Opinião

Novo regulamento europeu sobre commodities de áreas de desmatamento

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22 de setembro de 2022, 15h09

Em 2020, a União Europeia (UE) aprovou o compromisso de se tornar o primeiro continente neutro em relação ao clima em 2050. O conjunto de medidas adotadas para atingir esse objetivo é conhecido como Pacto Verde Europeu. Em 2020, a UE aprovou o Green Deal como uma série de iniciativas políticas para a neutralidade climática em 2050.

Agência Brasil
Agência Brasil

Dentro deste movimento, o Parlamento Europeu está votando nos próximos dias uma proposta de regulamento sobre a disponibilização no mercado da UE, bem como a exportação a partir da UE de certas mercadorias e produtos associados ao desmatamento e degradação florestal e que revoga o Regulamento (UE) 995/2010.

O Regulamento proposto não é inteiramente novo, mas construído a partir da experiência anterior do Timber Regulation, um regulamento próprio para o comércio de madeira na EU. A exposição de motivos (explanatory memorandum) da proposta de regulamentação afirma que o principal motor do desmatamento e da degradação florestal e do consequente impacto no clima, é a expansão das terras agrícolas para a produção de commodities, com destaque para carne bovina, cacau, café, dendê e soja e, para conter essa expansão, o regulamento condiciona a colocação e disponibilização daquelas commodities e de produtos derivados no mercado da UE à confirmação de que estes produtos não provêm de áreas desmatadas (deforestation-free) a partir de 3 de dezembro de 2020 ainda que seja o desmatamento legal no país de origem. Esta confirmação deve ser obtida pelos interessados por meio de sistema de due diligence obrigatório e escalonado, combinada com um sistema de benchmarking entre os países produtores.

Uma vez publicado o novo regulamento ele entrará em força após um ano e, em caso de não observância das suas provisões, o regulamento prevê medidas provisórias para determinar que os agentes em desconformidade adotem as medidas corretivas adequadas, sem prejuízo das seguintes penalidades: (1) apreensão das mercadorias, produtos e receitas pertinentes, (2) multas; (3) suspensão ou proibição de atividades económicas relevantes, e (4) exclusão dos processos de contratação pública.

Assim, os produtores e exportadores brasileiros precisarão cooperar com os operadores europeus e traders para atender aos requisitos de informação e mitigação que o regulamento impõe, o que pode incluir a manutenção e fornecimento de documentos e informações detalhadas sobre a descrição do produto, nomenclatura, quantidade, país de produção, coordenadas de geolocalização, permissão específica para uso da área no procedimento de produção, data ou intervalo de tempo de produção e qualquer outra importante informações para provar que commodities e produtos derivados provêm de área não desmatada a partir de 31/12/2020.

Importante destacar que certificação ou outras formas de auditoria e rastreabilidade por terceiros podem ser usados o procedimento de avaliação/mitigação de risco do produto, no entanto, eles não substituem a responsabilidade do operador em relação à procedimento de due diligence previsto no regulamento.

Em nossa análise a proposta do novo regulamento tem a característica de se pretender regular aspectos ambientais que interferem nas atividades de produção — os chamados Processos e Métodos de Produção (PPMs) — externos ao estado regulador, nesse caso a EU, embora aparentemente pretenda regular o comércio interno de determinados produtos.

Embora a lei da OMC não proíba esse tipo de medida, o Regulamento proposto pode estar em tensão com as disciplinas da OMC, incluindo a obrigação de tratamento de nação mais favorecida (MFN) e a obrigação de tratamento nacional (NT) sob o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt) ou os requisitos do Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT). Nesse sentido, os membros da OMC não devem discriminar entre produtos "similares" importados de diferentes países e não devem conceder tratamento mais favorável a produtos nacionais do que a produtos similares estrangeiros. Por exemplo, o sistema de benchmarking do país pode supostamente tratar commodities importadas de países de alto risco de forma menos favorável do que commodities concorrentes originárias de países na categoria de baixo risco.

De toda forma, a sojicultura brasileira já desde há muito vem se mostrando sustentável e ambientalmente sustentável. A Moratória da Soja, o Protocolo Soja Verde, a iniciativa Soja Plus, são todos exemplos de que o Brasil não deverá, em princípio, sofrer grandes impactos com a entrada em vigência do novo regulamento europeu, ainda assim, esta iniciativa da EU deixa claro que as demandas desse tipo sobre a produção brasileira estão apenas começando.

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