Sustentabilidade e agronegócio: uma parceria promissora
13 de setembro de 2022, 13h17
A marca determinante na histórica brasileira é a monocultura baseada na produção latifundiária, em conjunto com a utilização da mão-de-obra de pessoas escravizadas. Na verdade, a colonização portuguesa baseou-se em uma "realidade econômica e social se articulará num complexo político, que governa as praias e atravessa os sertões, por meio do financiamento aos meios de produção, sobretudo do escravo, e dos vínculos aos compradores europeus" (FAORO, 2012, p. 135). Além disso, o Brasil foi traçado pelo regime de capitanias hereditárias via sesmarias, em que privilégios foram outorgados aos comerciantes ligados a metrópole. Neste contexto:

"O pontapé inicial da configuração do patronato brasileiro se dá com tal conjuntura, enquanto esse regime de terras só veio a ser abolido em 1822, com a independência brasileira. Não se tratou, portanto, de um lapso temporal pequeno de distribuição de terras, mas sim, de um processo histórico que perdurou por quase três séculos. Ao capitão e donatário, estava legitimada a configuração do poder local, na medida o poder era controlado e submetido por sua influência, confundindo-se assim, a figura do Estado" (KRUSE, 2021, p. 44).
Caminhando na linha do tempo, portanto, o patrimonialismo faz parte das relações de poder que se sobrepuseram a atuação pura do espírito do capitalismo, como defendeu Max Weber (2013). Inclusive, para Raimundo Faoro, o capitalismo dirigido pelo Estado, tal qual no Brasil, impediu o desenvolvimento de uma ótica empresarial, anulando assim "a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades econômicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas, todas, aos monopólios e concessões reais" (FAORO, 2012, p. 35). O patrimonialismo, por consequência, faz parte da nossa história e é totalmente diferente dos traços pretéritos europeus.
A configuração econômica do Brasil atualmente, neste panorama, é reflexo dos seus desdobramentos coloniais, diga-se de passagem, enquanto colônia de exploração. A agricultura e a pecuária estão em nossas veias enquanto formação de Estado-nação, de forma que, não é possível dissociar o setor primário-exportador e a sua considerável fatia do PIB alavancada. O agronegócio, neste sentido, com sua grande variedade na pauta, é grande protagonista da exportação nacional. Deste modo, militar em desfavor de algo que fazemos secularmente e que nos garante uma posição econômica favorável, é no mínimo, contrassenso. Não há como negar que a agropecuária brasileira é importante no contexto global.
Quanto às questões agrárias, surgem as demandas ecológicas, as quais, desde sempre, intentam impor um modelo a ser seguido. Essa preocupação disseminada nos encontros internacionais desde 1972, na Conferência de Estocolmo, já foi alvo de muitas polêmicas e rivalidades entre os países do Norte face aos do Sul. Inclusive, intelectuais brasileiros, como Celso Furtado (1974) e Josué de Castro (1973) se posicionaram contra aos métodos científicos que demandam ser estabelecido um protótipo no Sul Global. A crítica, por isso, fundava-se no posicionamento de que ecologia, ainda que legítima a preocupação, não deveria seguir um padrão moldado pelo Norte.
Outros encontros científicos foram realizados e a consciência de que mudar é necessário, vem sendo cada vez mais disseminado no panorama mundial. Metas são lançadas e "acordo de cavalheiros", pois não coercitivos, são assinados. Porém, a corrida do século XXI, ainda que antagônica aos interesses ecológicos, faz-se na inovação e tecnologia, na utilização de recursos naturais não renováveis e no abastecimento das demandas produtivas e mercadológicas. O Brasil, neste sentido, não consegue despontar nesse mercado da inteligência artificial e equipamentos que envolvem técnicas e instrumentos digitais. A ideia que se passa é que estamos sempre um passo atrás diante dos produtos internacionais e o valor agregado do que é nacional sofre desvalorização.
Ocorre que, projeções científicas contemporâneas vêm instigando medidas urgentes em prol da ecologia como valor a ser sustentado. Urgente se tornou a sustentabilidade. A pegada ecológica do mundo não comporta mais a cultura do descarte. É preciso mudar. Algo precisa ser feito. Onde está o Brasil em todo esse alvoroço? A verdade é que o Brasil tem todo o potencial para estabelecer liderança mundial no segmento ecológico. É possível, sim, o Brasil fazer nova frente hegemônica no mundo, dada sua imensidão e riquezas naturais. O potencial brasileiro ainda não é explorado e precisamos agir, o quanto antes.
Nossa marca histórica, enquanto setor primário, nos favorece e nos coloca à frente da questão ambiental. Talvez, o maior empecilho seja convencer o produtor de substituir o que hoje é mais barato para o amanhã colher os frutos da sustentabilidade. O agronegócio pode ser sustentável. O Brasil pode ser o país mais sustentável do mundo, com muito pouco. Mas, e se o leitor se indagar, qual a vantagem disso? Ora, além de melhorar a qualidade de vida, o respeito à biodiversidade e à natureza, a compensação ambiental é um aliado, na medida que podemos, por conseguinte, ter mais crédito de carbono que qualquer outro país no globo. Aliás, coaduna com uma reparação histórica, enquanto ex-colônia de exploração, em um futuro não muito distante, em prol da ecologia e da sustentabilidade. A verdade é que os países do Norte nos devem e é a desuniformidade dos hemisférios que refreia à pegada ecológica mundial.
O agronegócio sustentável é o futuro do Brasil, e nos garante enquanto posição estratégica no mundo. Para tanto, precisamos de políticos que circundem a ecologia, acima de qualquer divergência ideológica. Incentivos, financiamentos e até mesmo isenções para o agricultor, para práticas agrícolas menos agressivas e com mais produtividade. Não é preciso desmatar para aumentar a produção, por isso a importância de subsídios tecnológicos (limpos) também. Aliás, injeção de capital em recuperação de áreas degradadas e financiamento para projetos que reduzam os gases de efeito estufa.
É preciso, portanto, incentivo e financiamento para evitar o desmatamento e estimular a conservação das florestas, por meio do sequestro de carbono e outras formas de estocagem. O Brasil, potencialmente, será um líder no mercado de crédito de carbono, eis que o mínimo de 20% de reserva legal ao longo do país ocorre na área rural, ao passo que na cidade e países predominantemente urbanos, tal possibilidade é exígua. É consentâneo, à vista disso, considerar os fatos conjunturalmente e analisar a superioridade ambiental do nosso país. Ou seja, o agronegócio e a sustentabilidade têm mais coadjuvação do que superficialmente aparentam, necessitando, assim, de políticas e incentivos governamentais. A urgência é agora!
Referências
CASTRO, Josué de. Subdesenvolvimento: Causa Primeira da Poluição.
Geographia, Niterói, v. 4, nº 8, p.1-4, 1º jan. 2002. Disponível em: <http://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13437>. Acesso em: 10 jul. 2022.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5ª Ed. São Paulo: Globo, 2012.
FURTADO, C., 1974. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
KRUSE, Bárbara Cristina. Direito à Cultura no século XXI: percalços e desafios interdisciplinares. Maringá: Sinergia, 2021.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Marin Claret, 2013.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!