Cartas na mesa

TRF-4 aceita RE, e STF julgará se MP deve revelar provas favoráveis à defesa

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23 de setembro de 2022, 16h33

O vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), Fernando Quadros da Silva, revogou decisão anterior e admitiu recurso extraordinário do empresário do ramo de petróleo e gás Guilherme Esteves de Jesus.

Fellipe Sampaio/STF
Advogados sustentam que é preciso prever o princípio da paridade de armas
Fellipe Sampaio/STF

Com isso, o Supremo Tribunal Federal julgará pedido de fixação de tese de que é dever constitucional do Ministério Público, sob pena de nulidade absoluta, revelar ao réu a existência de provas essenciais à sua defesa que tiverem sido produzidas em procedimentos investigativos ou judiciais que lhe forem estranhos.

Em junho, Silva negou seguimento ao RE. O desembargador apontou que o STF, no Tema 660 de repercussão geral, firmou o entendimento de que "a questão da ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, tem natureza infraconstitucional".

A defesa do empresário, comandada pelos advogados Fernanda Tórtima, do Tórtima, Galvão e Maranhão Advogados, e Claudio Bidino, do Claudio Bidino Advogados, interpôs agravo interno. Eles sustentaram que o Tema 660 não se aplica ao caso dos autos, uma vez que a violação ao contraditório e ampla defesa não depende da análise prévia de legislação infraconstitucional.

Tórtima e Bidino também apontaram violação ao princípio da paridade de armas pelo fato de o MP não compartilhar com a defesa provas colhidas em ações penais diversas. O magistrado então avaliou que a defesa tinha razão e admitiu o recurso extraordinário.

Fair play
A 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da "lava jato", condenou Guilherme Esteves de Jesus a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e pertencimento à organização criminosa. Em novembro de 2021, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) o absolveu do delito de integrar organização criminosa e reduziu sua pena para 16 anos, oito meses e 20 dias de reclusão.

De acordo com a denúncia, apresentada por procuradores de Curitiba, Esteves, como representante do grupo Jurong, se associou a outros representantes de estaleiros, a membros da alta cúpula da Sete Brasil, ao então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e ao então diretor da Petrobras Renato Duque para fraudar a contratação de estaleiros pela estatal por intermédio da Sete Brasil.

A defesa de Esteves interpôs recursos extraordinário, no STF, e especial, no Superior Tribunal de Justiça, contra a condenação.

De acordo com a defesa, os depoimentos dos seguintes delatores desconstruíram a tese acusatória: Renato Duque (em colaboração unilateral), Pedro Barusco (ex-gerente da Petrobras), Eduardo Musa (ex-gerente da Petrobras), João Ferraz (ex-presidente da Sete Brasil), Ricardo Pessoa (ex-presidente da UTC Engenharia), Zwi Skornicki (empresário) e Milton Pascowitch (empresário), além de executivos da Odebrecht.

Tais depoimentos, segundo os advogados, comprovam que Guilherme Esteves "mais não fez do que aceitar um pedido de comissão que lhe fora dirigido por Pedro Barusco no âmbito de um negócio privado celebrado entre as empresas Jurong e Sete Brasil, não tendo efetuado qualquer oferta, promessa ou entrega de vantagem para funcionários públicos". Portanto, não praticou crime.

Repercussão geral
No recurso extraordinário, os advogados de Guilherme Esteves apontaram que os procuradores da extinta "lava jato" de Curitiba não compartilharam provas essenciais à defesa.

A denúncia usou e-mails trocados por executivos da Odebrecht para sustentar a tese acusatória. O principal deles foi uma mensagem enviada por Rogério Araújo a Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e outro executivo do grupo por meio da qual ele apresentava um sucinto relatório de um encontro que teve com Renato Duque. A partir desse e-mail, os procuradores chegaram a conclusões convergentes com a tese acusatória.

Após o fim da instrução processual, em agosto de 2018, a procuradora Laura Tessler juntou ao processo um relatório da Polícia Federal de junho de 2016 — anterior ao oferecimento da denúncia. Esse relatório, desconhecido pela defesa de Guilherme Esteves, analisava documentos apreendidos na Odebrecht. Um mês depois, nas alegações finais, a procuradora pediu a condenação do empresário com base no e-mail entre os executivos da Odebrecht e no relatório da PF.

Depois da condenação de Esteves em primeira instância, a defesa dele teve conhecimento de que Laura Tessler dispunha, desde, pelo menos, março/abril de 2017, de esclarecimentos prestados pelos próprios executivos da Odebrecht a respeito do e-mail, nos quais eles desconstroem a tese acusatória. De acordo com os delatores da Odebrecht, as mensagens não tratavam de suposto conluio para que a Sete Brasil fosse indevidamente beneficiada pela Petrobras e para que os estaleiros Jurong, Keppel Fels, Enseada do Paraguaçu e Rio Grande viessem a ser contratados para a construção de 21 sondas, tal como fez crer o Ministério Público Federal na denúncia e nas suas alegações finais.

"Ora, com a máxima vênia, conforme será melhor detalhado no tópico seguinte, ao proceder dessa forma nos presentes autos, a douta Procuradoria da República de Curitiba acabou por infringir o núcleo essencial de diversas garantias constitucionais indispensáveis para a manutenção de um processo penal típico de um Estado Democrático de Direito, tais como as garantias da paridade de armas, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da busca pela verdade processual e real", argumentam Fernanda Tórtima e Claudio Bidino.

Por isso, os advogados pediram que o STF reconheça a repercussão geral do recurso extraordinário e determine que o Ministério Público tem o dever de compartilhar com a defesa provas que possam favorecer o acusado. Eles lembraram que, nos EUA, tal obrigação foi determinada pela decisão da Suprema Corte no caso Brady vs Maryland.

Esse também é o objetivo do Projeto de Lei do Senado 5.852/2019, de autoria do jurista Lenio Streck e do ex-senador Antônio Anastasia, atual ministro do Tribunal de Contas da União. O PLS pretende alterar o Código de Processo Penal para estabelecer a obrigatoriedade de o Ministério Público buscar a verdade dos fatos. O objetivo é fazer com que o Ministério Público alargue a investigação a todos os fatos pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, independentemente de interessarem à acusação ou à defesa.

Segundo a defesa de Esteves, algumas práticas que vêm sendo adotadas pelo MP, em particular no âmbito dos megaprocessos, como a "lava jato", têm inviabilizado que os réus tomem conhecimento da íntegra do acervo probatório à disposição do Estado que guarde relação com os fatos criminosos que lhes estão sendo imputados nas denúncias.

Dessa maneira, os advogados questionam se o MP tem o dever constitucional de revelar para os acusados as provas essenciais às suas defesas que tiverem sido produzidas em outros procedimentos investigativos ou mesmo judiciais que lhes sejam estranhos; quais são as consequências processuais do descumprimento dessa obrigação por parte do MP; e se essas consequências processuais podem ser relativizadas, por exemplo, se não ficar provado que os promotores ou procuradores agiram com dolo e houver a demonstração de que não havia obstáculos para o acesso dos réus a tais provas.

Outro lado
O Ministério Público Federal do Paraná afirmou à ConJur que não iria se manifestar sobre as alegações de que procuradores esconderam provas favoráveis à defesa de Guilherme Esteves.

"Os procuradores da República atualmente responsáveis pelo caso 'lava jato' não se manifestarão sobre os atos processuais da extinta força-tarefa. Os procedimentos realizados pelo novo grupo serão devidamente divulgados nos canais institucionais do MPF-PR", diz a nota.

Violações a leis penais
No recurso especial interposto ao STJ, a defesa argumenta que a condenação de Guilherme Esteves foi ilegal. Conforme os advogados, ele não praticou corrupção ativa ao concordar com pedido de vantagem feito por Pedro Barusco, então diretor da Sete Brasil e ao posteriormente fazer pagamentos a Renato Duque.

Afinal, a Sete Brasil é uma empresa privada, e, ao momento dos pagamentos, Duque não era mais diretor da Petrobras — ou seja, nenhum dos dois era empregado estatal. E para a caracterização do crime de corrupção ativa, é preciso que a oferta ou promessa de vantagem indevida seja dirigida a um funcionário público com o propósito específico de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar algum ato de ofício no futuro.

Além disso, a defesa alega que Guilherme Esteves não agiu com o propósito de determinar Renato Duque a praticar, omitir ou retardar algum ato de ofício quando concordou com o pedido de comissão que lhe foi feito por Pedro Barusco, em nome próprio, no âmbito de um negócio privado celebrado com o grupo Jurong. E há diversos relatos de delatores nesse sentido, aponta a defesa, afirmando que ele também não praticou lavagem de dinheiro.

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Processo 5050568-73.2016.4.04.7000

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