Opinião

Suspensão cautelar das obrigações da concessão por inviabilidade superveniente

Autor

  • Bruno Guimarães Bianchi

    é advogado e sócio da área de Infraestrutura e Regulatório da Braz Coelho Campos Véras Lessa e Bueno Advogados mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

30 de setembro de 2022, 19h35

Projetos de infraestrutura, sobretudo aqueles que se encontram em estágio inicial ("green field"), muitas vezes encontram dificuldades desde o seu nascedouro. No contexto brasileiro, torna-se ainda mais desafiador a implantação de tais projetos, a se verificar, com certa frequência, as disfuncionalidades na atuação dos agentes envolvidos (públicos e privados, diga-se). Não raramente se vê empreendimento levado a diante que, em determinado momento, encontra óbices por falhas de projeto, ou ainda atraso no cumprimento dos marcos de cronograma físico previsto.

Tratando especificamente dos projetos de infraestrutura que são submetidos ao regime do Direito das Concessões (Lei nº 8.987/95, Lei 11.079/04, dentre outras leis setoriais), é cediço que, para além da participação em certame para obtenção da outorga, o empreendedor deve superar diversos desafios que, se não enfrentados adequadamente, podem acarretar a inviabilização de todo o projeto em si.

Em se tratando de projetos concessórios precedidos de obra, nos quais é preciso que o Concessionário construa determinado ativo e não meramente proceda com sua operação e manutenção, pode-se tomar como exemplo o necessário rito para licenciamento socioambiental do empreendimento. Em projetos lineares  como é o caso das ferrovias, rodovias e linhas de transmissão, por exemplo  há que se destacar, também, os próprios entraves fundiários, na medida em que o ativo deverá cruzar diversas propriedades  públicas e privadas  em diversas unidades federativas.

Questão de especial relevância diz respeito a situações nas quais, por razões alheias a vontade do Concessionário, o projeto é inviabilizado de forma superveniente e sem que seja possível, em lapso temporal razoável, superar tal cenário. O exemplo clássico é o caso de indeferimento de determinada licença ou autorização ambiental, assim como de decisão judicial irrecorrível que venha a cancelar eventuais licenças emitidas. Estas situações, evidentemente, não são passíveis de resolução mediante recomposição de prazo de outorga ou ainda outras formas de reequilíbrio econômico-financeiro contratual.

Para que se dê uma resposta eficaz para tais problemas, parece evidente que se deve seguir pelo caminho da rescisão do contrato de concessão, em decorrência de atos praticados pelo Poder Público. Logo, o impedimento ao desenvolvimento do projeto por culpa da própria administração pública justificará a rescisão da concessão. A situação poderá ser enquadrada na hipótese do artigo 78, XVI, da Lei nº 8.666/93, tendo em vista a não liberação da área por parte dos órgãos ambientais para implantação do empreendimento. Também pode ser enquadrado enquanto ocorrência de caso fortuito ou de força maior, impeditiva de execução do contrato (artigo 78, XVII, Lei nº 8.666/93).

Assim, seja por iniciativa da agência reguladora competente, seja por iniciativa do empreendedor, deverá ser conduzido procedimento administrativo para se verificar o enquadramento da situação, de forma a se proceder com a rescisão amigável do contrato de concessão subjacente  evidentemente que sem quais penalidades ao Concessionário. Caberá à agência reguladora apreciar a questão e, estando configurada a hipótese de inviabilidade total do projeto, submeter a recomendação de rescisão do contrato de concessão ao Poder Concedente  usualmente, Ministério de Estado vinculado à área do projeto.

Evidentemente, a tramitação deste processo administrativo demandará tempo. Tanto para apreciação técnica e jurídica da questão, como até mesmo para arbitramento de indenização em favor do particular (artigo 79, §2º, Lei nº 8.666/93). Não obstante, fato é que o cronograma físico previsto no âmbito do contrato de concessão estará vigente neste ínterim, de forma que, em tese, o Concessionário permanecerá sujeito ao cumprimento de diversas obrigações que, a bem da verdade, terão o condão apenas de agravar o seu prejuízo com o projeto.

Quando for evidente a inviabilização do projeto, para que se evite novos prejuízos, é necessário que a eficácia do contrato de concessão seja suspensa. Isso é possível, inclusive, em sede de decisão cautelar por parte da agência reguladora competente. O fundamento está no poder geral de cautela, que rege a atuação administrativa, conforme previsto no artigo 45 da Lei nº 9.784/1999. Via de regra, para concessão de cautelares, as agências reguladoras tomam os requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC) como parâmetro.

Geralmente, o perigo de dano irreparável iminente residirá no fato de que, em não se suspendendo as obrigações contratuais, é certo que o Concessionário terá de dispender vultosos recursos para manutenção do projeto que se mostrou inviável. Isso seria absolutamente desarrazoado, podendo causar danos irreversíveis ao concessionário.

Como é de conhecimento, em projetos de diversos setores, exige-se, com base na Lei de Licitações, a manutenção de vigência da garantia de fiel de cumprimento da concessão. Exigir do concessionário que mantenha vigente a garantia de fiel cumprimento de contrato, que inequivocamente será rescindido por conta de atos estatais imprevisíveis e inesperados, não comporta o menor sentido.

Até porque, caso assim exija o Poder Concedente, tal valor deverá constar do somatório atinente à indenização a ser paga ao concessionário pela inviabilização da concessão. Por consequência, tal prejuízo acabará redirecionado ao próprio Poder Público.

Quando flagrante a inviabilidade do projeto for evidente, a suspensão das obrigações contratuais é uma medida que mitiga os prejuízos suportados pelo Concessionário  e, ao fim e ao cabo, reduz a indenização a ser paga pelo Estado em vista da inviabilização do projeto. Trata-se de medida de boa-fé objetiva (artigo 422, Código Civil), à luz da aplicação do preceito de dever de mitigação de danos (duty to mitigate the loss).

Frise-se, neste ponto, que a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) prevê tão somente a impossibilidade de que os serviços prestados não podem ser interrompidos, até a decisão judicial transitada em julgado (artigo 39, parágrafo único). Em projetos green field, é evidente que tal disposição se mostra inaplicável, na medida em que se trata de projeto novo e, portanto, sequer se pode falar em interrupção de prestação de serviços.

Tomando-se como exemplo o caso da geração de energia, é totalmente desarrazoado determinar que, enquanto perdura o processo administrativo para análise da rescisão do contrato de concessão, o Concessionário tenha de realizar hedge de energia para suprimento dos Contratos de Comercialização de Energia celebrados.

O concessionário celebrado o contrato na justa expectativa de que, além da justa remuneração, o Poder Concedente também atue à luz da premissa de boa-fé objetiva na execução contratual. Neste cenário, é evidente que, inviabilizado o projeto, a mitigação dos prejuízos suportados pelo particular é um imperativo, podendo se tomar esta medida, inclusive, mediante a concessão de cautelar determinando a suspensão das obrigações contratuais.

Autores

  • é advogado e sócio da área de Infraestrutura e Regulatório da Braz, Coelho, Campos, Véras, Lessa e Bueno Advogados, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

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