Opinião

Alienação parental como causa de exclusão sucessória

Autor

  • Conrado Paulino da Rosa

    é advogado e parecerista especialista em família e sucessões professor da graduação e do mestrado da FMP e autor de 12 livros sobre Direito de Família e Sucessões.

27 de setembro de 2022, 6h32

A possibilidade de um herdeiro ser excluído da sucessão, seja por indignidade ou deserdação, decorre de uma dupla função: a primeira é a de que nenhum indivíduo possa ter ideias maliciosas voltadas ao seu benefício patrimonial, entre elas, a de ceifar a vida de seus ascendentes, por exemplo, com foco no recebimento da herança. A segunda finalidade é, vez praticado um ato que afronta os limites éticos impostos pela sociedade, o agente possa ter consequências na esfera cível, independentemente de eventuais punições a serem aplicadas em âmbito penal.

Enquanto a indignidade pode ser aplicada a qualquer herdeiro, seja ele legítimo ou testamentário, a deserdação somente é aplicável aos herdeiros necessários, sendo estes, segundo o artigo 1.845 do Código Civil, os descendentes, ascendentes e cônjuge.

Para que a última possa ser configurada, além das práticas elencadas no artigo 1.814 do diploma civil, nosso sistema jurídico também prevê outras hipóteses nos artigos 1.962, aplicando-se para afastar da herança os descendentes e no 1.963 as hipóteses de aplicação aos ascendentes.

Uma vez praticado o ato que possibilita a deserdação, necessariamente, o ofendido deverá realizar testamento, em qualquer modalidade permitida, declarando de forma expressa sua intenção de elidir da sucessão o herdeiro reservatário e, também, qual o motivo.

Veja que, dentre as hipóteses em que os ascendentes podem ser afastados da herança, no supracitado 1.962 do Código Civil, encontra-se a possibilidade de agressão física, bem como o desamparo do filho em deficiência mental ou grave enfermidade.

A questão a ser pensada na contemporaneidade é a de que, partindo da premissa que a legislação foi editada no início da década de 1970, oportunidade em que o direito civil era extremamente patrimonialista e não se cogitava a proteção a qualquer dano existencial, nós poderíamos alargar as hipóteses de aplicação da deserdação? Haveria alguma lógica em permitirmos que apenas os danos físicos pudessem ser motivo de afastamento da herança e, por outro lado, deixarmos de apresentar consequências aos solavancos psicológicos que podem ser causados por aqueles que deveriam proteger?

É justamente nessa linha que, considerando as consequências nocivas de uma campanha de alienação parental, cujas marcas podem ser muito mais graves do que a prática de violência física, comungamos da ideia de que o agente alienador pode ser afastado da herança por cláusula testamentária deserdatória.

Recorde-se que, no artigo 3º da Lei 12.318/2010, a prática alienadora constitui abuso moral e, em um sistema jurídico que não tolera nenhuma prática de violência física, sequer psicológica na criação da prole (artigo 18-A do ECA) é necessário ampliarmos as possibilidades de exclusão da herança, tendo como premissa uma interpretação finalística.

Embora a doutrina, tradicionalmente, apresente o rol de atitudes deserdatórias de forma taxativa, é certa a necessidade de uma interpretação teleológica finalística.

Para a efetivação do afastamento, quando da morte do testador [1], além da ação de registro de testamento, os interessados deverão promover demanda declaratória da deserdação do alienador ou alienadora, devendo ser comprovada a veracidade da causa alegada pelo testador, na esteira do que dispõe o artigo 1.965 do Código Civil.

A tese aqui defendida tem como escopo a eticidade e a aplicação de consequências patrimoniais àquele que, em seu agir nocivo, pretendeu apagar o outro progenitor ou todo seu núcleo familiar da memória da prole. Nada mais justo, quando da morte da vítima da nefasta campanha alienatória, seu agente seja "apagado" da herança vez que, afastaria o senso de justiça o proveito econômico de alguém que tanto mal causou.


[1] Já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre a possibilidade do ajuizamento da ação declaratória em vida, entendimento esse que conta com nossa simpatia: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESERDAÇÃO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO POR ILEGITIMIDADE ATIVA. DIREITO DE DESERDAR ESTABELECIDO NO ARTIGO 1.961 DO CÓDIGO CIVIL, NÃO TENDO A EXEGESE DO ARTIGO 1.964 DO MESMO DIPLOMA CONDÃO DE AFASTAR O CORRESPONDENTE DIREITO DE AÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

No comando legal em que estabelece que somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento o que disse o legislador é justamente o que tratou de dizer, no que não está incluso o afastamento do direito de ação que albergue o direito de buscar a declaração judicial de deserdação.

O artigo 1.961 do Código Civil assegura que "os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão". Sendo evidente que em relação ao herdeiro obrigatório a norma prevê uma punição que em nada se confunde com alguma faculdade, a conjugação do verbo poder lá produzida diz respeito ao direito de alguém excluir de sua sucessão aquela espécie de sucessor. Em nenhum momento o legislador, ao prever o direito de deserdar, estabeleceu esta ou aquela forma como única e essencial para seu exercício. Não se lê no dispositivo referido, muito embora possível seria se tanto tivesse pretendido seu redator, algo como: "somente por testamento os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão".

Ao ordenar que "somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento", agora no artigo 1.964 do mesmo diploma legal, longe de dizer que o despojo hereditário obrigatoriamente há de se concretizar pela via do testamento, o regramento está a impor que se ou caso a deserdação se fizer através daquela espécie de clausulado da herdade obrigatoriamente haverá de nela se constar expressa a sua causa.

Ao trazer para si o embate judicial frente ao herdeiro que deseja deserdar, o autor da correspondente ação impede que tal discussão seja lançada para empós sua morte, evitando cizânia dentre seus herdeiros. Vê declarada, assim, a deserdação que deseja enquanto ainda em vida e evita que seus sucessores herdem, para além do espólio, também discórdia.

Forte também no exercício da equidade, assim, há que se concluir diversamente do que vem compreendendo a doutrina e com ela os poucos julgados pertinentes à quaestio em exame. Tendo-se o ato de deserdação por um direito e como direito dele decorrendo uma ação, cabível sua consubstanciação para além do testamento, exercível através de demanda judicial onde se reconheça a causa e se declare deserdado o herdeiro que se quer deserdado e que deserdado merece ser.

(TJ-SC, Apelação nº 0300716-33.2018.8.24.0113, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, 1ª Câmara de Direito Civil, j. 9/6/2022).

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    é advogado e parecerista especialista em família e sucessões. Pós-doutor em Direito pela UFSC. Professor da graduação e do mestrado da FMP. Autor de 12 livros sobre direito de família e sucessões.

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