Opinião

Constitucionalidade do sigilo do processo judicial sobre a arbitragem

Autor

  • Fernando Brandariz

    é mestrando pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Metropolitanas Unidas (UNIFMU) e em Direito Empresarial Direito Internacional e Law of Masters (LLM) pela Escola Paulista de Direito (EPD) presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros OAB/SP e membro da comissão de juristas do Senado Federal para estudos sobre a reforma do Código Comercial.

23 de setembro de 2022, 19h28

Uma das intensas controvérsias na doutrina é a constitucionalidade ou não do segredo de justiça para processos judiciais que versem sobre o arbitragem, sejam processos que discutem a sentença arbitral por meio da ação anulatória de sentença arbitral, artigo 33 da Lei 9.307/86 [1], ou no processo de cumprimento da carta arbitral [2].

A Lei 9.307/86 que dispõe sobre a arbitragem não é expressa referente a confidencialidade do processo arbitral. Porém, o artigo 13º, que dispõe sobre a regra dos árbitros, precisamente o parágrafo 6º disciplina que "no desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição".

Em diversas câmaras arbitrais brasileiras e internacionais constam em seus regulamentos a expressa informação sobre a confidencialidade do procedimento arbitral.

Portanto, a regra nas arbitragens no Brasil e no exterior é a confidencialidade e não a publicidade.

Nos processos judiciais a regra é a publicidade e a exceção o sigilo, conforme determina o artigo 189 do Código de Processo Civil:

"Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo."

No presente artigo focaremos sobre o inciso IV do artigo 189.

O que se discute na doutrina e jurisprudência é se uma das partes envolvidas no procedimento arbitral ingresse no judiciário para discutir a nulidade da sentença arbitral com base no artigo 33 da Lei 9.307/96, se o processo judicial será sigiloso ou não.

Aparentemente temos um conflito de normas nas regras gerais dos processos: o procedimento arbitral é sigiloso e o processo judicial, público. 

Podemos imaginar um procedimento arbitral o qual se discute a venda de uma empresa ou de uma tecnologia no qual a parte vencida entende a sentença ser nula por algum dos motivos do artigo 32 da Lei.

Perante a arbitragem o procedimento tramitou em sigilo. O processo judicial que discutirá a nulidade da sentença arbitral deverá tramitar também em sigilo ou não?

Há decisões judiciais reputando o inciso IV do artigo 189 inconstitucional por entenderem que a Constituição Federal nos artigos 5, LX [3] e 93, IX [4] não autorizam a restrição criada pelo artigo do Código de Processo Civil e, portanto, o sigilo somente pode ocorrer para preservar a intimidade ou o interesse social.

O público e o privado estão sempre em choque. De um lado temos as garantias constitucionais da liberdade de expressão e de imprensa, artigos 5º, IV [5], IX [6] e XIV [7]e 220 [8], e de outro lado temos as garantias constitucionais da intimidade, privacidade e honra, artigo 5º, V [9] e X [10] da Constituição Federal.

Em 2019 foi sancionada a Lei 13.874, Lei da Liberdade Econômica, entre outras determinações, alterou artigos do Código Civil, sendo alguns deles o artigo 421, §1º, "Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual".

Decisões judiciais que tem manifestado o entendimento de que o inciso IV do artigo 189 do Código de Processo Civil é inconstitucional não merece prosperar.

Como mencionado acima, a Constituição no artigo 5, LX deu poderes ao legislador o poder de restringir a publicidade dos atos processuais "quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

O legislador ao editar o Código de Processo Civil, utilizando do poder conferido pela Constituição Federal, inseriu o inciso IV no artigo 189 dizendo que o procedimento arbitral sigiloso constitui uma das exceções à regra da publicidade.

Ainda, a Lei da Liberdade Econômica estabelece que prevalecerão as relações contratuais privadas. Significa dizer que se as partes estabeleceram no contrato o procedimento da arbitragem, sigiloso, e por algum motivo ingressem no judiciário para discutir a nulidade da sentença, não será o fato de ingressar no judiciário que alterará o contrato anteriormente assinado transformando o processo que tramitou em sigilo em público.

Se entendermos ao contrário, a venda de uma empresa ou de uma tecnologia, que muitas vezes existem contratos de investimentos e segredos industriais, terão esses e outros documentos divulgados para terceiros, inclusive concorrentes.

Importante ressaltar a importância da arbitragem como um dos mecanismos alternativos de resolução de disputa e que o judiciário, quando provocado a se manifestar, respeite a vontade das partes mantendo a segurança jurídica e o acordado pelas partes.


[1] Artigo 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei

[2] Artigo 22 C, § único  No cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem

[3] Artigo 5º, LX  A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

[4] Artigo 93, IX —  todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação

[5] Artigo 5º, IV, C.F  é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato

[6] Artigo 5º, IX, C.F.  é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

[7] Artigo 5º, XIV, C.F.  é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

[8] Artigo 220, C.F.  A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição

[9] Artigo 5º, V, C.F. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[10] Artigo 5º, X, C.F.  são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

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