Opinião

Contratos digitais e suas validades

Autor

  • Bruno Santos Espindola

    é advogado especialista em Direito Processual Civil pela Unisul em Direito Imobiliário pela Cesusc e em Direito Empresarial & Societário pela Ebradi procurador dativo no TJ-SC e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Direito Processual Civil OAB/SC e da Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (Acat).

29 de setembro de 2022, 16h02

Não é novidade que os contratos digitais ocupam grande parte da instrumentalização formal dos negócios atuais. Com a pandemia, a aceleração pela celebração prática, ágil e sem a necessidade da presença física ou do reconhecimento de firma em alguns documentos tornou a modalidade indispensável, afinal o contrato digital ou eletrônico cumpre os requisitos simples do artigo 104 do Código Civil:

"Artigo 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz,
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou defesa em lei;."

Perceba que não existe vedação sobre contratos eletrônicos, digitais, tokenizações ou sequer aqueles assinados em tele de dispositivos eletrônicos, aliás a própria legislação civilista já deixa absolutamente clara a possibilidade:

"Artigo 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Artigo 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão."

Nesse contexto, fica absolutamente claro que não existe vedação ao uso das modalidades digitais e eletrônicas, contrário ao que é encontrado, em alguns magistrados de primeiro grau uma vez que, discutem a necessidade ou não do certificado pelo ICP Brasil.

"EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Contrato de Locação residencial firmado no dia 12 de dezembro de 2017. Contratação firmada por meio eletrônico, com assinatura digital dos contratantes e de duas testemunhas. Descumprimento da emenda à inicial determinada para apresentação do instrumento contratual devidamente assinado. SENTENÇA de extinção, com fundamento nos artigos 485, inciso I, 771, parágrafo único, e 801, todos do Código de Processo Civil. APELAÇÃO do autor, que visa à anulação da sentença, com o retorno dos autos à Vara de origem para o regular prosseguimento do feito, sob a argumentação de que as assinaturas digitais constantes do contrato locatício são válidas e conferem a ele força de título executivo extrajudicial. EXAME: Entidade certificadora 'DocYouSign', responsável pela certificação das assinaturas digitais do contrato em causa, que foi descredenciada perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil, no dia 18 de julho de 2017, nos autos do Processo 99990.000447/2017-97, mais de cinco meses antes de as partes firmarem a relação locatícia em questão. Ausência de comprovação da autenticidade das assinaturas digitais imputadas ao locador autor, à locatária requerida e às testemunhas indicadas que retira a cogitada força executiva do contrato. Aplicação do artigo 783 do Código de Processo Civil. Orientação traçada pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1495920/DF. Processo que estava mesmo fadado à extinção. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO."

Veja, a legislação civilista em nenhum momento aduz a requisição por um certificado eletrônico, todavia, a discussão começou com a MP 2200-2 de 2001 uma vez que em muitos documentos inexiste a cláusula de aceite sobre assinaturas simples ou digitais, a teor do parágrafo segundo:

"Artigo 10.  Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§1 As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do artigo 131 da Lei nº 3.071, de 1o de janeiro de 1916  Código Civil.
§2  O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento."

Assim passou a existir duas vertentes: 1) contratos com presunção de validade assinados digitalmente por certificado ICP Brasil; 2) contratos assinados digitalmente pelas partes quando admitidos e aceitos em cláusula contratual de assinatura digital.

Para deixar absolutamente cristalino, vale lembrar que existem 2 tipos de assinaturas eletrônicas na ótica da Lei 14063/2020:

"Artigo 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I – assinatura eletrônica simples:
a) a que permite identificar o seu signatário;
b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:
a) está associada ao signatário de maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do §1º do artigo 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001."

A grande discussão sobre a validade das assinaturas eletrônicas/digitais desacompanhadas de certificados ICP Brasil consiste de ausência de outros elementos que possam legitimar aquela assinatura, como "selfie" do signatário, cópia do documento identidade ou dados de telefone e-mail. Entenda que o requisito da alínea "a", inciso II do artigo 4 da Lei 14063/2020 é absoluto, tornando inviável a apresentação de documentos digitais sem o "rastro digital" do signatário.

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ARTIGO 585, INCISO II, DO CPC/73 (ARTIGO 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. STJ 3ª Turma  Resp nº1495920  DF relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino   J. 15/05/2018."
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL DECISÃO QUE DETERMINOU EMENDA À INICIAL PARA ADAPTAR PROCEDIMENTO AO RITO COMUM, POIS ASSINATURAS DOS DOCUMENTOS NÃO ESTARIAM CERTIFICADAS POR ENTIDADE CREDENCIADA À ICPBRASIL CRITÉRIOS DO ARTIGO 10 E PARÁGRAFOS DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.200-2/2001 PRESUNÇÃO DE VERACIDADE QUANDO UTILIZADA CERTIFICAÇÃO MENCIONADA AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO QUANTO A OUTROS MEIOS DE ASSINATURA DIGITAL, DESDE QUE ADMITIDOS PELAS PARTES OU ACEITOS PELA PESSOA A QUEM OPOSTO O DOCUMENTO PERMISSÃO APLICÁVEL EM CHEIO AO CASO EM APREÇO RESSALVA EM CONSONÂNCIA COM DEMAIS ELEMENTOS DOS AUTOS EM AFERIÇÃO PERFUNCTÓRIA AUTORIZADA PELO LIMIAR MOMENTO PROCESSUAL LETRA DO ARTIGO 784, III, DO DIPLOMA PROCESSUAL QUE TAMBÉM NÃO PRESCREVE EXIGÊNCIAS FORMAIS ESPECIAIS DISCUSSÃO SOBRE VÍCIOS DESSA ORDEM RESERVADA A MOMENTO OPORTUNO MEDIANTE PROVOCAÇÃO DA PARTE INTERESSADA PREMATURA EMENDA EXARADA, IMPERIOSA REFORMA PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO ATÉ QUE 2/6 EVENTUAIS OBJEÇÕES, SE OFERTADAS, RECEBAM OPORTUNO EXAME RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO". (TJSP. 31 Câm. AI 2132753-86.2020.8.26.0000. Relator Francisco Casconi. j. 04.08.2020).
"EXECUÇÃO Título extrajudicial Contrato de compra e venda de soja assinado pelas contratantes e duas testemunhas Determinação de emenda da inicial para a comprovação da regularidade das assinaturas eletrônicas apostas na procuração e no contrato Desnecessidade Documentos assinados por meio da plataforma DOCUSIGN que possuem validade, nos termos do artigo 10, parágrafo 2º, da MP nº 2.200-2/2001 Autenticidade, além disso, que poderá ser impugnada pela parte contrária, quando do seu ingresso nos autos Agravo de instrumento provido". (TJSP. Agravo de Instrumento 2207406-25.2021.8.26.0000; relator (a): Sá Duarte; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível
 36ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/09/2021; Data de Registro: 15/09/2021).

Logo é perceptível que decisões as quais não avaliem outros meios fidedignos que adequação dos documentos digitais são, totalmente, combatíveis para majoritária jurisprudência e doutrina, todavia á que se ressaltar a necessidade de sim, acompanhar o instrumento digital quando não certificado , por algum lastro digital possível dos signatários.

Vale lembrar que o diálogo com o Judiciário é o único caminho possível para buscar senão a mais solene, mas justa adequação do direito positivo aplicado na origem. Torna-se absolutamente temerária e prestação jurisdicional de maneira arrazoada e infundada, gerando não apenas insegurança jurídica, mas, consequentemente, alotando tribunais com questões de simples resolução.

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  • é advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Unisul, em Direito Imobiliário pela Cesusc e em Direito Empresarial & Societário pela Ebradi, procurador dativo no TJ-SC e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Direito Processual Civil OAB/SC e da Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (Acat).

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