Opinião

Possibilidade de exclusão dos benefícios de ICMS da base do IRPJ e CSLL

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12 de abril de 2023, 6h05

Por meio de decisão publicada em 20/3/2023, o Superior Tribunal de Justiça determinou a afetação dos REsps n° 1.945.110 e nº 2.010.095 ao rito dos recursos repetitivos. A questão submetida a julgamento e cadastrada como Tema 1.182 vai dirimir a seguinte controvérsia: "Definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL".

O colegiado também decidiu pela suspensão de todos os processos que versem sobre a matéria e que estejam em tramitação no território nacional, e assim a solução adotada pelos ministros nesse julgamento será aplicada de maneira vinculante.

É importante lembrar que a Corte Superior tem entendimento firmado no sentido de que o crédito presumido de ICMS não é considerado como um signo de riqueza nova do contribuinte, não representando uma receita passível de compor a base de apuração dos tributos federais. De fato, conforme pacificado no julgamento do EREsp 1.517.492/PR, a renúncia fiscal do Estado, exteriorizada por meio da concessão de crédito presumido de ICMS, consiste em uma verdadeira redução de custo que não tem o poder de incrementar o patrimônio do contribuinte, não podendo ter seus efeitos alcançados pela tributação do IRPJ e CSLL sob pena de ofensa ao princípio federativo. Em suma, a exação federal não pode incidir sobre a parcela equivalente à renúncia fiscal do Estado.

Já a discussão envolvida no Tema 1.182 é mais abrangente e está apoiada na alteração legislativa trazida com a LC nº 160/2017, que incluiu os §§ 4º e 5º ao artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, prevendo expressamente que todas as espécies de benefícios fiscais do tributo estadual representam subvenções para investimento e podem, a depender do cumprimento de requisitos expressamente constantes daquele dispositivo, serem deduzidos da base de incidência do IRPJ e CSLL.

Recorde-se que a Receita Federal tem historicamente se posicionado no sentido de só considerar subvenção para investimento o incentivo fiscal concedido pelo Estado membro (através de renúncia de parte do ICMS a ele devido) quando este for destinado à determinada pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la e, concomitantemente, quando dela se exija, como contraprestação, a aplicação do respectivo valor em bens ou direitos para implantar ou expandir empreendimentos econômicos específicos em favor do ente concedente.

Em outras palavras, as subvenções somente seriam consideradas "de investimento" mediante a comprovação de um sincronismo entre os valores decorrentes do benefício concedido e os investimentos verificados no plano fático/material. Não se enquadrando nessa hipótese, estar-se-ia diante de subvenção para custeio e, consequentemente, a respectiva verba estaria sujeita à tributação.

O Fisco federal apoia esse entendimento nas diretrizes que delineiam o conceito de receita bruta, previstas no artigo 12 do Decreto nº 1.598/77, além do artigo 44, III, da Lei nº 4.506/64, haja vista que esse dispositivo adverte que as "subvenções correntes", para "custeio" ou "operações", integram a receita bruta, bem como, também, em razão de o §2º do artigo 38 do Decreto Lei 1.598/77 determinar que apenas as "subvenções para investimento” não devem ser computadas na determinação do lucro real.

Todavia, tal entendimento não mais se aplica de forma indiscriminada e/ou automática, devendo ser observada a opção realizada pelo contribuinte por ocasião da apuração de seus tributos.

Isso porque, como se disse anteriormente, a LC nº 160/2017, por meio do art. 9º, discorreu sobre o tema ao trazer a inclusão do § 4º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014 o qual, por sua vez, prevê que:

"Art. 30 – As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros (…).
(…)
"§ 4º – Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo."

A clareza do dispositivo legal em comento não deixa margem a qualquer tipo de questionamento acerca do efeito decorrente da alteração legislativa: o que ocorreu foi a determinação expressa pela própria legislação federal no sentido de que todas as espécies de benefícios fiscais de ICMS (… imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal …) são consideradas subvenção para investimento, sendo descabida qualquer exigência adicional de requisitos e/ou condições para que assim os mesmos sejam classificados.

Como consequência dessa alteração de paradigma legislativo, a Solução de Consulta Cosit nº 11, de 4 de março de 2020, evidencia que a SRFB admitiu a possibilidade de o contribuinte deduzir da base de incidência do IRPJ e CSLL qualquer espécie de benefícios fiscal de ICMS, ante sua caracterização como subvenção para investimento e independentemente de qualquer outro requisito ou condição a ser eventualmente atendida e/ou comprovada.

Merece transcrição no parágrafo 23: "A norma em questão insere novo comando legal ao dispositivo que confere o adequado tratamento tributário, no que tange ao IRPJ e a CSLL, às subvenções para investimento. A LC nº 160, de 2017, atribui a qualificação de subvenção para investimento a todos os incentivos e os benefícios fiscais ou econômico-fiscais atinentes ao ICMS. Significa dizer que a essa espécie de benefício fiscal não mais se aplicam os requisitos arrolados no PN CST nº 112, de 2017, com vistas ao enquadramento naquela categoria de subvenção".

Seja como for, sem qualquer justificativa plausível a SRFB reinterpretou o tema por meio da edição da Solução de Consulta Cosit nº 145, de 15 de dezembro de 2020, contrariando sua orientação anterior e inserindo condições não existentes na nova legislação para considerar os benefícios fiscais de ICMS como sendo passíveis de configurar subvenção para investimento.

O conteúdo da conclusão é bastante para demonstrar a divergência relativamente ao entendimento anterior: "36 À vista do exposto, responde-se a consulente que, a partir do advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos".

A insegurança jurídica gerada por essa mudança de orientação levou inúmeros contribuintes ao Judiciário, visando prevenirem-se quanto a eventual lançamento fiscal respaldado na equivocada interpretação do alcance da legislação.

Dessa forma, o debate chegou ao STJ após sistemáticos julgamentos proferidos no âmbito do TRF da 4ª Região, em que a Corte Regional sedimentou o entendimento no sentido de que "a decisão do STJ no EREsp 1.517.492/PR '(…) sobre os créditos presumidos de ICMS não pode ser generalizada de forma a abarcar tudo quanto seja benefício fiscal de ICMS, devendo limitar-se a situações idênticas ao caso analisado pelo Tribunal Superior (…)". A conclusão adotada no âmbito daquele Tribunal ainda se apoiou na alegação de que outras espécies de benefícios fiscais de ICMS que não correspondam ao crédito presumido não poderiam representar "subvenções para investimento" e, assim serem deduzidos da base de incidência do IRPJ e CSLL, por consistirem em "grandezas negativas" que não expressariam valor monetário e que sequer possuiriam lastro contábil [1].

Além de defenderem esses argumentos em suas mais recentes manifestações, a Receita e a PGFN também passaram a sustentar que benefícios fiscais de ICMS concedidos em caráter geral e incondicionado não poderiam ser considerados subvenção para investimento. A afirmação parte do pressuposto de que somente o contribuinte que possui alguma espécie de acordo bilateral ou tratamento tributário diferenciado concedido pelo ente Estadual é que poderia deduzir os respectivos incentivos fiscais quando da apuração da base de incidência das exações federais incidentes sobre o lucro, e desde que demonstrasse de que maneira se exteriorizou a "expansão do empreendimento econômico" do contribuinte beneficiado.

Os argumentos são evidentemente falhos, inclusive por que contrariam o texto legal.

De fato, se não bastasse o § 4º do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 ser claro ao expor que "Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao" ICMS são "considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições", a legislação prevê expressamente que isenções, reduções de base de cálculo e alíquota e diferimento são espécies de incentivos passíveis de caracterizar subvenção para investimento.

Nesse sentido, é possível citar o conteúdo dos seguintes dispositivos legais: artigo 1º, caput e § único, I e IV da Lei Complementar nº 24/75; artigo 30, caput, da Lei nº 12.973/2014; artigo 523 do Regulamento do Imposto de Renda/ Decreto nº 9.580/2018.

Se não bastasse, verifica-se um comportamento até certo ponto contraditório do fisco federal, tendo em vista que em Soluções de Consulta já se reconheceu que isenções e reduções são espécies de benefícios fiscais passíveis de caracterizar subvenção para investimento. As referidas manifestações administrativas (como, por exemplo, SC Cosit nº 145 de 15 de dezembro de 2020; SC 3.007/SRRF03/Disit e SC Cosit nº 55 de 25 de março de 2021) ainda trouxeram orientações acerca da forma de contabilização desses benefícios, derrubando assim mais um dos argumentos que se sobrepuseram nos julgamentos ocorridos perante o TRF-4.

Ressalte-se, por um lado, que a SC Cosit 145/2020 faz expressa referência aos itens 38D e 38E do CPC07 [2] quando adentra na seara da contabilização dos benefícios subvencionados e que, por outro, na SC Cosit nº 55/2021 (especialmente em seus itens 18 a 22) a SRFB reforçou tal posicionamento ao prestar esclarecimentos ao contribuinte consulente. Em tais manifestações afastaram-se quaisquer dúvidas a respeito do cálculo e contabilização dessas espécies de benefícios fiscais, indicando-se a forma de apuração do montante passível de dedução da base de incidência do IRPJ e CSLL (carga máxima geral prevista na legislação x carga efetiva).

Logo, a caracterização de determinado benefício/incentivo fiscal de ICMS como subvenção para investimento decorre da lei e independe da técnica contábil por meio da qual o mesmo se exterioriza (mediante registro autônomo em conta gráfica, como ocorre com os créditos presumidos, ou diretamente na emissão do documento fiscal por conta da ocorrência do fato gerador, a exemplo da ausência de destaque [isenção] ou destaque a menor do imposto em determinada operação [redução de base ou alíquota]).

Para a fruição de tal benefício, portanto, basta ao contribuinte que promova a escrituração em reserva de lucros e o destine ao aumento de capital ou à absorção/redução de prejuízos. Esses são os únicos requisitos legais a que aludem o §4º e o caput do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

O Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) também já concluiu nesse sentido ao julgar os Processos Administrativos Fiscais de nº 13116.721486/2011-29 e n° 13971.722024/2014-91.

Já a alegada necessidade de sincronismo foi afastada pela recente decisão que julgou os embargos de declaração no REsp nº 1.968.755/PR, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, oportunidade em que a 2ª Turma do STJ, à unanimidade, assentou que "quando a Lei Complementar nº 160/2017 equiparou todos os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS (típicas subvenções de custeio ou recomposições de custos) a subvenções para investimento o fez justamente para afastar a necessidade de se comprovar que o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (conceito típico de subvenção de investimento). Não fosse isso, a equiparação legal feita pelo art. 30, §4º, da Lei n. 12.973/2014 (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017) seria inócua (…)".

Com efeito, o que deve ficar claro é que essas outras modalidades de benefícios fiscais se assemelham aos créditos presumidos naquilo que o C. STJ entendeu relevante: representam renúncia fiscal do Estado que atua como redutor de custo, não equivalendo a um ingresso de receita nova do contribuinte, capaz de refletir na base de incidência das exações federais incidentes sobre o lucro.

O que a legislação autoriza é a dedução do "efeito econômico/financeiro" decorrente da outorga do benefício, não havendo vinculação à sua estrutura normativa ou expressão contábil. Seria até mesmo ilógico supor a existência de diferença entre uma legislação estadual que concede crédito presumido e outra que concede isenção, redução de base de cálculo ou diferimento: o efeito prático, ao final, é idêntico, exteriorizando-se com a renúncia de parte do ICMS pelo Estado e a redução do custo operacional para o contribuinte, sem que isso represente riqueza nova capaz de se amoldar ao conceito de receita/renda.

Raciocínio diverso equivaleria à afirmação de que a dedução em questão somente poderia ocorrer a depender da estrutura normativa estadual escolhida para a outorga da desoneração tributária do ICMS, o que esvazia o próprio sentido da alteração legislativa no âmbito federal.

Consequentemente e porque taxativamente impõe o texto legal, o STJ deverá resolver o Tema 1.182 reconhecendo que isenção, redução de base e/ou alíquota e diferimento são modalidades de benefícios fiscais de ICMS que representam subvenções para investimento, cabendo ao contribuinte o direito de deduzi-las da base de incidência do IRPJ e CSLL desde que sejam registradas em reserva de lucros e utilizadas para absorção de prejuízo ou aumento de capital, na exata dimensão do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

 


[1] A título de exemplo: TRF-4 5081631-39.2018.4.04.7100, 1ª TURMA, relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 08/04/2021.; TRF4 5000646-94.2020.4.04.7203, 2ª TURMA, relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 4/3/2021.

[2] Comitê de Pronunciamentos Contábeis, criado pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade de nº 1.055/05, e tem como objetivo o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza

Autores

  • Brave

    é advogado nas áreas de Direito Tributário e Civil. Responsável pela condução dos processos citados no texto (REsp´s 1.945.110 e 2.010.095), é graduado em Direito na Universidade Paranaense (2004) e pós-graduado em Direito Tributário Idap-PUC/SP (2006).

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