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Bauab e Takiguthi: Transparência do processo eleitoral e LGPD

21 de setembro de 2022, 10h02

Por José D'Amico Bauab, Cintia Takiguthi

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A democracia tem como um de seus pressupostos essenciais o binômio informação-transparência, e o acesso à documentação que compõe o processo eleitoral é indispensável para dar efetividade ao controle que cabe à sociedade fazer, não só para melhorar o nível de ética e de eficiência na escolha, pelo voto, dos agentes políticos que disputam cargos no Poder Executivo e no Poder Legislativo, mas também, e principalmente, para afastar aqueles que não são dignos de exercer funções públicas eletivas. Por outro lado, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), um inegável avanço no campo das garantias e direitos fundamentais, tem sido muitas vezes usada para limitar ou impedir aquele acesso.

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Este artigo tem como objetivo analisar, de maneira sistemática e equânime, a citada lei com a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei de Arquivos, e propor um caminho razoável para preservar a transparência do processo eleitoral como condição inafastável de aperfeiçoamento do regime democrático brasileiro. Afinal, a partir do momento em que, pelas vias formais, uma pessoa, no pleno gozo de seus direitos políticos, resolve submeter-se ao escrutínio popular para ocupar um cargo público, passa a assumir o papel de figura pública, o que autoriza que, sobre ela, incida um legítimo controle social, muitas vezes concretizado pela ação dos órgãos de imprensa e pressupondo o acesso aos dados pessoais do candidato ao posto eletivo. Antes, a mera filiação partidária já configura uma atividade pública e, como tal, deve ser exposta, com o devido comedimento e aceitável justificativa (como, por exemplo, para fins de uma investigação jornalística).

Aliás, tirante as informações classificadas em ultrassecretas, secretas e reservadas (ou seja, aquelas fundamentais para a segurança da sociedade e do Estado), que exigem um regime jurídico próprio de tratamento, o acesso a informações pessoais, constantes de documentos eleitorais, para fins jornalísticos e acadêmicos, se dá sob o crivo dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que inspiram a aplicação de todo o ordenamento jurídico e abrem as portas para a hermenêutica simultânea da LAI, da LGPD e da Lei de Arquivos.

O risco de uma colisão entre o direito à informação (e aqui se inclui o direito de consulta a arquivos públicos) e a proteção de dados pessoais não se pode resolver por um bloqueio, prévio e feito às cegas, do acesso informacional. Mutatis mutandis, seria o mesmo que aplicar a medida de censura prévia para resolver um conflito entre a publicação de uma notícia sobre alguém e a alegação de dano à honra, quando a decisão mais sensata indicaria a aquiescência à publicação, passível, se lesiva, de gerar a responsabilização civil e criminal de quem a promoveu.

Dessa forma, o ato preliminar de assinatura de um termo de responsabilidade que situa o consulente na condição jurídica de controlador, no conceito que lhe é dado pela LGPD, com todos os ônus decorrentes dessa posição, quanto ao tratamento dos dados pessoais objetos do acesso, chancela a garantia da observância sincrônica e equânime da LAI, da LGPD e da Lei de Arquivos, consagrando-se assim o direito de consulta a arquivos públicos sem se descurar do respeito aos dados pessoais.

É imperioso observar-se que o uso enviesado da lei protetiva dos dados pessoais não pode se tornar instrumento coadjuvante, ainda que involuntário, num eventual processo de degradação do regime democrático brasileiro e, para evitar-se esse perigo, o princípio da transparência do processo eleitoral há de estar sempre na perspectiva dos controladores da LGPD, no âmbito da Justiça Eleitoral.

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