Opinião

Aspectos tributários envolvendo contratos de franquia

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30 de setembro de 2022, 17h06

Durante as últimas décadas, Fisco e contribuintes travaram disputas relevantes acerca da possibilidade de tributação de atividades de acordo com a segregação do núcleo dessas atividades em 1) obrigação de fazer, atraindo a incidência tributos sobre serviços (notadamente de ISS, PIS e Cofins); e 2) obrigação de dar, que não poderia ser caracterizada como prestação de serviço para incidência dos respectivos tributos.

Com os contratos de franquia, a disputa não foi diferente e, em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 603.136/RJ — Tema nº 300  e fixou a tese de que "é constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia (franchising) (itens 10.04 e 17.08 da lista de serviços prevista no Anexo da Lei Complementar 116/2003)".

O voto vencedor, proferido pelo ministro Gilmar Mendes, destacou que os contratos de franquia são contratos de natureza híbrida, complexa e eclética, considerando a definição desses contratos prevista na Antiga Lei de Franquias (Lei nº 8.955/94) e na Nova Lei de Franquias (Lei nº 13.966/19). Assim, considerando a definição constitucional de serviço para fins de incidência do ISS, bem como precedentes da própria Corte (como no caso da locação de bens móveis, em que foi afastada a incidência do ISS e deu respaldo à Súmula Vinculante nº 31, e das operadoras de planos de saúde, em que foi reconhecida a incidência do imposto), o entendimento majoritário foi no sentido de que é possível a incidência do ISS sobre atividades que representem obrigações de fazer e obrigações mistas, como seria o caso dos contratos de franquia.

A partir dessa decisão, duas foram as principais críticas ao entendimento pela incidência do ISS. A primeira, no sentido de que o novo precedente traria uma ruptura no entendimento já manifestado pela Corte em outros casos (na linha da Súmula Vinculante nº 31) e, a segunda, no sentido de que não teria sido respeitado o princípio da legalidade, especialmente porque no final do voto o ministro menciona que admitir a não incidência do ISS seria permitir uma situação de "vazio tributário", visto que a atividade já não pode ser tributada pelo ICMS.

Apesar disso, é importante considerar que o STF vem, há algum tempo, utilizando o raciocínio acima ao analisar a possibilidade de incidência do ISS sobre atividades relativas a contratos híbridos, criando uma distinção com relação às atividades que apresentam pura obrigação de dar (a exemplo dos precedentes citados na decisão, como o Agravo Regimental na Reclamação nº 14.290, relativo à análise de contratos mistos de locação de maquinário com operadores, do RE nº 651.703, relativo às atividades das operadoras de planos de saúde e do RE nº 592.905, às operações de leasing financeiro). O fundamento apresentado quanto à situação de "vazio tributário", nesse contexto, deu-se como um reforço ao exposto acima.

As partes e os interessados já apresentaram embargos de declaração com a intenção de questionar os dois pontos mencionados acima e obter a modulação de efeitos da decisão. Entretanto, o STF rejeitou os embargos apresentados e decidiu pela inadequação da modulação de efeitos neste caso, de modo que outras instâncias do Poder Judiciário já poderiam aplicar essa decisão, ressalvadas as particularidades da atividade/dos contratos, que devem ser consideradas em cada caso concreto.

Independentemente dos cuidados necessários à aplicação do precedente e da possibilidade de eventual revisão dessa decisão pelo próprio STF, é importante que sejam analisados os impactos nos casos individuais específicos, bem como a reunião de esforços do setor, como já vem sendo feito, para obtenção de parcelamentos e anistias junto aos Municípios, redução de alíquotas, entre outras medidas para mitigar os altos prejuízos econômicos dessa decisão.

Outro ponto importante é que essa decisão decorre, exclusivamente, da interpretação do STF quanto ao conceito de "serviços de qualquer natureza […] definidos em lei complementar" previsto no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal (CF). Seu intuito é o de conferir ao legislador certa liberdade para listar determinadas atividades na Lista de Serviços do ISS quando for possível extrair delas algum serviço como elemento para determinar a tributação.

Na prática, portanto, a decisão do STF não faz com que esses contratos se tornem contratos de serviços para todos os fins que sejam analisados. Isso, porque, sob a perspectiva federal de contratos internacionais, por exemplo, as remessas ao exterior podem estar sujeitas ao Imposto de Renda, Cide, PIS/Cofins-Importação, entre outros, que não devem incidir indistintamente sobre o valor total do contrato, como foi determinado para o ISS.

A esse respeito, vale citar a Solução de Consulta (SC) Cosit nº 480, de 25.09.2017, que entendeu que os royalties pagos pela cessão de direito de uso e transferência de know-how em contratos de franquia caracterizam típicas obrigações de dar, de modo que não se confundem com a prestação de serviços e, assim, não estão sujeitas à incidência de PIS/Cofins-Importação. Essa SC menciona, ainda, que, caso o contrato contenha a prestação de serviços como assistência técnica ou outros relacionados, a tributação como serviços deve ocorrer apenas com relação a essa parcela. Vale ressaltar que esse entendimento não foi revogado pelas autoridades fiscais federais após o julgamento do STF.

Em outra oportunidade, mais recente, as autoridades fiscais federais reiteraram o entendimento de que os contratos de franquia não envolvem a prestação de serviços ao se manifestarem pela impossibilidade de tratar os dispêndios a título de royalties como insumos para fins de creditamento de PIS e Cofins, visto que não seriam considerados decorrentes da aquisição de bens ou serviços (SC Cosit nº 116, de 16.07.2021).

Dessa forma, em que pese a decisão do STF acerca da incidência do ISS sobre contratos de franquia, a natureza dessa atividade ainda deve ser considerada (e poderá ser debatida) fora do contexto do imposto municipal para que sejam definidas as bases tributáveis. Por ora, prevalece o entendimento de que a parcela de prestação de serviços nos contratos de franquia, quando existentes, são consideradas como atividades-meio que não afetam o núcleo principal da contratação.

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