Opinião

Sub-representação na política da pessoa com deficiência e capacitismo estrutural

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21 de setembro de 2022, 19h19

A sub-representação de grupos em situação de vulnerabilidade ainda é uma triste realidade na política brasileira, o que acaba por fragilizar a própria democracia. Eis que um sistema verdadeiramente democrático deve considerar a participação política de todos os grupos de forma equânime e inclusiva [1].

As pessoas com deficiência — diante do lamentável cenário de exclusão e violência das quais foram e ainda são vítimas — estão dentro desse perfil diante do baixo quantitativo de parlamentares com deficiência no Brasil. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral registrou 45 candidaturas de pessoas com deficiência nas eleições de 2022 [2], número extremamente baixo considerando a totalidade de pessoas com deficiência no Brasil.

Importante ressaltar que a legislação internacional e a legislação nacional asseguram os direitos políticos de pessoas com deficiência, tanto no exercício da cidadania ativa, assim como no exercício da cidadania passiva. Nesse sentido é o artigo 29 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência — incorporada pelo Brasil com status constitucional e o artigo 76 da Lei Brasileira de Inclusão, dentre outros.

Os fatores que geram a baixa participação política de pessoas com deficiência estão diretamente relacionados com o capacitismo estrutural. O capacitismo é o fenômeno de exclusão e violência contra pessoas com deficiência e configura-se enquanto um tipo de violência estrutural eis que transcende o âmbito da ação individual, e, muitas vezes, as suas condições acabam sendo reproduzidas pelas próprias instituições para o estabelecimento e a manutenção da ordem social [3].

Dentro do contexto dos direitos políticos, especificamente no tocante ao direito de se candidatar, as concepções capacitistas geram seus reflexos de diversas maneiras. Uma delas é a propagação de ideias baseadas em estereótipos equivocados de que pessoas com deficiência são frágeis, doentes e não possuem condições de exercer um cargo político. Não se pretende aqui negar algumas limitações experienciadas por pessoas com deficiência, mas o que se defende é que tais situações devem ser contornadas através da eliminação e amenização de barreiras por meio da oferta de tecnologias assistivas que garantam acessibilidade para o exercício da função pública.

Outra vertente do capacitismo no exercício dos direitos políticos ocorre por meio da divulgação de crenças errôneas baseadas nas já superadas ideias de exclusão e de segregação. A primeira pregava que pessoas com deficiência não tinham nada a acrescentar e deveriam ser marginalizadas socialmente, enquanto a segunda entendia que pessoas com deficiência deveriam conviver somente entre si em seus guetos, sem contato com o restante da sociedade. O Brasil atualmente vive a transição da integração (a pessoa com deficiência é que deve se "normalizar" para estar nos ambientes sociais) para a inclusão (a sociedade é que precisa eliminar as barreiras de forma a permitir a plena inclusão social de todos) e isso precisa ser refletido diretamente no exercício dos direitos políticos com a eliminação de toda e qualquer barreira que impeça o gozo pleno e efetivo dos mesmos, possibilitando o direito de votar, de se candidatar, e de exercer um cargo político (caso venha a ser eleito) em igualdade de condições com as demais pessoas e da forma mais autônoma possível.

A disseminação dessas ideias equivocadas associada com a ausência de acessibilidade para o exercício dos direitos políticos gera violência política contra pessoas com deficiência. O conceito de violência política pode ser importado, por analogia, da Lei 14.192 de 2021 que combate a violência política contra a mulher. Adaptando o mesmo para a realidade das pessoas com deficiência, a violência política capacitista seria toda e qualquer ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da pessoa com deficiência.

O combate ao capacitismo de forma a permitir maior participação política das pessoas com deficiência exige esforços conjuntos de diversos atores sociais, de forma a estimular as pessoas com deficiência no exercício dos seus direitos políticos, inclusive participando de processos eleitorais. Esse impulso deve ser feito por meio de políticas públicas que gerem um contexto de empoderamento dessas pessoas, protegendo-as da violência política capacitista.

Esse empoderamento também pode ser gerado, dentre outras formas, por meio de ações afirmativas como as políticas de cotas para a candidatura de pessoas com deficiência. No Brasil ainda não há lei nesse sentido, mas uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 34 de 2016) que objetiva alterar a Constituição de modo a prever um quantitativo de cadeiras para pessoas com deficiência no Parlamento.

A participação de pessoas com deficiência na política brasileira ainda precisa ser mais estimulada, o que se dá com a superação gradativa do capacitismo e suas diversas vertentes. E é dessa forma que estaremos caminhando no sentido de fortalecimento da democracia.


[1] Quintela, Débora Françolin. Dias, Joelson Costa. Fonseca, Marcelli de Cássia Pereira da. Democracia Paritária e as duas metades da laranja: das cotas de candidatura à paridade de assentos. Disponível em: https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/8167 Acesso em 13.09.2022.

[2] Dados oficiais disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral: https://www.tse.jus.br/

[3] THOMAS, C. Disability and impairment. In: Disabling barriers: enabling environments. John Swain; Sally French; Colin Barnes, Carol Thomas (Eds.). 2. Ed. Londres: Sage Publications, 2004, pp. 21-27.

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