Candidatos Legais

Animais do zoológico recebem tratamento melhor do que presos, diz criminalista

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24 de setembro de 2022, 9h24

*Esta é décima quarta entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.

Spacca
Quando era estagiária do Ministério Público do Rio de Janeiro, a criminalista e candidata a deputada federal Flávia Fróes (União Brasil-RJ) via, da janela de sua sala, os elefantes do jardim zoológico. Logo percebeu que os animais em cativeiro recebiam tratamento melhor do que o conferido às pessoas presas. Esse choque de realidade a fez abandonar o sonho de ser promotora, abraçar a advocacia e fundar o Instituto Anjos da Liberdade, que se dedica a ações assistenciais. Candidatar-se à Câmara dos Deputados é um novo desdobramento de sua luta pela defesa dos direitos e garantias dos pobres.

Caso seja eleita, ela pretende apresentar proposta de emenda à Constituição que declare que são parte da Carta Magna os tratados internacionais sobre direitos humanos que o Brasil ratificou, mas descumpre. Com isso, o texto constitucional também reconheceria a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

"O Brasil reconhece essa competência, mas, principalmente o Judiciário, tem uma imensa resistência em aceitar a jurisdição internacional", diz.

Outros projetos de Flávia buscam reformar o Código de Processo Penal, de forma a acabar com o "ranço inquisitório da Justiça Criminal"; reforçar que moradores de favelas têm os mesmos direitos e garantias dos que residem em áreas nobres; e combater a criminalização da advocacia.

Por ter defendido líderes de facções como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital, Flávia é conhecida como a "advogada do tráfico". Acusados de venda de drogas têm, na prática, responsabilidade penal objetiva, opina. Isso porque são considerados culpados e têm que provar que são inocentes, o contrário do que prega o princípio da presunção de inocência. A sanha pela punição de traficantes, na visão da criminalista, acaba transbordando para outras áreas do Direito Penal, como os delitos de colarinho branco. As violações do direito de defesa experimentadas por políticos e empresários na operação "lava jato" e outras são rotina em casos envolvendo pobres, afirma.

Flávia afirma que a guerra às drogas é irracional. "É uma questão que precisa de uma análise técnica. É preciso comparar resultados de países que partiram para uma política de contenção de danos, de descriminalização de algumas drogas, de fornecimento de alternativas farmacológicas, como a metadona para viciados em heroína, com os resultados daqueles países que partiram para uma guerra que não respeita as leis internacionais de guerra."

A advogada já foi acusada de receber ordens de traficantes na penitenciária de Catanduvas (PR) e transmiti-las aos demais membros das facções no Rio. Segundo Flávia, acusação não tinha fundamento e era "falaciosa, com objetivos midiáticos e, sobretudo, intimidatórios". A investigação não foi adiante.

Além disso, o Instituto Anjos da Liberdade, que ela preside, foi investigado por receber dinheiro do PCC para questionar a Portaria 157 do Ministério da Justiça, que endureceu as regras para visitas a presídios. Para a criminalista, a defesa de direitos humanos de presos "gera desconforto nos defensores do 'fúria sim, Constituição não'". Porém, diz Flávia, tais pessoas não se incomodam com ameaças de ruptura democrática, como as constantemente feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Leia a entrevista:

ConJur — Por que a senhora decidiu se candidatar a deputada federal?
Flávia Fróes — Para responder, tenho de voltar ao início da minha atividade como advogada. Trabalhando como estagiária do Ministério Público, da janela da minha sala, via os elefantes do jardim zoológico do Rio de Janeiro. E logo percebi que os animais do zoológico recebiam melhor tratamento no cativeiro que os presos no sistema penitenciário. O projeto inicial, de logo após a conclusão do curso de Direito prestar concurso para o Ministério Público, deixou de fazer sentido. Abracei a advocacia criminal como um ato revolucionário — como diz Lenio Streck, no Brasil, defender a Constituição Federal é um verdadeiro ato revolucionário. Na advocacia criminal, percebi que não apenas os presos, mas seus familiares e os pobres em geral eram tratados de maneira desumana. Surgiu, então, o Instituto Anjos da Liberdade, como um projeto de ajudar essas pessoas de verdade, com advogados, assistentes sociais, pesquisadores em ciências sociais, profissionais de saúde, e não apenas para fingir que se ajuda. O instituto assume a defesa de que a dignidade da pessoa humana, o direito à vida digna dos segmentos estigmatizados da população, é um direito, não é um favor que o Estado faz. Assim, denuncia tortura, execuções sumárias.

Com a soma dos anos na advocacia criminal e na defesa dos direitos humanos, comecei a ver com clareza que o problema é principalmente estrutural. E a questão estrutural passa pelas discussões que acontecem no Congresso Nacional. É fácil fazer discurso na tribuna para defender Bolsa Família, Auxílio Brasil, mas votar leis que são “pacotes antipobre”, mais do mesmo, mais porrada, tiro e bomba para conter a pobreza. A minha candidatura, então, é o desdobramento natural de um projeto em defesa dos mais estigmatizados, os mais pobres.

ConJur — Uma vez eleita, a senhora apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Flávia Fróes — Um primeiro projeto que, se for viável, seria o mais importante, seria uma emenda constitucional para declarar como parte integrante da Constituição Federal os tratados internacionais sobre direitos humanos que o Brasil ratificou e se tornou estado-parte, mas que descumpre. A Convenção de Viena Sobre Direito dos Tratados, de 1969, estabelece que nenhum país pode alegar seu direito interno para descumprir um tratado, mas o que se faz. A EC 45/2004 tornou cláusula pétrea o reconhecimento da jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Entendo que é preciso uma nova emenda constitucional para tornar parte integrante da Constituição a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. O Brasil reconhece essa competência, mas, principalmente o Judiciário, tem uma imensa resistência em aceitar a jurisdição internacional.

Outro projeto seria o de promover profundas reformas no Código de Processo Penal, acabando com esse ranço inquisitório da Justiça Criminal, onde o réu, na maioria das vezes, já chega condenado, tendo sequer o direito de produzir provas em sua defesa. A maioria dos juízes criminais se julgam agentes de segurança pública quando deveriam se ver como garantidores da lei. Assim, eles assumem lado, instruem o processo desde o início para favorecer a condenação. Temos métodos de Justiça Criminal que não seriam aceitos em nenhuma democracia civilizada. Constitucionalizando os tratados internacionais de direitos humanos e reconhecendo a competência da Corte Interamericana e do Comitê de Direitos Humanos da ONU, já haveria uma contenção dessa mentalidade inquisitória e antidemocrática.

Há dois projetos que me são extremamente caros. Um é o Estatuto das Favelas. O objetivo da norma é colocar o morador de comunidade, por força de lei, em igualdade de direitos com o morador das avenidas Vieira Souto e Delfim Moreira, no Rio de Janeiro, ou da Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Ou seja, garantir que eles tenham o direito de fazer pleno uso e gozo das garantias constitucionais. Outra bandeira importante é lutar contra a criminalização da advocacia. A magistratura e o Ministério Público têm prerrogativas asseguradas por lei complementar. Talvez seja necessário acrescentar um parágrafo ao artigo 133 da Constituição Federal para estabelecer que lei complementar definirá os direitos, deveres e prerrogativas da advocacia.

ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Flávia Fróes — Seria simples, nenhuma inverdade, dizer que se legisla com o fígado nesse país. Mas o problema é mais complexo. Nenhum deputado ou senador pode alegar falta de suporte técnico. Todos têm assessores, e há um bom quadro de assessores jurídicos concursados no Congresso Nacional. É possível pensar em um problema de vaidades pessoais, mas não é tão simples. Há muitas leis péssimas? Sim, há leis que, para serem ruins, teriam de ser muito aperfeiçoadas. Parece que se legisla por emergências. Houve um projeto de lei, famigerado, de um deputado [Boca Aberta – Pros-PR], que propunha pena de amputação de mão pelo SUS para corruptos [PL 582/2020]. Aí, adiante, esse mandato do deputado é cassado, a partir de decisão do TSE, e já tem um histórico de condenação em segunda instância por denunciação caluniosa. Muita gente elege-se dizendo que antissistema, que é contra tudo que está aí. Mas a única proposta é implodir tudo, implodir a ordem constitucional, sem se importar que vá acabar soterrado pelos escombros. Outros elegem-se prometendo defender os interesses de determinados grupos, dos quais fazem parte. E se o interesse do grupo que o elegeu estiver acima do interesse coletivo?

A impressão é que se legisla para fazer leis que acabem faladas, mesmo que mal faladas, mas que deem espaço na mídia para o parlamentar. Há excelentes quadros no Congresso Nacional. Na tramitação do Código de Processo Civil, a Câmara dos Deputados fez um trabalho essencial. Mas aí a legislação deixa de servir a interesses de um grupo ou outro, e surgem propostas de mudanças, a conta-gotas, sem compromisso com a sistematicidade do Direito.

Objetivamente, não é questão para apenas se criticar. Quem se propõe a tão somente criticar, sem trabalhar por soluções melhores, não tem compromissos diferentes daqueles que criticam. Se eu não acreditasse que esse populismo barato chegou ao auge em 2018 e que tenderá a decair, que o povo vai votar menos com o rancor e pensando mais em si mesmo, povo, melhor seria não me candidatar.

ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis?
Flávia Fróes — A resposta que posso dar não é simpática a alguns. O Judiciário do Brasil parece cada vez mais com as cortes francesas no período imediatamente anterior à Revolução de 1789, quer no apego extremado aos privilégios, quer na questão de se arvorar de todo processo legal, decidindo quais leis “pegam” e quais leis “não pegam”. Não estamos falando de controle de compatibilidade vertical de constitucionalidade, mas sim uma coisa muito inversa. Na área do Direito Penal e processo penal, é muito comum ver interpretações que são um controle de compatibilidade da norma constitucional em relação aos vetustos Código Penal e, principalmente, Código de Processo Penal. Uma espécie de controle vertical de antiguidade e conveniência das leis. A Constituição, como lei mais recente, sofrendo interpretação conforme o Código Penal e o CPP.

Nossa legislação processual penal é horrível, escancaradamente de inspiração nazifascista. Baixado via decreto no Estado Novo e obra de Francisco Campos, o CPP escancara o autoritarismo, a mentalidade inquisitória e a inimizade em relação às garantias do acusado. Mas segue em vigor. Pior: com tribunais fazendo glosa da Constituição em relação a essa norma infraconstitucional. Isso acontece porque serve a quem exerce o poder de fato. E quando surge uma rara reação, como a criação do juiz das garantias, associações de magistrados e de integrantes do MP imediatamente a questionam, e um ministro do STF notoriamente populista em matéria penal e processual penal [Luiz Fux] suspende a vigência da norma, em uma liminar monocrática. O mais grave é ele se sentir confortável em não apresentar sua decisão monocrática ao Plenário por mais de dois anos. Há muitas leis péssimas, de gritante inconstitucionalidade, que seguem sendo aplicadas. Se o são, é que servem a interesses de poder.

ConJur — Em sua opinião, é possível ou desejável criar parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis?
Flávia Fróes — Acredito que todas as leis têm seu impacto econômico e social muito bem aferido quando da votação. A questão é: que impacto? Se um deputado é um ilustre desconhecido, sem uma história, ninguém sabe o que fez antes e tenha tido todo um incentivo vindo de um determinado grupo empresarial, ele vai pensar no impacto econômico de determinada lei sobre a população como um todo ou sobre o grupo que o conduziu ao cargo? Insisto: a falta de compromisso com a sistematicidade, estabilidade e segurança do Direito acontece porque bem serve a alguém.

ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Flávia Fróes — Há quem diga que a academia é um antro de militantes, que os profissionais do Direito, principalmente os advogados, servem a interesses escusos. Os defensores desses discursos rasos, os que estão no topo, no Congresso, quando vão construir uma casa ou reformar seus imóveis, a primeira coisa que vão fazer é chamar um bom engenheiro e um bom arquiteto e respeitar o que eles falam e fazem. Não vão dizer criticar esses profissionais e dizer que quem entende de construção é o mestre de obras, que coloca a mão na massa e sabe o que fazer. Se formos olhar o Direito como uma estrutura que precisa de coesão, estabilidade, segurança e se justificar pela correição, precisa ser correto, então nos deparamos com a necessidade de uma construção de grande complexidade técnica, que precisa da participação dos profissionais da área. E não só da magistratura e do Ministério Público, que têm muita participação no processo legislativo.

ConJur — A senhora já defendeu líderes de facções como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital. Além disso, defende o ex-vereador Dr. Jairinho, acusado de matar o enteado Henry Borel. Como explicar para a população a importância do direito de defesa, mesmo em casos de acusações graves?
Flávia Fróes — O primeiro ponto que queria deixar bem claro é que é em processos cujos réus são líderes de facções criminosas, pessoas altamente estigmatizadas, alvo de verdadeiro ódio por parte da população, que é criada a jurisprudência do arbítrio. Nos últimos anos, houve diversos grandes casos de Direito Penal Empresarial, empresários e sócios sendo julgados e condenados apenas e tão somente por serem atuarem na empresa. Nesses casos, os tribunais superiores anulam decisões, trancam ações penais, denúncias são declaradas ineptas por incorrer na vedada responsabilidade penal objetiva.

Agora, no dia a dia da advocacia criminal, não é só o líder da facção criminosa, é o sujeito que é pego pela polícia e, na grande maioria das vezes, nunca traficou na vida. Para esses, a interpretação judicial é de que, uma vez imputados na prática de um crime, têm o dever de demonstrar que não são culpados. A responsabilidade penal objetiva não chega para criminalidade dourada de um dia para o outro. Só que antes de chegar aos grandes crimes, já levou de arrasto a classe média, o sujeito que se julga incólume a qualquer risco de ser processado por um crime porque é trabalhador. Ele fica em casa babando de ódio, defendendo pena de morte ao assistir noticiários. Até que um dia um filho, um parente ou ele mesmo se vê em uma situação em que vai precisar do direito de defesa, das garantias constitucionais que ajudou a enfraquecer, a tentar derrubar votando em candidato que defende pena de morte e linchamento em praça pública.

Sobre o caso Henry Borel, é um processo em andamento, há muitos aspectos técnicos envolvidos. Embora o artigo 8.2, “c”, da Convenção Americana de Direitos Humanos, garanta ao acusado todos os meios de prova, o comparecimento de testemunhas e peritos ao tribunal para sustentar a prova de sua inocência, a lógica tem sido de cerceamento de defesa, de denegar provas para depois justificar condenar por falta de provas de não autoria, que são justamente as provas cuja produção foi denegada pelo mesmo juízo que sentencia. Ruy Barbosa que foi genial ao dizer "as leis que não protegem nossos adversários não podem nos proteger". Então é preciso proteger o direito de defesa de todos.

ConJur — A senhora é conhecida como a “advogada do tráfico”. O que pensa sobre a descriminalização da posse de drogas para consumo? E da legalização do comércio de drogas? Seriam boas medidas para reduzir a violência, especialmente policial?
Flávia Fróes — A ideia de guerra envolve uma situação onde há dois exércitos beligerantes. Como na Ucrânia, embora não haja uma declaração oficial de guerra pela Rússia. Quando há guerra, aplicam-se todas as convenções de Genebra, os direitos dos prisioneiros. Quando há uma teoria de guerra em que a polícia deixa de ser garantidora da lei e passa a ver parte da população como inimigo, e essa distinção de quem é inimigo e quem não é acontece não por bandeira e uniforme, mas por pura discricionariedade do agente policial, o resultado será sempre insano. Pelas Convenções de Genebra, pelas regras que regem o tratamento humanitário nas guerras, não se pode tirar os óculos de um prisioneiro. Aqui a polícia tira óculos, tira próteses auditivas de pessoas que sequer estão sendo investigadas. Polícia se estranha com polícia. Em São Paulo, teve caso de tenente da Rota agredir e quebrar óculos de delegado. Há muita histeria e pouca técnica no enfrentamento da questão das ditas drogas. Um dos mais respeitados psicofarmacologistas do mundo, Elisaldo Carlini, pioneiro na pesquisa da cannabis medicinal, acabou arrolado em inquérito policial por apologia ao uso de drogas. O caso foi tão bizarro que virou reportagem na revista Nature. Não se pode nem estudar os efeitos medicinais de uma planta que é considerada droga.

É uma questão que precisa de uma análise técnica. É preciso comparar resultados de países que partiram para uma política de contenção de danos, de descriminalização de algumas drogas, de fornecimento de alternativas farmacológicas a determinadas drogas, como fornecimento de metadona para viciados em heroína, com os resultados daqueles países que partiram para uma guerra que não respeita as leis internacionais de guerra.

ConJur — O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. E os presídios têm péssimas condições. Como tornar o sistema mais humanitário?
Flávia Fróes — Para começar, o simples fato de alguém denunciar que as condições dos presídios brasileiros são desumanas a torna “pessoa de interesse”, alvo imediato daqueles que lucram, que defendem porque lucram, quer economicamente, quer prestígio político, quer vantagens pessoais diversas, com a inconstitucionalidade, com a violação de regras internacionais, de tratados internacionais sobre direitos humanos. Uma mudança estrutural passa pela população aceitar o fato de que, se a população carcerária, os piores da sociedade, forem tratados com dignidade, os homens comuns do povo não admitirão o rebaixamento da população pobre que se vê hoje. A população que está disputando ossos de boi para fazer sopa e comprando arroz quebrado que antes seria descartado aceita o discurso de que preso tem de comer comida podre, tem de ser torturado e morto na cadeia. Esse estado de coisas claramente busca legitimar o retrocesso social. Volto à primeira pergunta da entrevista, quando estagiando no Ministério Público, olhando pela janela da sala onde trabalhava, via os elefantes recebendo melhor tratamento no zoológico que os presos no Galpão da Quinta da Boa Vista. Garantir os direitos humanos da população carcerária é não justificar o retrocesso social como aceitável e normal.

ConJur — Advogados, especialmente criminais, são frequentemente investigados por receber honorários de acusados de delitos. Há ilegalidade em receber honorários de acusados de crimes?
Flávia Fróes — Ninguém pergunta ao padeiro se o dinheiro que compra pães é lícito ou exige responsabilidade de delatar uma grande compra de pãezinhos por que a padaria é em área conflagrada e pode estar alimentando membros de facção criminosa. Ninguém pergunta ao médico se a consulta, paga muitas vezes em dinheiro vivo, foi produto de crime. Ninguém fica quebrando sigilo bancário de forma prospectiva de taxista apenas pela desconfiança de que transportou em algum momento um criminoso.

O advogado é a última trincheira contra o arbítrio do Estado. Podemos ter belíssimas leis, mas sem haver quem consiga defender a sua aplicação prática, são garantias legais ilusórias. Parece que há um pensamento infantil em certos setores responsáveis pela persecução penal. Então vem uma condenação judicial aqui, uma condenação a ressarcir o erário lá, e vão para as redes sociais fazer “vaquinha online”, sem perguntar a origem do dinheiro. O caso mais recente que vemos é a aterradora inércia persecutória ante situação de pagamento de grandes quantias, com desculpa do trocadilho, negociações imobiliárias com “dinheiro impresso e não auditável”. Há uma dúvida razoável, vamos colocar assim, casos assim não se opõem ao sistema persecutório inquisitorial que se arvora absolutista, já o advogado que recebe trocados, esse incomoda. Então primeiro se prende, seletivamente; depois se investiga. E, de repente, nem se investiga, que se bem se investigar, a versão acusatória não vai se sustentar.

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