo.

Diferente da imagem de solidão e desespero noticiados na grande mídia, o período de afastamento social manteve as pessoas em contato, "conectadas", sem sofrerem qualquer tipo de isolamento intransponível. Ao contrário, os contatos eram quase permanentes e sem horários pré-fixados, avançando noite adentro, e invadindo os fins de semana. Nunca houve silêncio, nunca houve conversa solitária, nunca houve monólogo durante o período de afastamento físico.

Parecia agora que o mundo teria que lidar com a nova realidade física que se apresentava: voltar à movimentação frenética, diária, contínua, incansável e poluente de bilhões de pessoas retornando às estações de trabalho, usando os mesmos computadores que usavam em casa, desperdiçando horas preciosas de lazer, de descanso e de "fazer nada" nos transportes públicos sempre atrasados, sempre cheios, sempre barulhentos, sempre caros… estaria de volta o "velho normal"? Afinal, o homem é um ser social e precisa estar em sociedade, lembraram alguns.

A pandemia antecipou uma realidade que nos aguardava um pouco mais adiante. O potencial que a tecnologia de informação (TI) oferece atualmente (e já oferecia há anos) nos coloca no limiar de uma nova civilização apenas imaginada pelos autores de ficção científica ou de filmes futuristas. A cibernética é uma ferramenta que transforma o mundo do lazer à forma de trabalhar, mas à qual muitos ainda se opõem.

O local do trabalho é onde o trabalhador está
Com o século 21 se aproximando de seu segundo quarto, não podemos desconsiderar que a nova tecnologia veio para ficar e revolucionar nosso estilo de vida, mais especificamente nosso trabalho. O trabalho não é mais o trabalho do século 20 e, muito, mas muito menos, do século 19. O trabalho hoje é quase incorpóreo, existindo em alguma nuvem cibernética em um lugar mágico, imaginado, ela própria criação deste novo mundo. O trabalho cotidiano, agora, adiantado pelos dois anos de pandemia, separou-se de sua localização espacial; o trabalho hoje é intelectual na essência. A matéria de nosso trabalho e sua corporificação final, sua existência final, também é essencialmente intelectual, no sentido de que existirá apenas se nos conectarmos a ele através das ferramentas ao nosso dispor em celulares, em relógios, em óculos ou, para os mais conservadores, em nossos computadores de mesa.

Trabalho e local de trabalho, depois da pandemia, estão reunidos para sempre; não é apenas questão de "comodidade" (embora esta também seja uma das razões); mas, principalmente, trabalho e local de trabalho hoje estão em nossas mentes. O que pensamos, enquanto trabalhamos, é codificado em impulsos elétrico-cibernéticos enviados para os cantos mais remotos do planeta. Nosso trabalho é concluído quando esses impulsos são acessados e produzem os efeitos a que se propõem.

Não podemos ter medo desta realidade que nos foi adiantada pelos dois anos de pandemia. Ela dorme conosco há muitos anos, embora teimássemos em não a reconhecer, seja por comodismo, seja porque "temos nossas obrigações para com nosso trabalho". Trabalho e local de trabalho são duas realidades que se fundiram. O trabalhador e o trabalho que produz se transformou no próprio local de trabalho, sendo suficiente para me desincumbir do que me proponho a fazer e para o qual me dediquei como profissional.

É evidente que não podemos fechar os olhos para a realidade multiforme das sociedades ocidentais e ocidentalizadas. Existem tipos de trabalho que não comportam sua condensação em uma única realidade espacial, ou seja, a do próprio trabalhador, necessitando do concurso de outras pessoas e de uma realidade física para ser feito. A construção de uma rua, de um viaduto, exige a conjugação de trabalhadores, de material e espaço físicos para a sua confecção e realização; a obturação de um dente impõe que dentista e paciente estejam presentes no mesmo espaço físico onde serão utilizados insumos próprios para o tratamento; assim como a maioria dos tratamentos médicos, inclusive aqueles de natureza psicológica e mental. A difusão de conhecimentos aos mais jovens, no entanto, cada vez mais se faz através de plataformas intermediárias de transmissão de informação, sem necessidade de que professor e alunos dividam o mesmo espaço físico e sem qualquer prejuízo na qualidade.

Medo natural do desconhecido
Não se faz tábula rasa das resistências naturais dos indivíduos em aceitar que a pandemia nos trouxe, em modo antecipado, um mundo que já nos aguardava alguns anos à frente. O novo é ameaçador, impõe-nos mudanças que temos que realizar em nosso cotidiano e, por isso, não desejado e, se possível, deve ser resistido a todo o custo. Não foi por menos que as revoltas de trabalhadores manuais foram uma constante no século 19 contra a chegada das máquinas industriais; algum anacronismo ainda permanece no século 21 quando vemos fabulosas máquinas automáticas, compactas, inteligentes, com temperatura agradável, com mecanismos de abertura e fechamento de portas no tempo certo, seguras e conhecidas como "elevadores", sendo controladas por um infeliz trabalhador manual. Trabalhos anacrônicos que resistem nos tempos de hoje, mesmo sendo absolutamente indignos do potencial de seus operadores. É uma prova de que, mesmo antecipado pelos anos de pandemia, a revolução no trabalho e no local de trabalho ainda obedecerá ao seu período característico de resistência dos mais temerosos, dos que tem mais a perder, até que, finalmente, sejam aceitos até mesmo por eles. O trabalho, tal como o conhecemos, será conhecido apenas em visitas aos museus.

A revolução da TI e a chegada da IA
A tecnologia da informação é uma revolução de cujo potencial ainda não nos apercebemos em sua plenitude. É a necessidade que faz com que o ser humano saia de sua zona de conforto e vença os novos desafios, assumindo controle da realidade modificada. Não foi por acaso que o grande salto que se verifica na inteligência artificial (IA) agora está sendo revelado, passado o período de incubação durante a própria pandemia. O que era potencial, agora é potência, é realidade. E como se apresenta com força total, os medos e dúvidas também seguem o mesmo caminho de antes. Vamos ser dominados pela máquina? Afinal, seremos escravos de robôs? Perderemos a liberdade de pensar?

A inteligência artificial é o fruto natural da TI, sua evolução inevitável, pois resulta da acumulação de conhecimentos anteriores que possibilitaram atingir uma nova compreensão do próprio cérebro humano. Ao utilizarmos a IA elevamos o potencial do cérebro humano a dimensões desconhecidas, mas igualmente produtos do intelecto humano. Sem ele, a inteligência artificial não existiria e, através do potencial do cérebro, a IA realizará trabalho humano de qualidade superior.

Se a pandemia trouxe a fusão de trabalho e local de trabalho, a IA, através da tecnologia da informação, realizará o trabalho em sua forma mais intelectual concebida pelo cérebro humano até o momento. Não é apenas questão de conjugação de dados em tempo recorde, impensável para o ser humano, mas é a realização de trabalho intelectual disponível para qualquer um fazer uso do trabalho acumulado de milhões de cérebros que o precederam ou que lhes são contemporâneos.

O extraordinário alcance da IA se desenvolve em todas as searas do conhecimento humano, servindo para acelerar seu avanço para outros níveis.

Continua na parte 2

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