Opinião

Convênio por escopo? Releitura do prazo de vigência do convênio de repasse

Autor

  • Thiago Alencar Alves Pereira

    é procurador do Estado de Rondônia professor advogado mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) com dissertação inserida na área de Concentração Fundamentos do Direito Positivo e Linha de Pesquisa Constitucionalismo e Produção do Direito. Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (Ibet) e técnico profissionalizante em gestão na habilidade em contabilidade (Socepp).

24 de setembro de 2022, 11h16

O objetivo geral deste estudo é verificar a relação existente, atualmente, entre os convênios e os contratos públicos, uma vez que se observa constante remissão de dispositivos legais dos contratos aos convênios, sem clareza quando a expansão da expressão "no que couber" prevista no artigo 116 da Lei nº 8.666/1193.

Para melhor organizar o raciocínio, o objetivo específico foi centrado em estudar o artigo 241 da Constituição de 1988, os contornos doutrinários e jurisprudenciais dados a expressão "no que couber" e como os convênios são tratados pelo direito contábil aplicado ao setor público.

A metodologia utilizada é a indutiva, utilizando-se de conceitos preexistentes de contrato, convênio, consórcios públicos e transferência voluntária.

A conclusão, finalmente, é que o prazo de vigência dos convênios de repasse, quando utilizados como fonte de recurso de contratos por escopo, recebem igual tratamento, não havendo prazo de vigência do convênio em si, mas prazo de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega do objeto desejado, embora tanto o convenente quanto a concedente possam denunciar unilateralmente o convênio.

Convênio de cooperação no artigo 241 da Constituição
A Constituição de 1988 permitiu a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios disciplinarem por meio de lei os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a transferência total ou parcial de encargos essenciais à continuidade dos serviços transferidos (artigo 241, CF).

De partida, nota-se que o constituinte fala de duas figuras, a significar a ausência de identificação entre elas. A própria Constituição diferenciou convênios e consórcios.

Percebe-se, ainda, que a autonomia administrativa e territorial dos estados-membros e municípios comporta temperamento tão somente quando observada manifesta exteriorização de vontade, ou seja, quando voluntariamente ele aceita a parceria, instrumentalizada por meio de convênios ou atos administrativos congêneres, sob pena de grave ameaça ao equilíbrio da Federação.

A referência do artigo 241 a existência de leis dos diversos entes federados não traduz a vedação a edição de normas gerais por parte da União, algo natural as nações que impuseram a federação e estabeleceram interesses nacionais, regionais e locais.

Vigência do convênio por escopo
Partindo da permissão constitucional contida no artigo 241, a Lei Nacional nº 8.666/1993 impôs as suas regras, no que couber, aos convênios, inteligência extraída do artigo 116.

Ora, se o legislador expõe a aplicação no que couber, certamente que alguns dispositivos não serão aplicados aos convênios.

Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no recurso em mandado de segurança nº 30.634  SP que o "vínculo jurídico existente nos convênios não possui a mesma rigidez inerente às relações contratuais, daí porque o artigo 116, caput, da Lei 8.666/93 estabelece que suas normas se aplicam aos convênios apenas 'no que couber'".

Estas são razões que fazem a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, p. 390), Hely Lopes Meirelles (2005, p. 398) e Edmir Netto de Araújo (2010, p. 729) entender que a) os convênios não possuem compatibilidade com cláusulas de permanência compulsória, como a que impõe a restrição de prazos à vigência dos respectivos créditos orçamentários, e b) o artigo 116 da Lei Nacional nº 8.666/1993 não lançou os convênios no regime dos contratos instrumentais, bem como não fez remissão ao artigo 57.

Valioso mencionar, seguindo esta linha de raciocínio, decisão do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TC-SC) [1], para quem "o período de vigência do convênio pode ser compatível com os prazos estabelecidos no plano de trabalho previamente aprovado pelo convenente", não devendo ser levado em consideração "a regra do artigo 57, incisos I e II, da Lei Federal n. 8.666/1993, sendo, porém, obrigatória a fixação de prazo de vigência (§3º do artigo 57 da Lei Federal nº 8.666/1993)".

A vigência de prazo é expressa para contratos, não havendo previsão no parágrafo 1º do artigo 116 da Lei Nacional nº 8.666/1993 para os convênios. Pelo contrário, exige-se a previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas.

Portanto, nos convênios de repasse (transferência voluntária de recursos) a vigência ganha contornos diferentes, exigindo uma mutação intelectiva, uma imersão no contrato, para que a vigência possa se tornar real, adequada e justa.

Conforme o artigo 25 da Lei Complementar Nacional nº 101/2000, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Diga-se, é transferência voluntária a entrega de recursos que não sejam obrigatórios forma constitucional e legal.

O manual de contabilidade pública aplicada ao setor público (MCASP) evidencia que para o reconhecimento contábil, o ente recebedor (convenente) deve registrar a receita orçamentária apenas no momento da efetiva transferência financeira, pois sendo uma transferência voluntária não há garantias reais da transferência, uma vez que a concedente pode denunciar o convênio, retirando-se livremente do pacto (Carvalho Filho, 2007, p. 197). Por esse motivo, a regra para transferências voluntárias é o beneficiário não registrar o ativo relativo a essa transferência.

E ao definir as "Variações Patrimoniais Aumentativas", o MCASP inclui nas transferências e delegações recebidas as "transferências de convênios".

Perceptível que as transferências de convênios são, para o ente recebedor, fonte de custeio do objeto conveniado, que poderá ser adquirido via procedimento licitatório.

Em que pese a Lei Nacional nº 8.666/1993 exigir tão somente a dotação orçamentária para início do procedimento licitatório, é proibido firmar o contrato sem, pelo menos, o financeiro que cubra a primeira medição, sob pena de despesa sem prévio empenho.

Neste trilho, as transferências de convênios (convênio de repasse) são, além de um ato cooperativo entre entes da federação, fonte de recurso de despesa pública, devendo, então, estar atrelado ao contrato que suportará.

É aqui onde nasce o convênio por escopo.

Se o contrato visa um escopo, ou melhor, um objeto determinado, onde o que interessa para a Administração é a conclusão da execução contratual (por exemplo, a realização de uma obra), possui sua extinção vinculada ao cumprimento do fim contratado, seguindo a mesma lógica o convênio de repasse (as transferências de convênios) que é fonte de recurso do contrato.

Ou seja, os contratos por escopo terão sua extinção verificada após o cumprimento do objeto inicialmente avençado, bem como, via de regra, existirá a possibilidade de retomá-lo, mesmo que o prazo de execução fixado no contrato se escoe, na ocasião em que o objeto não tiver ainda sido alcançado. Ter-se-á que o contrato não se extinguiu, expirando apenas o seu prazo de execução sem que o objeto fosse concluído.

Daí emerge a importante diferenciação entre contrato por escopo, por prazo certo e de execução continuada, que, semelhantemente, podemos transportar aos convênios, nominando-os de convênio por escopo, por prazo certo e de execução continuada, a depender do objeto da parceria.

O Tribunal de Contas da União (TCU) caminha no sentido de prorrogar os prazos de convênio, mesmo vencido, quando existe interesse público na continuação da parceria.

No acórdão nº 1131/2009-Plenário, o ministro Cedraz votou esclarecendo quando não restar alternativa para atingir o interesse pública senão o de prorrogar o convênio, o ato deixa de ser discricionário e passa a ser vinculado, devendo a Corte de Contas determinar a prorrogação do ajuste, sob pena de se apurar a responsabilidade pela obra inacabada. A jurisprudência do TCU admite a prorrogação (a exemplo da Súmula nº 191 e do Voto constante do Acórdão nº 172/2004  Plenário).

A busca pela solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais se confirma com a permissão de continuidade do objeto pactuado em convênio por escopo, uma vez que não há prazo de convênio, mas prazo de execução do objeto pactuado, podendo ser alterado de comum acordo entre as partes, enquanto existir "interesses recíprocos".

Nesta toada, a compreensão pela existência de convênio por escopo, por prazo certo e de execução continuada, visa permitir que a autoridade pública atue para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, conforme previsão do artigo 30 do decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lindb).

Considerações finais
O direito administrativo recorrentemente impõe coragem aos operadores do direito na busca de soluções jurídicas viáveis para enfrentar os desafios.

No dia a dia do consultivo administrativista, a licitação, os contratos públicos e os convênios são os temas mais comuns.

Após a inclusão dos artigos 20 a 30 na Lindb pela Lei nº 12.874/2013, os Tribunais de Contas e a doutrina estão revendo seu entendimento e constatando a necessidade de resultado material, contrapondo-se ao excesso formal. Há, portanto, uma desconstrução do formalismo, regra tradicional na conduta administrativa, para a busca de resultados concretos, conduta mais atual e adequada a nova realidade do direito pós-moderno.

O prazo de vigência do convênio, por exemplo, é um dos temas que estão sofrendo releitura.

Como síntese do exposto no presente estudo, são conclusões possíveis:

a) O constituinte deixou a livre vontade dos entes federados disciplinarem por meio de lei a forma que se dará a transferência total ou parcial de encargos essenciais à continuidade dos serviços transferidos nos convênios de cooperação, não havendo, portanto, vedação constitucional para que um ente federado autorize outro a exercer sua competência executória, podendo um serviço local ser executado pelo Estado-membro ou vice-versa, quando voluntariamente ele aceite o encargo, instrumentalizada por meio de convênios ou atos administrativos congêneres, sob pena de grave ameaça ao equilíbrio da Federação.

b) Os convênios de repasse (ou as transferências de convênios) são veículos para operacionalizar as transferências voluntárias, servindo de fonte de recurso para o ente recebedor e, quando financiam um contrato por escopo, devem ser tratados como convênio de escopo.

c) O prazo de vigência dos convênios de repasse, quando utilizados como fonte de recurso de contratos por escopo, recebem igual tratamento, não havendo prazo de vigência do convênio em si, mas prazo de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega do objeto desejado.

d) Por fim, os convênios de repasse (ou as transferências de convênios) são veículos para operacionalizar as transferências voluntárias e exigem da concedente e do convenente o dever de lançar a operação em suas respectivas contabilidades públicas.

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[1] TCSC, Processo COM 04/03646740. Parecer: COG  268/04.  Decisão:  2.492/2004. Origem: Secretaria de Estado da Fazenda.  Relator conselheiro Otávio Gilson dos Santos. Data da Sessão: 08.09.2004.

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    é procurador do Estado de Rondônia, professor, advogado, mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) com dissertação inserida na área de Concentração Fundamentos do Direito Positivo e Linha de Pesquisa Constitucionalismo e Produção do Direito. Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (Ibet) e técnico profissionalizante em gestão na habilidade em contabilidade (Socepp).

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