Opinião

Da possibilidade de desconsideração da PJ sem a instauração de incidente processual

Autor

  • Victor Hélio Paes da Silva

    é advogado Júnior no escritório Almeida Tavares e Silva pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-RS e em Direito de Família e das Sucessões pelo Ibmec-SP graduado em Direito pelo Ibmec-SP e Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Civil da OAB-SP e do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

23 de setembro de 2022, 16h08

O Código de Processo Civil, em seu artigo 133, prevê que a desconsideração da personalidade jurídica, em regra, deve ser procedida por meio da instauração de incidente próprio.

Com efeito, em tal incidente são produzidas provas, a fim de verificar se está presente ou não o abuso de personalidade, consubstanciado no desvio de finalidade ou/e na confusão patrimonial. Em caso positivo, será devida a desconsideração da personalidade jurídica, com fulcro no artigo 50 do Código Civil.

Por seu turno, se não restar demonstrada a presença dos requisitos do artigo 50 do Código Civil, deve-se julgar improcedente tal incidente e, por conseguinte, não poderão ser incluídos no polo passivo da demanda principal os sócios ou demais empresas que tinham sido indicadas como violadoras do último dispositivo citado.

Isto posto, entende-se que o mens legis da produção probatória do IDPJ (Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica), com a citação dos sócios ou empresas que se deseja incluir no polo passivo da demanda principal, é a comprovação cabal do abuso de personalidade, repita-se, quer pelo desvio de finalidade, quer pela confusão patrimonial.

Todavia, vale frisar que o Código de Processo Civil preceitua, de forma expressa, que a desconsideração da personalidade jurídica não precisa se dar de forma incidental na hipótese do § 2º, do artigo 134, do Código de Processo Civil: quando o pedido de desconsideração for feito diretamente na petição inicial.

Por oportuno, dada a relevância da norma supra, vale ofertar abaixo os seus termos:

"Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 2º. Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica."

Com a devida vênia, nos parece ser muito claro tal dispositivo, ao ponto de não ser passível interpretação diversa, sob pena de violar, frontalmente, o seu teor.

Nada obstante isso, vale frisar que há quem defenda que a desconsideração da personalidade jurídica deve se dar, necessariamente, por incidente próprio em alguns casos — v.g., processo executório [1].

Todavia, essa conclusão não se sustenta, permissa venia, pois, repise-se, há previsão clara e expressa da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em função de pedido constante de petição inicial, independente de instauração do incidente, com base no § 2º, do artigo 134, do Código de Processo Civil.

Ora, se o artigo 134 do CPC prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica tanto no processo de conhecimento como nas execuções e, logo em seguida, no artigo 134, § 2º, do mesmo diploma, é disposto que não é preciso a instauração de incidente se o pedido de desconsideração constar da inicial (sem quaisquer ressalvas sobre se isto seria aplicável apenas ao processo de conhecimento ou aos executórios), sem sombra de dúvidas, deve-se aplicar tal norma a todos procedimentos.

E mais, isso não causaria quaisquer prejuízos à dilação probatória necessária a comprovar a presença ou não dos requisitos necessários à desconsideração da personalidade jurídica, porquanto não se pode confundir a possibilidade de inclusão do pedido sem a instauração de incidente com o desrespeito à produção fático-probatória exigida para efeito de desconsideração da personalidade jurídica, e, por conseguinte, aos requisitos exigidos à espécie pelo artigo 50 do Código Civil.

Assim, respeitado o entendimento diverso encabeçado por juristas de renome [2], imperiosa a observância do cristalino teor do artigo 134, § 2º, do CPC, que admite que se requeira a desconsideração da personalidade jurídica no bojo da petição inicial.

Nesse mesmo diapasão, confiramos lição constante de julgado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

"O pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado na petição inicial dispensa a instauração de incidente, no entanto o sócio ou a pessoa jurídica que se pretende incluir no polo passivo deve ser citado para o oferecimento de defesa (CPC, art. 134, §2º)."

Desta feita, esse aresto trata, justamente, de processo executório, sendo oportuna outra ressalva que nele é apresentada: malgrado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica possa ser feito na petição inaugural, isso não afasta a necessidade de citação do sócio ou pessoa jurídica que se deseja incluir no polo passivo, para que apresente defesa.

Com isso, mais uma vez, fica claro que o fato de se admitir o pedido de desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial não afasta a possibilidade de defesa pelos sócios ou pessoa jurídica arrolada como violadora do artigo 50 do Código Civil.

Por todo exposto, entende-se que é possível o pleito de desconsideração da personalidade jurídica no bojo da petição inicial do processo de conhecimento e de execução (judicial ou extrajudicial), repise-se, com fulcro no artigo 134, §2º, do Código de Processo Civil.


[1] TJ-SP; Agravo de Instrumento 2179223-44.2021.8.26.0000; relator (a): Régis Rodrigues Bonvicino; órgão julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível — 16ª Vara Cível; data do julgamento: 29/9/2021; data de registro: 29/9/2021.

[2] Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p 426.

Autores

  • é advogado, graduado em Direito pelo Ibmec-SP; pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-RS. Membro efetivo da Comissão Especial de Direito Civil da OAB-SP.

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