Opinião

Piso da enfermagem: a melhor solução para o impasse é a negociação

Autores

  • Rafael Grassi P. Ferreira

    é sócio do escritório TPC Advogados mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC-MG) MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) especialista em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ) e em Direito de Empresa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

  • Felipe Cunha Pinto Rabelo

    é advogado especialista em Direito do Trabalho mestre em direito sócio do escritório TPC Advogados.

29 de setembro de 2022, 13h04

Durante a pandemia da Covid-19, os profissionais de saúde foram muito exigidos e são louváveis as iniciativas que buscam, de alguma forma, recompensá-los.

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A Emenda Constitucional nº 124, de julho de 2022 e a Lei nº 14.434, de agosto de 2022, foram respostas do parlamento brasileiro aos anseios dos profissionais de enfermagem, fixando piso salarial de R$ 4.750 para os enfermeiros, de R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e de R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. A nova lei também determinou a correção anual do piso salarial pelo INPC (esta parte foi vetada pelo presidente da República) e proibiu a alteração do piso salarial por acordos individuais ou negociações sindicais.

Entretanto, a polêmica a respeito do tema não terminou por aí. Em 4/9/2022, o ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pela Confederação Nacional da Saúde (CN-Saúde), concedeu medida cautelar para suspender a vigência da Lei.

O ministro Barroso justificou a suspensão da lei na necessidade de se obter esclarecimentos sobre os efeitos da Lei nº 14.434/2022 a respeito (1) da situação financeira de estados e municípios; (2) da empregabilidade e risco de demissão em massa de profissionais da saúde; e (3) risco de fechamento de leitos com a redução nos quadros de enfermeiros e técnicos.

Para os esclarecimentos solicitados foi concedido prazo de 60 dias aos ministérios da Economia e da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e Federação Brasileira de Hospitais.

Além dos motivos citados acima, ainda se discute na ADI movida pela CN-Saúde a possível invasão de competência privativa do presidente da República, ofensa à autonomia orçamentária dos entes federativos e ausência de apontamento de fontes de custeio para suportar o aumento do piso salarial.

A Presidência da República, o procurador-geral da República, a Câmara dos Deputados e o Senado manifestaram-se nos autos da ADI pedindo a improcedência da ação e a revogação da cautelar para que, dessa forma, os pisos possam ser imediatamente aplicados.

Entretanto, o STF decidiu, através de sua composição plena (por maioria de votos: 7 a 4), que a lei deverá continuar suspensa até que os estudos solicitados pelo ministro Barroso sejam encaminhados ao tribunal.

Há argumentos dos profissionais de enfermagem no sentido de manter o piso salarial da nova lei. Por outro lado, também são relevantes os argumentos econômicos, de risco de inviabilidade das atividades hospitalares, principalmente de hospitais beneficentes, hospitais públicos e instituições particulares situadas em localidades de baixo poder aquisitivo.

Mas qual seria a solução para esse impasse de ideias e interesses?

A melhor solução, que parece largada a um plano inferior, seria delegar a discussão de eventual flexibilização à negociação coletiva entre os sindicatos de trabalhadores e empresas. Para analisar essa viabilidade é preciso atentar para as disposições da Constituição. À primeira vista parece que uma negociação coletiva que reduza o piso salarial definido por lei seria inconstitucional porque o artigo 7º, inciso V, estabelece que os trabalhadores têm direito a um "piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho", de maneira que não seria possível negociar algo inferior ao que já é "piso".

Mas a análise do artigo 7º, inciso V, em conjunto com outros dispositivos constitucionais, nos leva a uma conclusão oposta.

Em primeiro lugar, é notável a diferença entre os dispositivos constitucionais que tratam do piso salarial (inciso V) e do salário mínimo (inciso IV). Ao tratar do salário mínimo a Constituição prevê que ele deve ser nacional e unificado. Não havendo tais exigências para o piso salarial ficaram abertas as possibilidades de fixação do piso de forma adequada às condições regionais e de acordo com as negociações sindicais.

Em segundo lugar, o dispositivo do piso salarial deve ser interpretado em harmonia com os incisos VI e XXVI, do mesmo artigo 7º, que preveem "a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo" e o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho".

Em terceiro lugar, o dispositivo sobre o piso salarial deve ser interpretado em respeito ao artigo 8º, inciso III, da Constituição, que estabelece que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas". Aliás, inúmeras categorias profissionais tais como bancários, ferroviários, metalúrgicos, mineiros, não têm pisos salariais definidos em lei, mas em negociações coletivas.

Portanto, nossa opinião é pela inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei 14.434/2022, que inadequadamente excluiu a possibilidade de negociação coletiva de trabalho a respeito do piso salarial da categoria. Os acordos e convenções coletivas de trabalho além de serem uma garantia constitucional, preservam peculiares regionais e podem afastar os riscos econômicos e estruturais apontados pelo ministro Barroso.

Afinal, a fonte original dos direitos trabalhistas não são as leis nem as decisões judiciais, mas a negociação direta entre as organizações de trabalhadores e as empresas, o que tem sido preservado pela Constituição da República do Brasil e das nações democráticas em geral.

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    é sócio do escritório TPC Advogados, mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC-MG), MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), especialista em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ) e em Direito de Empresa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

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    é mestre em Direito e sócio do TPC Advogados.

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