Consultor Jurídico

Homem é condenado pela morte da esposa após lhe transmitir HIV

25 de setembro de 2022, 14h39

Por Vinícius Abrantes

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Por entender que o réu assumiu o risco de matar a esposa ao deixar de lhe informar que era soropositivo, o Tribunal do Júri da Comarca de Araranguá (SC) condenou à prisão, pelo crime de homicídio, um homem que transmitiu HIV para a própria companheira, que acabou morrendo em decorrência de complicações provocadas pela Aids.

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Para o júri, homem assumiu risco ao deixar de dizer à mulher que era soropositivo

De acordo com a ação penal pública — que está em segredo de justiça —, o homem, sabendo que era soropositivo antes mesmo do casamento, nunca informou a vítima sobre sua condição, tendo mantido relações sexuais com ela sem usar preservativo ao longo de todo o relacionamento.

Infectada e já sofrendo com os sintomas da doença, a vítima foi socorrida por familiares e chegou a ficar hospitalizada por dez dias, mas somente durante a internação recebeu o diagnóstico de que havia contraído HIV. Ela acabou morrendo no hospital, em razão do estágio avançado da doença, apenas três dias após ser informada de que estava com Aids.

"Ele tinha a obrigação de agir para evitar a morte da vítima, mas, mesmo assim, nunca lhe informou sobre a doença, o que impediu que ela buscasse o tratamento adequado, que é disponibilizado gratuitamente pelo SUS", disse o promotor de Justiça Gabriel Ricardo Zanon Meyer, que atuou no julgamento perante o Conselho de Sentença.

Com base nisso, o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) pediu a condenação do réu por homicídio com dolo eventual, causado por omissão, uma vez que "deveria e poderia agir para evitar o resultado". O júri acolheu a sustentação e condenou o homem a 12 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado. Com informações da assessoria do MP-SC.

Dolo e jurisprudência
Especialista em Processo Penal, o advogado Vitor Poeta comentou a decisão do júri. Ele explica que o dolo, no Direito Penal brasileiro, pode ser de dois tipos: o dolo direto, caracterizado quando o agente busca efetivamente o resultado, e o dolo eventual, que ocorre "quando o agente não quer efetivamente o resultado, mas, aceita a possibilidade de produzi-lo, ou ainda, 'não se importa' por produzir tal resultado".

"Tendo prosseguido com sua conduta, mesmo ciente de que ela poderia morrer, em decorrência da Aids, e sem ter lhe informado sobre a doença, o que a impediu de buscar o tratamento adequado, o réu foi considerado responsável pela morte, verificando-se, em suma, o tão comentado dolo eventual", prosseguiu o advogado.

Poeta lembra que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 160.982/12, firmou entendimento pela configuração de crime de lesão corporal gravíssima por enfermidade incurável. Ele destaca, porém, a importância do debate sobre o conceito de dolo, para se "verificar a intenção do agente em transmitir ou não o vírus do HIV e seus resultados".

"Esse é mais um júri advindo do dolo eventual, assim como o caso da boate Kiss e inúmeros outros, como, por exemplo, alguns homicídios envolvendo a direção de veículo automotor, o que gera repercussão e necessidade do debate acerca do instituto", concluiu.