Opinião

Considerações sobre a arguição de relevância em recurso especial

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16 de setembro de 2022, 12h04

Sem dúvida alguma foi de avanço indiscutível no aperfeiçoamento da administração dos tribunais superiores a introdução dos institutos da súmula vinculante, da repercussão geral (EC 45/2004), dos recursos repetitivos (artigo 543-C CPC/73 e, posteriormente, artigo 927, III do CPC) e agora, recentemente, tivemos a inserção da arguição de relevância no sistema constitucional, pela Emenda 125/2022.

Referida emenda traz nova redação aos §§ 2º e 3º do artigo 105 da CF, com a seguinte dicção:

"Art. 105. …
§ 1º…
§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:
I – ações penais;
II – ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;
VI – outras hipóteses previstas em lei."(NR)
Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo."

Trata-se, portanto, de uma nova compreensão de um filtro de admissibilidade do recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça, criado pelo legislador constitucional, que merece algumas reflexões.

O Tribunal da Cidadania nasceu com a promulgação da Constituição Federal tendo por função precípua o papel de guardião do respeito à legislação federal, a fim de que seu significado, dentro do território nacional seja uno e ao efetivo.

Ao longo de sua história, o STJ criou alguns filtros de gerenciamento de processos no âmbito de sua instituição, no intuito de dar maior celeridade aos processos e evitar uma longa fila de apreciação junto ao tribunal. Dentre eles, citamos, por exemplo, a Súmula 7, que dispõe que matéria que revolva reexame probatório dos autos não pode ser apreciada em sede de recurso especial.

Muito embora na teoria a redação da súmula seja irretocável e uma ferramenta indispensável, na prática, o que temos visto é a mesma sendo aplicada de forma indeterminada para todos os feitos, de forma indeterminada e sem controle, levando muitas vezes o tribunal a deixar de praticar aquela que é sua função primordial, qual seja, dar ao jurisdicionado a efetividade à legislação federal, invocada no interesse ali tutelado.                                                       

Dessa forma, com a criação de mais um filtro de admissibilidade ao recurso especial, trazido pelo legislador constituinte, ao criar novas competências ao STJ, nosso grande temor é que aquele Tribunal tão valorizado pela Constituição de 1988, que ganhou o status de "Tribunal da Cidadania" se transforme num "Tribunal de teses", deixando de dar ao jurisdicionado mais estabilidade, previsibilidade e confiabilidade às decisões judiciais, desvirtuando-se da missão a ele dada pelo constituinte.

No tocante à vigência, muito embora o artigo 2º disponha que será aplicada após sua entrada em vigor (15/7/2022), dando uma ideia de marco temporal para se aplicar o direito intertemporal, entendemos que se faz necessária a edição de uma lei e de previsão no regimento interno, como ocorreu no instituto da repercussão geral.

Lembramos, ainda que a arguição de relevância somente poderá ser aplicada a partir da edição da lei nova, não cabendo aos tribunais deixar de conhecer do recurso especial enquanto não existir a Lei nova, como ocorreu com a repercussão geral.

Dentre as questões suscitadas para arguição de relevância, aquela que nos parece mais relevante por envolver, de rigor, é a questão do que seria conceituado por questão relevante. Podemos afirmar que haveria relevância presumida? Pode ocorrer presunção de relevância nos processos coletivos?

O §3º do artigo trata das situações de presunção de relevância, pois nos incisos de I a IV a própria lei enumera a relevância em razão da matéria, nos casos de ações de improbidade administrativa, ações penais, ações que possam gerar inelegibilidade e causas acima de 500 salários mínimos.

No tocante ao teto criado pelo legislador constituinte vale mencionar que nas causas acima de R$ 606 mil, atualmente, o texto constitucional já considera como uma questão relevante. Se a causa tiver valor inferior, a parte deverá demonstrar caso a caso o motivo que entende ser a causa relevante, dentro dos parâmetros permitidos pelo legislador.

O valor da causa não pode ser critério para se buscar a justiça, pois o simples fato de uma causa ter valor superior a 500 salários mínimos não significa, necessariamente, que a questão tenha relevância jurídica. Pode ocorrer, entretanto, que o valor envolvido seja inferior a tal teto mas seja de extrema relevância, principalmente no campo do direito público, em causas tributárias e ambientais, por exemplo.

Acreditamos que nos casos de recurso especial em que se discute IRDR e Irac, acreditamos que irá melhorar a gestão dos casos, pois os tribunais locais poderão usar melhor tais institutos.

Por fim, finalizamos tais considerações com uma única certeza, a relevância será aquilo que o Superior Tribunal de Justiça quiser que ela seja.

Por outro lado, no inciso V, temos uma questão processual que seria a discussão sobre o texto "contrariar jurisprudência dominante".

Para nós, o legislador infraconstitucional falhou ao deixar de conceituar tal questão, pois deixou ao critério do legislador infraconstitucional e ao regimento interno do STJ conceituar o que se entenderá como "jurisprudência dominante", com a criação de um texto legal objetivo que evite ao máximo qualquer chance de discricionariedade.

Em nossa opinião, jurisprudência dominante deve ser conceituada como aquela que tenha sido uniformizada no julgamento de recurso repetitivo, de embargos de divergência, de IRDC ou IAC no próprio Superior Tribunal de Justiça.

No tocante ao órgão competente para julgamento, entendemos que não é conveniente que a turma decidia tal matéria, dada a natureza e peculiaridade de tal decisão tenha força vinculante, que a mesma seja feita pelo órgão superior, como ocorre com o recurso repetitivo.

Será trazido a debate se caso o Superior Tribunal de Justiça entenda que a questão não é relevante quem controlará as decisões do STJ?

Cabe ressaltar, desde já, que a reclamação não é o meio admissível para aplicação de teses firmadas em casos de recursos repetitivos[1]. A nosso ver, entendemos que o melhor remédio processual seria o cabimento de uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), pois o direito de acesso à jurisdição, em que há unificação da jurisprudência pelo STJ se caracterizaria como uma violação a um preceito fundamental, podendo ser admitido, assim, o seu cabimento.

Entendemos que são reflexões que merecem ser tratadas com muita atenção, dada a importância e abrangência do tema que trará impactos na rotina dos tribunais e jurisdicionados.


[1] Rcl n. 36.476/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 5/2/2020, DJe de 6/3/2020

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