Opinião

Posse e porte de arma de fogo: direito condicionado de todo brasileiro

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

28 de setembro de 2022, 21h29

O Estatuto do Desarmamento foi criado com o propósito de controlar a circulação de armas de fogo no território nacional e diminuir a quantidade de crimes violentos em que há seu emprego, principalmente os homicídios e roubos, além de possibilitar a prisão de assaltantes e outros marginais antes da prática do delito.

O diploma legal, além de regulamentar a posse, o porte e o comércio de armas de fogo, acessórios e munições no território nacional, criou uma série de crimes com o escopo de dar efetividade às suas normas, punindo rigorosamente determinadas condutas graves.

Os tipos penais previstos tutelam a incolumidade pública. Esta pode ser definida como a segurança da sociedade como um todo em face do dano que as pessoas possam sofrer contra seus bens juridicamente protegidos (vida, patrimônio, integridade física etc.).

Com os tipos penais contidos na lei, o legislador pretendeu antecipar-se e punir crimes antes que eles ocorram.

Devido às regras de experiência comum, sabe-se que armas de fogo são instrumentos perigosos quando possuídos ou portados por quem não está habilitado ou preparado para tê-los.

Dessa forma, punindo-se aqueles que possuem ou portam armas de fogo irregular ou ilegalmente, o legislador teve por escopo proteger, mesmo que de forma indireta, os cidadãos contra danos que possam eventualmente advir em decorrência da posse ou porte irregular ou ilegal deste objeto.

Arma de fogo não é brinquedo. Para que alguém possa possui-la ou portá-la deve ter capacidade técnica e aptidão psicológica para seu manuseio, ou seja, não perder a cabeça e empregar a arma inadvertidamente.

Uma coisa é possuir a arma de fogo em casa ou local de trabalho (quando for titular ou responsável pela do estabelecimento ou empresa), outra é portá-la, isto é, estar com ela fora desses locais.

A lei permite as duas hipóteses; no entanto, a obtenção do porte para o cidadão comum é bem mais difícil, uma vez que há mais requisitos a serem preenchidos. Para tanto, além dos requisitos necessários para possuir arma de fogo, o pretendente deve demonstrar a efetiva necessidade do seu porte por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.

Sempre defendi o direito de as pessoas possuírem arma de fogo em suas casas para defesa pessoal. Neste caso, notadamente para quem reside em área rural, local ermo ou perigoso, possuir arma de fogo pode ser essencial em eventual ataque contra si ou sua família. O marginal é que, na maioria das vezes, será surpreendido com a reação da vítima, que estará em situação vantajosa.

Por outro lado, sou contra a flexibilização do porte de arma de fogo pelo simples motivo de que pouco adianta para defesa pessoal. Na imensa maioria das vezes o marginal surpreende sua vítima, que não terá condições de empregar a arma de forma segura para ela e outras pessoas que estejam próximas. O risco de ser alvejado ou de outra forma ferido, ou mesmo morto pelo marginal ou seu comparsa, é enorme. Do mesmo modo, no caso de reação, outras pessoas podem vir a ser baleadas em eventual troca de tiros, erro na pontaria ou por “bala perdida”. Nesta hipótese, é o marginal que, na maioria das vezes, surpreende a vítima, que se encontra em desvantagem.

Isso sem falar que, pela natureza humana, em razão de uma banal discussão ou outro fato análogo, aquele que não tiver o controle emocional necessário pode fazer uma grande besteira com sérias consequências para ele e/ou para outrem.

Contudo, a imensa maioria dos crimes em que há o emprego de arma de fogo é cometida com armas ilegais, normalmente contrabandeadas ou obtidas por algum outro meio criminoso, como furto ou roubo delas.

É direito do cidadão previsto em lei possuir (em sua residência ou trabalho) ou portar arma de fogo. Para tanto, há requisitos legais que devem ser observados, dentre eles não ostentar antecedentes criminais e se submeter a teste de capacitação técnica para manuseio de arma de fogo e de aptidão psicológica para possuí-la ou portá-la. O teste de aptidão psicológica é bem complicado, aliás, e comumente constata algum tipo de problema comportamental, que impede o candidato de possuir ou mesmo portar arma de fogo.

Não é proibindo ou dificultando a posse ou o porte de arma de fogo que serão reduzidos ou impedidos crimes com o emprego dela, pois, como já dito, eles, na imensa maioria das vezes, são praticados com armas ilegais, que não se adquire no comércio regular.

Ademais, aquele que quer matar ou lesionar pode muito bem empregar outra espécie de arma (própria ou imprópria), como faca, machado ou mesmo pedaço de pau, sem contar, ainda, os meios insidiosos, como veneno.

Lembro que o Estatuto do Desarmamento, por mandamento da própria lei, é regulamentado por decreto presidencial, que não pode invadir esfera reservada à legislação. Entretanto, se a própria lei confere ao presidente da República o dever de regulamentar a legislação, é lícito fazê-lo da forma como entender conveniente e adequado, desde que não invada esfera reservada à legislação e nem contrarie norma legal.

Há na própria Constituição previsão de decreto legislativo, instrumento próprio editado pelo Poder Legislativo, que pode ser empregado para sustar decreto presidencial que invada sua competência, justamente para não haver a indevida intromissão de um Poder na atribuição de outro, cuja convivência deve ser harmônica e coerente. Por esse motivo, a própria Magna Carta traz os mecanismos de freios e contrapesos para que seja feito o controle entre os Poderes constitucionais.

Evidente que um decreto presidencial também pode ser suspenso ou invalidado pelo Supremo Tribunal Federal em ação própria, quando, além de outras inconstitucionalidades, contrariar a lei que regulamenta por invadir competência do Poder Legislativo.

Enfim, a matéria é complexa e enseja profunda reflexão, a fim de que não ocorra indevida invasão de um Poder em outro, violando o princípio da separação dos Poderes, imprescindível para todo Estado democrático de Direito.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!