"Meia verdade"

Desembargador que recebeu salário 2 vezes processa Anuário e vence no TJ-RJ

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1 de abril de 2023, 14h03

A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu manter uma condenação contra a Dublê Editorial, responsável pelas publicações da ConJur e do Anuário da Justiça, por uma nota envolvendo o desembargador Marcello Ferreira de Souza Granado, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 

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Anuário da Justiça do Rio de Janeiro 2018Divulgação

Por um erro do tribunal, Granado recebeu o salário de fevereiro de 2015 em dobro e conseguiu com um colega uma liminar para não precisar devolver o que recebeu a mais. A informação foi publicada no perfil do juiz no Anuário da Justiça do Rio de Janeiro 2018. "Ao perceber o erro, o tribunal abriu um procedimento e requereu a devolução dos recursos em parcelas mensais correspondentes a 10% do salário de desembargador até completar a soma do valor devido", publicou-se. 

Na decisão desta semana, o relator Paulo Wunder de Alencar criticou o Anuário e defendeu o colega. Para ele, notícias não devem narrar parte de um acontecimento. O texto deveria ter explicado que Marcello Granado "acreditou" que o valor superior recebido em 2015 não era referente ao salário, mas ao pagamento da parcela autônoma de equivalência (PAE), que garantiu a servidores da administração pública direta a equivalência de benefícios recebidos por membros do Congresso, dos ministérios de Estado e do Supremo Tribunal Federal.

Outra queixa de Marcello foi a de que o Anuário publicou sua foto, durante julgamento, sem sua autorização. O relator concordou com a tese e enfatizou que a exposição do colega teve fins comerciais e não jornalísticos.

A decisão foi unânime. Paulo Wunder foi acompanhado pela desembargadora Mônica Maria Costa di Piero e pelo desembargador Marcelo Lima Buhatem. A Dublê Editorial vai recorrer da decisão.

A Turma afirmou que o Anuário "omitiu" que o desembargador do TRF-2 "possuía créditos a receber" referentes ao PAE — como se a informação fosse conflitante com o fato de que o magistrado recebeu duas vezes em fevereiro de 2015 — e que o juiz foi ao Judiciário não contra o ressarcimento, mas contra a determinação de que devolvesse o valor bruto do salário, e não o valor líquido. Segundo o tribunal, as "omissões" deram à nota não o status de "falsa", mas de "meia verdade". 

"Não se autoriza a publicação da chamada 'meia verdade', a qual consiste em afirmação que não é falsa, mas em que se oculta alguma parte da informação, a qual mudaria o contexto da reportagem e, consequentemente, a interpretação pelo leitor", disse o relator no voto, recorrendo a um julgamento do Superior Tribunal de Justiça de 1995 para servir como precedente. 

Ainda segundo a decisão, a curta nota referente ao caso publicada no Anuário da Justiça causou "um estado coletivo de apreensão e ansiedade" que poderia ter sido sanado se o texto não "omitisse", por exemplo, que o desembargador do TRF-2 acreditava que o valor recebido não era referente ao salário. 

Para o relator, jornalistas não devem selecionar informações, parte essencial e cotidiana da atuação de quem comunica, mas sim narrar tudo que envolva um caso. Se a moda pegasse, todas as colunas do país deixariam de existir. 

A decisão chega a criticar o fato de que o texto conta, de forma resumida, a trajetória do desembargador, em vez de apresentar uma "biografia completa" sobre o juiz.

"Trata-se do aproveitamento deliberado sobre um curtíssimo espaço para a apresentação de um breve currículo. Não foi uma biografia completa, com espaço amplo para explorar tanto a carreira como o fato narrado na matéria em maior profundidade.  Isso torna ainda mais claro o abuso jornalístico, pois a discricionariedade da escolha sobre o que inserir em poucas linhas e o enfoque a ser dado a esse conteúdo fica muito evidente, soando como uma provocação implícita", diz o relator. 

A Turma considerou também que a publicação da foto de Marcello Granado dependeria da sua autorização, mesmo considerando ser ele uma figura pública em um ato público. Para os juízes, o perfil publicado não tem fins jornalísticos, mas "comerciais". "Ainda que se cuidasse de foto retirada de acervo público, em momento de exposição pública do fotografado e no exercício de sua atividade também pública, seria necessária a autorização para sua divulgação, eis que utilizada para fins comerciais e não jornalísticos." 

Clique aqui para ler a decisão do TJ-RJ
0141670-57.2019.8.19.0001 

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