Licitações e Contratos

Licitações com estrangeiros e a aceitação de atestados do exterior

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

23 de setembro de 2022, 8h00

Diante de limitações do mercado concorrencial no Brasil, para uma determinada necessidade da administração, torna-se impositiva a abertura de licitações a empresas estrangeiras.

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Nesse caso, evidentemente, não se poderá restringir ou dificultar a aceitação de atestados de capacidade técnica de serviços e vendas previamente executadas no exterior, em comprovação do que se conhece como "past performance", que é o histórico de execução de contratos da estrangeira.

Isso porque o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal assegura igualdade de tratamento entre licitantes, o artigo 3º, § 1º, inciso II, da Lei nº 8.666/93 veda aos agentes públicos a conduta de "estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras" e o artigo 9º, inciso II, da Lei nº 14.133/2021 também veda ao agente público a conduta de "estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras".

De outro lado, o artigo 31 da Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o Estatuto das Estatais, ainda que não tenha vedações expressas sobre o tratamento diferenciado em face de estrangeiras, tem no rol de princípios aplicáveis às licitações das estatais o da igualdade e o da competitividade.

E foi nesse contexto que o Tribunal de Contas da União, recentemente, no Acórdão nº 2010/2022 — Plenário, de relatoria do ministro Jorge Oliveira, decidiu, em face de uma estatal brasileira, que edital de oportunidade não pode conter imposição restritiva para aceitação apenas de atestado de serviço já executado no Brasil.

Para o tribunal, não foi suficiente a argumentação sobre barreiras diplomáticas, fuso horário, questões culturais ou falta de experiência em serviços prestados nas dependências da estatal, para justificar a limitação tratada, a impedir a aceitação de atestados de capacidade técnica do exterior.

Seria incongruente abrir a competição aos estrangeiros mas não permitir que os seus atestados do exterior pudessem ser aceitos naquele processo competitivo.

Essa é uma situação inversa à que se conhece de anos atrás, quando a discussão foi de restringir brasileiros de disputarem licitação para execução de serviços no exterior.

No caso, o Tribunal Regional Federal da 1 ª Região entendeu que edital de licitação para serviços de advocacia contenciosa para a União perante a Organização Mundial do Comércio não poderia conter exigência de escritórios de advocacia sediados apenas em Washington e Bruxelas.

O entendimento do tribunal foi de que a presunção liminar de que os brasileiros não conseguiriam realizar o trabalho no exterior constituiria quebra da isonomia, além do que, capacidade técnica é uma questão a ser demonstrada na documentação de habilitação (AG 0044139.28.2007.4.01.0000 DF, relatora desembargadora federal Maria Isabel Gallotti — 6ª Turma — DJF 1 de 4/8/2008).

Em síntese, tudo passa pela igualdade, inclusive nesse outro caminho inverso, do Brasil para o exterior, sendo que a revisão de ideias agora é mais oportuna que nunca, até porque a definição de licitação internacional, agora incorporada ao artigo 6º, inciso XXXV, da Lei nº 14.133/2021, também inclui a licitação cujo objeto contratual possa ou deva ser executado no todo ou em parte em território estrangeiro (essa é uma das variantes de licitação internacional).

Uma outra informação relevante para o contexto, nessa matéria, está no artigo 67, § 4º, da Lei nº 14.133/2021: "Serão aceitos atestados ou outros documentos hábeis emitidos por entidades estrangeiras quando acompanhados de tradução para o português, salvo se comprovada a inidoneidade da entidade emissora" (grifo do autor).

Portanto, agora serão aceitos não apenas atestados, mas também outros documentos.

Isso tudo demonstra que, progressivamente, o Brasil está se abrindo ainda mais em igualdade de acesso a estrangeiros nas licitações, mas não se deve perder de vista que o mesmo vale para brasileiros, quando for o caso do caminho inverso, para execução de objeto no exterior.

E esse caminho de mão dupla demonstra, portanto, avanços rumo à acessão do Brasil ao Acordo de Compras Públicas (GPA) da Organização Mundial do Comércio.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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