Processo kafkaniano

STF tranca ação penal porque provas foram destruídas e laudo estava inepto

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28 de setembro de 2022, 12h23

A destruição de provas impossibilita o controle da validade da prova produzida, tanto para a admissão da acusação quanto para o exercício do direito de defesa ou o julgamento da ação penal. Foi com esse entendimento que, por unanimidade, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus e trancou uma ação penal contra comerciante carioca.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Relator da ação, ministro Gilmar Mendes compreendeu que a ausência de provas e de registro nos laudos tornou a ação inepta Fellipe Sampaio/SCO/STF

O comerciante foi denunciado por vender ou ter em depósito produtos impróprios para consumo (crime previsto no art. 7º, IX, da Lei 8.137/1990). Ele era acusado de ter em seu estabelecimento 280 isqueiros supostamente impróprios para consumo expostos à venda em sua loja, localizada na região central do Rio de Janeiro, os quais foram apreendidos.

De acordo com os autos, "foi lavrado laudo de exame de material, o qual consignou que 'os isqueiros ostentam selo do Inmetro falsificado', não se aduzindo contudo quais elementos seriam falsos (número de série, cor, tamanho, etc.), nem acostando imagens dos supostos selos falsificados".

Esse primeiro laudo foi complementado a pedido do Ministério Público, o que resultou na segunda prova pericial levada ao processo, a qual descreve que "os isqueiros não ostentam selo genuíno do Inmetro, o que caracteriza não terem passado por testes de segurança, tornando-os assim impróprios para o consumo".

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou pelo trancamento da ação penal, e pela concessão da ordem de habeas corpus. Conforme seu entendimento, a denúncia está inepta, pois não oferece descrição específica, concreta e efetiva da conduta delituosa cometida pelo paciente. Segundo o relator, não foi esclarecido como os isqueiros poderiam trazer danos aos consumidores, nem teria sido descrito em que consistiria a falsidade do selo do Inmetro.

Gilmar ainda destacou que a perícia não fez qualquer teste de segurança nos isqueiros, nem registrou imagens dos selos do Inmetro, o que reforça ausência de justa causa para a deflagração e a manutenção da ação penal. Além disso, com a destruição dos produtos, foi inviabilizado a contraprova, prejudicando a defesa do paciente.

"Acresça-se que a defesa afirma ter apresentado a nota fiscal dos isqueiros apreendidos, bem como o registro da fabricante dos produtos no Inmetro, o que reforçaria a conclusão pela ausência de justa causa", afirmou o ministro.

"Na situação sob exame, a não realização de uma rigorosa análise da admissão formal e material da acusação representa, por si só, uma grave ameaça e ofensa à liberdade individual e à dignidade do paciente. Aliás, ninguém garante que uma ação instaurada e admitida com tantos vícios, um verdadeiro processo kafkaniano, não vai resultar em uma condenação injusta", finalizou Gilmar.

Nunes Marques, Luiz Edson Fachin, Ricardo Lewandoski e André Mendonça acompanharam o relator. Assim, a Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de Habeas Corpus confirmando a liminar anteriormente deferida, e determinou o trancamento definitivo da ação penal, tendo em vista a ausência de justa causa e a impossibilidade de desenvolvimento válido do processo.

HC 214.908

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