Opinião

Arquitetura de contratos empresariais e produção antecipada de provas

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12 de setembro de 2022, 11h03

Ponto delicado da arquitetura de contratos é o método de resolução de disputas. Em negócios empresariais complexos, é comum que as partes estipulem formas autocompositivas para sanar suas divergências, tentando evitar o Poder Judiciário ou a arbitragem. É o adágio de que "mais vale um mau acordo do que uma boa demanda". Criam-se cláusulas de negociação de boa-fé, de conciliação, de mediação — e respectivas combinações entre elas por meio de cláusulas escalonadas.

Sozinhas, porém, essas estipulações são insuficientes. Bons acordos ou renegociações eficazes de um contrato desequilibrado dificilmente ocorrem só porque as partes assim prometeram na largada. O consenso que parecia fácil ao celebrar o vínculo — quando elas estão otimistas com a parceria e suas expectativas estão afinadas — se torna mais difícil depois que o conflito surge. Diz a análise econômica: é preciso desenhar um contrato que crie os incentivos certos. Aos olhos de agentes econômicos racionais, transigir deve ser mais vantajoso do que litigar.

Estratégias ainda pouco exploradas para esse objetivo dizem respeito ao design contratual de regras procedimentais e seus efeitos sobre o comportamento das partes[1]. Novidade do Código de Processo Civil de 2015 interessante a contratos mercantis são justamente os negócios jurídicos processuais. Segundo o artigo 190 do Código: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo." Significa dizer: muitas regras de processo são hoje dispositivas. As partes têm liberdade ampla para contratar ajustes típicos ou atípicos sobre questões processuais.

Com base nessa abertura do sistema, uma das técnicas contratuais para encorajar acordos é a cláusula sobre produção antecipada de provas. Por meio dela, as partes estipulam que certas demandas exigem do interessado que — antes de partir para a disputa em si — produza provas para sanar divergências fáticas sobre a causa. Isso pode ser feito por vias jurisdicionais — judiciais ou arbitrais — com uma ação espelhada no direito autônomo à prova, hoje positivado nos artigos 381 e seguintes do CPC (com possíveis refinamentos procedimentais fixados no contrato). Aqui, as empresas pactuam uma condição de procedibilidade específica para as ações surgidas de seu negócio. Ou então, podem usar meios alternativos, como nomear no instrumento o expert que conduzirá a prova ou delegar o assunto a um colegiado de técnicos ao estilo de dispute boards. Exemplo prático: em empreitada de grande obra, os contratantes ajustam que pretensões de reequilíbrio econômico-financeiro dependem de uma perícia anterior.

A lógica econômica por trás da cláusula de produção de provas é diminuir a assimetria informacional entre as partes. Esclarecidos os fatos, elas conseguem calcular melhor os riscos e os benefícios potenciais de eventual disputa jurídica. Os contratantes podem se ver impelidos ao acordo depois de conhecer as forças e as fragilidades probatórias de suas posições.

Seguindo o exemplo: o empreiteiro acredita que foi prejudicado com alta imprevisível no preço de insumos. O dono da obra desconhece o valor exato do ressarcimento que arrisca pagar, pois depende de informações em posse da contraparte. Uma perícia lhes mostra de antemão qual foi prejuízo real — ou, ao menos, o prejuízo demonstrável a um juiz ou árbitro. Se o valor dele não for tão alto a ponto de justificar os custos da demanda, o construtor será desestimulado a seguir com o processo. Na situação inversa, se os danos forem significativos e estiverem provados por meios idôneos (laudo técnico, parecer de dispute board), é o dono da obra quem tenderá a acatar o pleito do adversário para fugir do risco de uma condenação.

E como efetivar a cláusula? Há caminhos de direito processual e material. Processualmente, o juiz ou o árbitro, ao receber a ação de conhecimento, pode extingui-la sem julgar o mérito pela falta da condição de procedibilidade fixada no contrato. Solução menos drástica, a depender do texto da cláusula e do caso concreto, é suspender o processo até que a prova seja concluída no lugar apropriado (ação própria, perícia extrajudicial etc.). Pelo direito substantivo, é possível estipular cláusulas penais contra quem descumprir a obrigação de produzir provas, com base no artigo 409 do Código Civil ("A cláusula penal […] pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora"). O importante é que o julgador preserve a estrutura de incentivos arquitetada no contrato, sinalizando que o dever de produzir provas "tem dentes", ou seja, que ele é exigível e gera consequências.

Se bem escrita, a cláusula pode ajudar as empresas a alcançar duplo objetivo. Primeiro: proteger-se contra demandas aventureiras (pense-se no litigante que move a demanda apostando que fará a prova de seu direito no curso do processo, ainda que suas razões de mérito sejam fracas). E segundo: mitigar o risco de sucumbência em suas próprias ações, ao evitar se submeter à incerteza probatória típica do processo comum.

Há também desvantagens. As partes antecipam custos de produzir a prova, que pode ser cara, sem que necessariamente colham depois as vantagens de uma sentença condenatória em seu favor. Mais: cláusulas vagas podem barrar pretensões que os contratantes não desejariam condicionar à produção de provas se tivessem refletido mais a fundo. Por exemplo: pedidos de tutelas provisórias de urgência ou da evidência; disputas unicamente de Direito. Aliás, distinguir "matéria de fato" e "matéria só de Direito" por vezes é difícil na prática — o ideal é definir critérios claros já no instrumento.

Como se vê, o jogo todo está em equilibrar custos transacionais no tempo. Redatores de contratos empresariais precisam agir como "engenheiros de custos de transação"[2] e pensar estrategicamente: vale mais a pena adiantar ou postergar gastos probatórios? Como redigir a cláusula para alinhar a conduta das partes se e quando vier um conflito? Cada centavo gasto em arquitetar o contrato deve refletir em incentivos melhores às partes. Essa é a ideia-força que move as cláusulas de produção de provas e de soluções autocompositivas de disputas.


[1] SCOTT, Robert E; TRIANTIS, George G. Anticipating Litigation in Contract Design. The Yale Law Journal, v. 115, p. 814-879, 2006.

[2] Expressão cunhada por Ronald Gilson: GILSON, Ronald J. Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing. The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, p. 239, 1984.

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