Opinião

A sucessão e as causas de deserdação no Brasil

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8 de setembro de 2022, 16h03

É de suma importância ter um certo conhecimento ao tratar sobre o direito sucessório brasileiro, uma vez que tal seara jurídica trata diretamente de fatos que envolvem o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, para que ocorra a sucessão, necessariamente um indivíduo deve ter falecido e, em grande maioria das vezes, este deixou entes familiares.

O princípio da dignidade da pessoa humana está presente em diversos pontos da Constituição de 1988, sendo considerado um princípio geral do direito brasileiro, principalmente quando falamos sobre os direitos fundamentais de um cidadão.

Indubitavelmente, entende-se por vida digna o mínimo existencial necessário para suprir com as necessidades básicas de um indivíduo, como a educação e a saúde, ou seja, o mínimo necessário para suprir os direitos sociais previstos no artigo 6º da Carta Mmagna, que traz a seguinte redação: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 1988).

Contudo, quando se trata desse assunto sob a ótica da sucessão deve-se ter todo cuidado possível, pois, muitas vezes, aquele indivíduo que faleceu era o responsável pelo sustento familiar de seus ascendentes e descendente.

Por sua vez, o texto constitucional é claro ao definir expressamente em seu artigo 5º, incisos XXX e XXXI, o direito sucessório, conforme pode-se observar a seguir:

"Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXX – é garantido o direito de herança;
XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do 'de cujus';" (BRASIL, 1988)

Dessa forma, não há de que se falar em ilegalidade, ou melhor, em inconstitucionalidade de sucessão, desde que essa respeite as previsões legais e os princípios constitucionais. Por sua vez, quando se direcionam as atenções para o código civil de 2002, percebe-se três princípios próprios do direito sucessório, sendo eles o princípio da liberdade limitada para testar, o princípio da liberdade absoluta para testar e o princípio da saisine.

Pode-se compreender o princípio da liberdade limitada para testar nas palavras de Ana Lúcia dos Santos (2014, p. 3), quando a mesma leciona que "Temos uma liberdade para criar os herdeiros, mas de forma limitada. Ele existe para proteger os herdeiros necessários e para não privar da sucessão de alguém. Cada pessoa que tem herdeiro necessário, metade do patrimônio fica para esses herdeiros necessários".

Por outro lado, o princípio da liberdade absoluta para testar está expressamente definido no artigo 1.850 do Código Civil de 2002, onde este ensina que "para excluir de sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar" (BRASIL, 2002). Em termos gerais, pode-se considerar que tal princípio se aplica quando não o testador não possui herdeiros, como é o caso das "moças velhas".

Por último e não menos importante, o princípio da "saisine" está expressamente definido no artigo 1.784 do Código Civil do mesmo ano, quando este define que "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" (BRASIL, 2002). Dessa forma, compreende-se que o dispositivo trata sobre a transferência automática dos bens do falecido para o herdeiro.

Ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil
Como foi possível observar anteriormente, o código civil de 1916 e o código civil de 2002 possuíam divergências acerca da vocação hereditária. Respectivamente, sobre essa matéria o primeiro código traz a seguinte previsão legal:

"Artigo 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes;
II – aos ascendentes;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais;
V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União". (BRASIL, 1916)

Deve-se frisar do dispositivo exposto anteriormente a ordem sucessória, onde os cônjuges passam a ficar em terceiro lugar na sucessão, ficando em primeiro os descendentes e logo após os ascendentes.

Por sua vez, o atual diploma que regulamenta a vida cível dos cidadãos brasileiros, ou seja, o código civil de 2002, define expressamente em seu artigo 1.829 que:

"Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II — aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III — ao cônjuge sobrevivente;
IV — aos colaterais". (BRASIL, 2002)

Posto isto, percebe-se de imediato a preocupação do legislador em equiparar os direitos do cônjuge sobrevivente aos direitos dos descendentes, algo que não era definido no código anterior. Pelo contrário, existia expressamente o descaso com o cônjuge sobrevivente, sendo este colocado em terceiro lugar na linha de sucessão direta.

Em conformidade com o ilustre doutrinador Luiz Flávio Gomes (2010, p. 2) o novo Código Civil de 2002 "estabeleceu que cônjuge e companheiro são herdeiros em concorrência com descendentes ou ascendentes, quebrando com a paridade entre cônjuge e companheiro, uma vez que prevê regras distintas".

Ainda assim, outra peculiaridade está no artigo 1.832 do Código Civil, onde o mesmo define que "Em concorrência com os descendentes (artigo 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer". Neste caso em lide ocorre o quinhão, situação em que o cônjuge sobrevivente possui direito adquirido sobre os bens comuns do cônjuge falecido, situação essa que não era garantida pelo antigo código civil.

Hipóteses de deserdação previstas
O Código Civil brasileiro de 2002 traz em seus artigos 1.814 a 1.818 as causas de exclusão da linha sucessória, além disso, elenca nos artigos 1.961 a 1.965 do mesmo diploma legal as hipóteses de deserdação, nas quais serão analisadas e conceituadas no presente estudo.

Dentre os artigos supramencionados, são considerados mais importantes para a composição do raciocínio desse estudo monográfico os artigos 1.814 e 1.962 do CC, conforme pode ser observado a seguir:

"Artigo 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
[…]
Artigo 1.962. Além das causas mencionadas no artigo 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade".

Do dispositivo exposto acima, percebe-se através da leitura do artigo 1.814 que o legislador exclui da sucessão aqueles que atentem contra a saúde ou a vida daquele que a sucessão tratar, sendo, por exemplo, o cônjuge, companheiro, ascendente ou descente. Deste dispositivo, pode-se citar para melhor compreensão o caso de Suzane von Richthofen, que ganhou repercussão nacional, onde essa articulou e ordenou a morte de seus pais.

A título de curiosidade pode-se resumir o ocorrido por meio de reportagem do site Migalhas publicada no dia 25 de setembro de 2021, que informa que "Os pais de Suzane chegaram, até mesmo, a proibir o relacionamento dos dois. Suzane, Daniel e Cristian (irmão de Daniel), diante da situação, criaram um plano para simular um latrocínio e assassinar o casal Richthofen".

Ainda assim, a mesma reportagem intitulada como "Caso Richthofen volta aos holofotes; relembre a sentença”(2021) continua a informar que “no dia 31 de outubro de 2002, Suzane abriu a porta da mansão da família no Brooklin, em São Paulo, para que os irmãos Cravinhos pudessem acessar a residência. Depois disso eles foram para o segundo andar do imóvel e mataram Manfred e Marísia com marretadas na cabeça".

Conforme foi possível observar no caso concreto supramencionado, evidencia-se a hipótese que trata o inciso I do artigo 1.814 do Código civil, cuja redação versa sobre a exclusão do herdeiro que atente contra a vida ou a dignidade daquele que iria suceder.

Outrossim, pode-se extrair dos artigos 1.814 e 1.962 outras situação que podem levar a exclusão do herdeiro, como a ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto e desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Conclusão
Após a análise dos artigos 1.814 e 1.962 do código civil, percebe-se que dentre as situações apresentadas, o legislador não levou em consideração a possibilidade (expressa) do abandono afetivo inverso como causa de exclusão da sucessão, seja pelo cometimento de atos de indignidade (artigo 1.814) ou pelo instituto da deserção (artigo 1.962).

Dessa forma pode-se concluir que para o legislador brasileiro os laços biológicos devem prevalecer sobre os laços afetivos, de modo que o autor da herança seja compelido a deixar bens ou patrimônios àquele que o desemparou.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 ago. 2022.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 05 de março de 2021.
GOMES, Luiz Flávio. Da ordem de vocação hereditária no Código Civil de 2002  Áurea Maria Ferraz de Sousa. 2010. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2599418/da-ordem-de-vocacao-hereditaria-no-codigo-civil-de-2002-aurea-maria-ferraz-de-sousa>. Acesso em: 10/11/2021.
SANTOS, Ana Lúcia. Direito sucessório noções gerais, fontes, espécies e princípios. Jus Navigandi. 11/2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/34253/direito-sucessorio-nocoes-gerais-fontes-especies-e-principios>. Acesso em: 10 nov. 2022.

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