Opinião

Consciência ecológica política: a verdadeira necessidade brasileira

Autor

  • Bárbara Cristina Kruse

    é doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestre em Gestão do Território pela UEPG especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap-PR) advogada acadêmica do mestrado profissional em Direito pela UEPG e integrante da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário/Agronegócio da subseção de Ponta Grossa (OAB-PR).

21 de setembro de 2022, 16h04

No último dia 13 de setembro, os meios de comunicação divulgaram que o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para permitir a adoção de medidas sancionatórias no que tange a comercialização de produtos advindos do desmatamento de bioma nativos. O texto ainda precisa ser aprovado por cada um dos países membros da União Europeia. Entrementes, em que pese o texto ainda não ser uma resolução vigente, pode-se dizer que essa aprovação evidencia o recrudescimento da consciência ecológica no século 21.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Apesar das interpretações brasileiras dominantes do agronegócio e políticas tenderem à contrariedade destas medidas repressivas, olvida-se que não se considera, neste cenário, o potencial brasileiro em explorar outras formas lucrativas de compensação ambiental. É possível, por exemplo, agregar valor ao produto que se utiliza de fontes sustentáveis de cultivo e manejo, sobretudo daqueles que tenham alguma certificação ambiental focada nas demandas europeias.

Nesse contexto, se sobreleva a pesquisa e investimentos tecnológicos, para que, na prática, haja integração das atividades que recuperem áreas degradadas em paralelo com a intensificação da produção. É o caso, por exemplo, da pecuária que utiliza técnica da carne de carbono neutro visando maior conforto e bem-estar ao animal e compensa as emissões de metano entérico com árvores; ou ainda, da agricultura que aplica a semeadura de plantio direto sobre a palha; ou ainda, a utilização de fontes limpas de energia que gera crédito graças à diminuição dos gases do efeito estufa e, consequentemente, da emissão de combustíveis fósseis.

A sustentabilidade, como já mencionei em outras ocasiões, é a mais importante oportunidade do Brasil em despontar a uma nova hegemonia ecológica mundial. É a possibilidade, inclusive, de conseguir alavancar a balança da exportação de um produto considerado — pelos padrões de mercado mundial — de baixo valor agregado. O setor primário, a partir de selos de certificação, crédito e sequestro de carbono, pode se assemelhar (no valor) com produtos do setor secundário, vinculação aí, que se faz em torno da indústria ecologicamente preparada.

A potencialidade do mercado sob o prisma ecológico ainda é pouquíssima explorada. O mercado de crédito de carbono, contudo, tende ao fortalecimento nos próximos anos, assim como os selos verdes e outras formas de redução dos gases do efeito estufa e da pegada ecológica. Por isso, não é sensato aos países emergentes desviarem-se de paradigmas ecológicos, ao passo que novas posturas paulatinamente adentrarão no cenário mundial. Talvez, ao encontro dessa tendência, seria pertinente o resgate do assunto quanto a cobrança da dívida ecológica, conforme o economista Joan Martínez Alier (2018), pois a mesma é legítima e favorável ao Sul Global. Ou ainda, retomar — com afinco — o objetivo 17 da Agenda 2030 (reafirmado da Agenda 21), qual seja, o compromisso dos países desenvolvidos em implementarem a assistência oficial ao desenvolvimento [AOD] e o repasse de 0,7% da renda nacional bruta [RNB] aos países em desenvolvimento, dos quais 0,15% a 0,20% para os países menos desenvolvidos.

Os países do Sul Global, devem pleitear recursos financeiros aos países do Norte, a fim de promover políticas que alcancem a sustentabilidade e a reestruturação da dívida pública de cada país. Não menos importante, a pauta que deve ser estabelecida é aquela que indague de que forma os países desenvolvidos promoverão a transferência, a disseminação e a difusão de tecnologias ambientalmente corretas. Essa, sim, deve ser a nossa preocupação, enquanto país periférico, tendo em vista a inquietação mundial do presente em direção ao futuro: tanto para não se chegar ao tipping point climático, bem como para intensificar nosso poder de negociação perante aos que precisam do que produzimos e exportamos.

Questionar a ciência com teorias negacionistas, por exemplo, somente conduz-nos em posição de impasses diplomáticos. É preciso, portanto, aproveitar o momento e "contra-atacar", postulando aquilo que já está estabelecido nas publicações de encontros ambientais internacionais. O pensamento conservacionista (retrógrado no cenário mundial) precisa aquiescer o momento sociológico que estamos vivendo e assentir a posição estratégica do Brasil diante do tema da sustentabilidade.

Como as lições do próprio do capital nos ensinam (aqui refiro-me a Marx, O Capital), as crises são essenciais para a manutenção do sistema capitalista, pois oferecem novas oportunidades de expansão do capital. Nesse horizonte, as crises ambientais podem ser vistas como uma oportunidade do Sul em estabelecer uma nova configuração mundial. Essa situação, só se mostra possível, graças a desuniformidade da utilização dos recursos naturais no planeta, bem como pela distribuição desigual desses mesmos recursos. Pode-se dizer, ademais, em uma visão um tanto quanto futurística, que a questão ambiental é uma aliada do Sul frente à iminência de uma ruptura metabólica do sistema atual (KRUSE; CUNHA, 2022). Imprescindível, portanto, uma consciência ecológica política!


Para mais informações, vide:
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/13/parlamento-europeu-amplia-proibio-a-commodities-ligadas-ao-desmatamento.ghtml

https://climainfo.org.br/2022/08/23/brasil-articula-paises-emergentes-contra-proposta-da-ue-para-barrar-commodities-associadas-ao-desmatamento/

https://odsbrasil.gov.br/home/agenda

ALIER, Joan Martínez. O Ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2018.

KRUSE, Barbara Cristina; CUNHA, L. A. G. A questão ambiental sob a pujante do Estado em crise. Revista EDUCAmazônia — Educação, Sociedade e Meio Ambiente, v. XV, p. 106-131, 2022.

MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Civilização Brasileira, 2020.

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  • Brave

    é consultora ambiental, doutora em ciências sociais aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), mestre em gestão do território (UEPG), especialista em Direito Aplicado (Emap-PR), acadêmica do mestrado profissional em Direito pela UEPG, integrante da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário/Agronegócio da subseção de Ponta Grossa da OAB-PR e pesquisadora da área cultural e ambiental.

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