Direito do Agronegócio

PIS/Cofins e o crédito no transporte de pessoas para o setor do agronegócio

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

23 de setembro de 2022, 8h00

Entre os temas que merecem ainda plena consolidação no sentido de se reconhecer a viabilidade está o direito ao crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo na contratação de prestação de serviço de transporte de pessoas no setor do agronegócio, reconhecendo a sua natureza de insumo conforme artigos 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Spacca
Não é novidade que o texto constitucional, em seu artigo 195, § 12, consagra a necessidade de o legislador dar efetividade a não cumulatividade quanto ao PIS e Cofins.

Isto significa que cabe à lei concretizar, a partir da concessão de créditos, a neutralidade dentro de referida cadeia econômica plurifásica. Vale, inclusive, reforçar que o regime não cumulativo no regime de tributação das contribuições para PIS e Cofins é a regra, sendo a cumulatividade exceção.

Entre os créditos consignados em lei, temos o conhecido artigo 3º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, inciso II, que trata do insumo:

"Art. 3º — Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(…)

II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi".

Dentro desta perspectiva, inclusive, em interpretação ao referido dispositivo normativo, o Superior Tribunal de Justiça, como é de conhecimento, nos autos do recurso especial nº 1.221.170/PR (temas 779 e 780), pontificou que o "conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte".

Em tais condições, impossível se torna a legitimidade na interpretação restritiva ao conceito de insumos diante do claro equívoco metodológico e da ilegalidade existente, sendo forçosa a conclusão no sentido de que o conceito de insumo para fins de PIS e Cofins é abrangente (amplo), comportando todos os custos, despesas, gastos e dispêndios que contribuam de forma direta ou indireta para o exercício da atividade econômica (produção, industrialização, prestação de serviço e comércio) visando à obtenção de receita [1], salvo expressa previsão legal em sentido contrário [2].

Levando em considerações esaas breves premissas, nos parece importante tratar da possibilidade da tomada de crédito de PIS e Cofins, no regime não cumulativo, para as pessoas jurídicas do setor rural e agroindustrial que contratam terceiros prestadores de serviço para realizar o transporte de pessoas da zona urbana até a rural, onde efetivamente está toda atividade produtiva.

Como dito a pouco, para configurar insumo, levando em consideração o posicionamento geral da jurisprudência e precedente vinculante do Superior Tribunal de Justiça, é preciso que se reconheça em tal serviço a essencialidade e/ou relevância no processo produtivo.

Em nossa visão, entendemos que as peculiaridades do setor agroindustrial tornam claramente essencial o transporte de pessoas, uma vez que, em regra, sua estrutura é distante dos centros urbanos, não sendo de fácil acesso, inexistindo inclusive transporte público.

Ademais, para às áreas agrícolas, tal essencialidade é ainda mais evidente, lembrando que a produção rural compreende importante etapa do processo produtivo de uma agroindústria, tratando-se, atualmente, de tema pacificado.

Com isso, existem razões jurídicas e fáticas que nos permitem afirmar ser claramente possível o crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo em tais ocasiões, dada a sua nítida essencialidade. Não se descartando, eventualmente, que referido transporte seja objeto de acordo coletivo ou convenção, o que o leva a se tornar também relevante.

Apesar de ser evidente o direito dos contribuintes, dada a essencialidade e até relevância deste serviço, caracterizando como insumo, importante se torna apreciar a jurisprudência administrativa a respeito do tema.

Neste sentido, realizamos um levantamento de casos concretos envolvendo o transporte de pessoas ou combustível voltado à agroindústria no setor sucroalcooleiro, onde identificamos, sem pretensão de exaustão, os seguintes julgamentos perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf):

Acórdão

empresa

Data do Julgamento

Seção de Julgamento

Câmara

Turma

Resultado (favorável ou desfavorável?)

9303-012.086

COSAN S/A

20/10/2021

3ª T / CSRF

Desfavorável

3301-011.081

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

 

1ª TO

Favorável

3301-011.077

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.074

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.073

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.076

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.075

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.071

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.079

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3301-011.083

S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL

21/09/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.178

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.173

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

 

1ª TO

Favorável

3201-009.172

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.177

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.176

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.170

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.175

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.174

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.169

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-009.168

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

27/08/2021

1ª TO

Favorável

3201-007.547

TIMBAUBA S.A.

18/11/2020

1ª TO

Desfavorável

3302-009.753

USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL

21/10/2020

 

2ª TO

Desfavorável

3302-009.754

USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL

21/10/2020

2ª TO

Desfavorável

3302-009.755

USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL

21/10/2020

2ª TO

Desfavorável

3201-007.258

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

23/09/2020

1ª TO

Favorável

3201-009.226

DELTA SUCROENERGIA S/A

21/09/2020

1ª TO

Favorável

9303-010.724

COSAN S/A

17/09/2020

 

 

3ª T / CSRF

Desfavorável

3201-007.023

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

28/07/2020

1ª TO

Favorável

3201-006.374

USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL

18/12/2019

1ª TO

Favorável

3201-006.373

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

18/12/2019

1ª TO

Favorável

3201-006.372

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

17/12/2019

1ª TO

Favorável

3201-006.371

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

18/12/2019

 

1ª TO

Favorável

3201-006.368

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

18/12/2019

1ª TO

Favorável

3201-006.369

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

18/12/2019

1ª TO

Favorável

3201-006.370

USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

18/12/2019

1ª TO

Favorável

9303­008.299

COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO

20/03/2019

3ª T-CSRF

Desfavorável

9303­008.300

COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO

20/03/2019

3ª T-CSRF

Desfavorável

3302-006.737

COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO

27/03/2019

2ª TO

Favorável

3302-006.736

COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO

27/03/2019

2ª TO

Favorável

Embora seja possível notar uma quantidade maior de julgamentos favoráveis aos contribuintes [3], infelizmente, ainda existem decisões desfavoráveis, em especial, da Câmara Superior [4].

Conforme acima exposto de forma breve, o transporte de empregados para a zona rural, onde está o estabelecimento de agroindústrias e agropecuárias, é um serviço essencial e há de ser considerado insumo nos termos do artigo 3º, II, das Leis nº 10.6372002 e 10.833/2003, sob pena de gerar cumulatividade no setor e, principalmente, ignorar características e peculiaridades notórias vivenciadas por tais atividades.

Em tais condições, embora nos pareça possível o crédito de PIS e Cofins, no regime não cumulativo, quanto à contratação de pessoas jurídicas para transporte de pessoas no setor do agronegócio, uma vez que se trataria um serviço essencial e até relevante, configurando insumo, conforme o artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, a jurisprudência ainda é contraditória, cabendo uma reflexão mais profunda principalmente da Câmara Superior do Carf.

 


[1] – CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e Cofins não-cumulativo. Algumas ponderações. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 176, 2010. p. 41-64.

[2] – A fim de evitar equívocos na interpretação, as vedações expressas de créditos estão no art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003.

[3] – "CRÉDITO. TRANSPORTE DE FUNCIONÁRIOS. ÁREAS DE CULTIVO. POSSIBILIDADE. O transporte de funcionários até as áreas de cultivo são equiparados ao conceito jurídico intermediário de insumo e também configuram hipótese de aproveitamento de crédito da não-cumulatividade das contribuições sociais. Fundamento: Art. 3.º, inciso II da Lei 10.833/03" (Carf, 3ª Seção, Ac. 3201-009.226).

[4]"CONCEITO DE INSUMOS. CRÉDITO DE PIS E COFINS NÃO CUMULATIVOS. Com o advento da NOTA SEI PGFN MF 63/18, restou clarificado o conceito de insumos, para fins de constituição de crédito das contribuições não cumulativas, definido pelo STJ ao apreciar o REsp 1.221.170, em sede de repetitivo – qual seja, de que insumos seriam todos os bens e serviços que possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade ou inutilidade da mesma prestação do serviço ou da produção. Ou seja, itens cuja subtração ou obste a atividade da empresa ou acarrete substancial perda da qualidade do produto ou do serviço daí resultantes. Nessa linha, deve-se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre os gastos relativos ao plantio da cana-de açúcar e manutenção da lavoura; gastos com armazenagem. E, por conseguinte, não reconhecer o direito ao crédito sobre gastos com transporte de funcionários, eis que se tratam de mera despesa administrativa (atividade meio)." (Carf, CSRF, Ac. 9303-010.724).

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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