Opinião

Centro de inovação da FGV avança à 2ª fase do estudo sobre recuperação de empresas

Autores

  • Clarissa Somesom Tauk

    é juíza de Direito do TJ-SP em exercício na 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Capital e doutoranda em Direito Empresarial (Uninove).

  • Fernanda Bragança

    é pesquisadora do Centro de Inovação Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento doutora em Direito pela UFF e pesquisadora visitante na Université Paris 1 Pantheón Sorbonne.

  • Renata Braga

    é professora da Universidade Federal Fluminense UFF/VR pesquisadora colaboradora externa do Centro de Inovação Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento e doutora em Direito pela UFSC.

24 de setembro de 2022, 18h01

O ambiente de negócios é impactado por diversos fatores, com destaque à saúde financeira das empresas que operam no país, à efetividade da legislação e à celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. A coordenação entre as medidas econômicas e a atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário é fundamental para a superação de cenários de crise.

Recentemente, uma série de novidades legislativas visaram conferir maior eficácia e celeridade aos processos que tratam de reestruturação de empresas, com destaque à Lei nº 14.112 de 2020, que atualizou a legislação de recuperação e falência, além de normativas do Conselho Nacional de Justiça que buscaram incentivar o direcionamento desses litígios a uma solução consensual por meio da negociação e da mediação, sobretudo.

Dentre as principais inovações da Lei nº 14.112 de 2020 está a previsão de um sistema de pré-insolvência que fomenta o uso da mediação e da conciliação de forma preventiva ao processo de recuperação judicial, previsto nos arts. 20-A a 20-C da Lei nº 11.101 de 2005. O principal objetivo é fomentar que o devedor negocie com os seus credores em uma fase ainda inicial da dificuldade econômico-financeira e, assim, seja possível aumentar as chances de continuidade de empresas viáveis[4]. Essa norma está em consonância com os mais modernos sistemas jurídicos, a exemplo da Diretiva UE 1.023 de 2019 do Parlamento Europeu e do Conselho, bem como do Corporate Insolvency and Governance Act de 2020 do Reino Unido[5].

No âmbito do Poder Judiciário, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um Grupo de Trabalho específico para debater e sugerir medidas voltadas à modernização e à efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação empresarial e de falência; bem como editou a Recomendação nº 58 de 2019, a qual recomendou aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da mediação.

Além dessas, a Recomendação nº 71 de 2020[6] do CNJ dispõe sobre a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania 1 Cejusc Empresarial e fomenta o uso de métodos adequados de tratamento de conflitos de natureza empresarial. Assim, os tribunais precisam constituir uma estrutura de conciliadores e mediadores capacitados em matéria empresarial e realizar o cadastramento de Câmaras especializadas nessa matéria.

A recuperação de empresas gera uma realidade de dados bastante complexa decorrente, sobretudo, do número significativo de incidentes; o que dificulta uma análise tanto quantitativa quanto qualitativa desses processos nos tribunais brasileiros. Tendo em vista contribuir para uma melhor compreensão deste cenário, o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário realizou um estudo[7] com o objetivo de realizar um diagnóstico inicial sobre as principais potencialidades e fragilidades do processo de recuperação empresarial.

O estudo envolveu o levantamento e análise de dados quantitativos, bem como a visão dos envolvidos nesses processos judiciais, tais como magistrados, advogados especializados e empresas recuperandas.

A pesquisa do Centro do Judiciário evidencia o espaço significativo de crescimento para a mediação em casos de recuperação de empresas. Cerca de 94% dos advogados especializados neste segmento que participaram do estudo afirmaram que sugerem abordagens negociais do devedor com seus credores nesses casos.

A pesquisa também buscou compreender junto aos magistrados e empresas recuperandas os efeitos do tempo dos processos sobre a efetividade da recuperação judicial. Quanto aos magistrados, a percepção para 82% dos juízes que participaram da pesquisa é a de que o procedimento é demorado e 30,3% desse grupo entendem que a demora afeta a eficiência do processo. As empresas que participaram da pesquisa estão, em média, há mais de três anos em recuperação judicial e 75% delas ressaltaram que a duração desses processos é uma variável importante para avaliação antes da propositura do pedido.

Em 2022, o estudo avançou para a sua segunda fase, que tem o objetivo de analisar as estruturas dos tribunais voltadas, especificamente, à recuperação de empresas. Nesse sentido, busca mapear, por exemplo, a existência de Varas e Câmaras especializadas na matéria, o credenciamento de câmaras privadas de mediação no tribunal, a existência de centros judiciários de solução de conflitos e cidadania (Cejuscs) específicos para a área empresarial, bem como de mediadores especializados, e o oferecimento de capacitações e atualizações sobre o tema.

A realização deste levantamento é fundamental para avaliar a efetividade do sistema brasileiro de pré-insolvência, além de possibilitar o acompanhamento da implementação da política pública judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos que, conforme vêm direcionando mais recentemente o CNJ, caminha para uma especialização — tanto da estrutura quanto dos mediadores — em determinados segmentos, tal como ocorre com a recuperação empresarial e o superendividamento[8]. A previsão é que os resultados desta 2ª fase sejam publicados no primeiro trimestre de 2023.


[1] SALOMÃO, Luis Felipe; COSTA, Daniel Carnio. Revolução na insolvência empresarial: Brasil ganha sistema verdadeiramente capaz de ajudar a vencer a grave crise econômica. Jornal O Estado de São Paulo, opinião, 4 dez. 2020. Disponível em: <https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,revolucao-na-insolvencia-empresarial,70003538906>. Acesso em: 5 set. 2022.

[2] COSTA, Daniel Carnio; LOSS, Juliana. Prevenção e solução consensual de conflitos na insolvência empresarial. In: COSTA, Daniel Carnio; LOSS, Juliana; LIMA, Felipe Herdem; BUMACHAR, Juliana. Recuperação empresarial e falência: aspectos práticos. Londrina: Editora Thoth, p. 92. 

[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dispõe sobre a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – Cejusc Empresarial e fomenta o uso de métodos adequados de tratamento de conflitos de natureza empresarial. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3434>. Acesso em: 8 set. 2022.

[4] CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO. Um estudo do processo de recuperação de empresas: relatório preliminar analítico-propositivo. Rio de Janeiro: FGV Conhecimento, 2022. Disponível em: < https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_recuperacaodeempresas.pdf> Acesso em: 8 set. 2022.

[5] Cf. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 125 de 24 dez. 2021. Dispõe sobre os mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento e a instituição de Núcleos de Conciliação e Mediação de conflitos oriundos de superendividamento, previstos na Lei no 14.181/2021. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/files/original1456372022010761d854a59e2f5.pdf >. Acesso em: 8 set. 2022.

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