Faca e queijo na mão

Para eleitoralistas, TSE já tem ferramentas suficientes para combater as fake news

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6 de setembro de 2022, 18h52

À medida em que o período eleitoral se aproxima, são cada vez mais comuns as representações e as decisões judiciais sobre propagandas ilícitas. E atualmente elas se manifestam, principalmente, na forma de fake news.

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Representações contra fake news aumentam conforme o pleito se aproxima123RF

Quando se constata o caráter fraudulento e falacioso de uma propaganda, a Justiça Eleitoral geralmente determina a remoção do conteúdo e a aplicação de multa.

Porém, para alguns, tal estratégia não é suficiente para coibir a desinformação generalizada. Em entrevista publicada no último domingo (4/9) pela revista eletrônica Consultor Jurídico, os professores e pareceristas Alaor Leite e Ademar Borges criticaram tal dinâmica e sugeriram uma "remodelação das formas processuais", com a ampliação do escopo das representações para incluir ataques sistemáticos à integridade do processo eleitoral, ou até instauração de investigações paralelas à representação.

No entanto, advogados eleitoralistas ouvidos pela ConJur entendem que a Justiça Eleitoral, no geral, já dispõe de meios para inibir as fake news dentro das suas competências. Para eles, porém, as medidas dependem da atuação das próprias campanhas.

Instrumentos já existentes
O presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Fernando Neisser, explica que a apuração de desinformação pode ocorrer tanto por meio de representação relativa a propaganda eleitoral quanto por ação de investigação judicial eleitoral (Aije).

No caso das representações, o material pode ser derrubado e a Justiça Eleitoral pode aplicar multa. "O que o tribunal faz é receber representações que definem o escopo dos fatos reclamados e até mesmo a sua configuração jurídica enquanto ilícito", diz a advogada eleitoralista Isabel Mota.

Ela ressalta que boa parte das representações não se refere a fake news. São comuns conteúdos que geram prejuízos para as campanhas em tom que ultrapassa a mera crítica, na forma de injúria, calúnia e difamação.

Já a Aije pode ocorrer quando houver "uma série de condutas que, em conjunto, possam configurar a ideia de abuso de poder econômico ou de uso indevido dos meios de comunicação", segundo Neisser. Nesses casos, pode acontecer até mesmo a cassação do registro, do diploma ou do mandato.

O professor e advogado eleitoralista Renato Ribeiro de Almeida acrescenta que a Justiça Eleitoral pode fazer diligências e investigações em situações de abuso de poder econômico, "caso haja suspeita e pelo menos uma prova mínima de uma estrutura maior de produção dessas fake news".

As representações e as Aijes não são excludentes, lembra ele. "Uma coisa é a remoção pontual das matérias e publicações que são claramente ilegais. Outra coisa é tentar encontrar a raiz de todo esse problema, caso seja provado que isso faz parte de uma rede muito organizada e sistemática de produção de fake news", destaca Almeida.

De qualquer forma, Neisser afirma que a estratégia de uma campanha eleitoral sempre será acionar a Justiça por meio de representações de propaganda e tentar derrubá-las uma a uma, com aplicação de multas.

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Sede do TSE, localizada em BrasíliaWikimedia Commons

A partir do momento em que houver um conjunto de condutas já reconhecidas como ilegais pela Justiça, será possível "amarrá-las como parte de um mesmo cenário, de uma mesma atuação coordenada", e, assim, ajuizar uma Aije. Com isso, as condutas que foram analisadas "sob a luz da irregularidade de propaganda" também serão observadas "sob a luz do abuso de poder".

"É possível que algumas divulgações sejam tratadas como ataque ao próprio sistema eleitoral e embasar medidas além de multas e exclusão de postagem, e até mesmo investigação, sob outro prisma que não só o da mera repressão a conteúdo danoso de propaganda", ressalta Isabel.

"A representação tem um objeto fixado na lei", aponta Neisser. "Cabe às campanhas eleitorais adotar a estratégia de entrar com representações e também, se tiverem elementos suficientes, com uma Aije".

Alcance das representações
Uma corrente de eleitoralistas concorda que as medidas de remoção de publicações e aplicação de multas não são muito eficazes, pois as fake news geram um impacto anterior a qualquer decisão.

Ainda assim, a ampliação do escopo das representações não é tida por eles como uma opção no momento, por falta de base jurídica. O atual hiato legislativo-normativo quanto ao tema impede uma mudança do tipo com efeito imediato. Isso poderia ser debatido, mas somente a longo prazo, segundo esses advogados.

Já para Isabel, ampliar o escopo das representações não seria "a melhor saída do ponto de vista processual". A instauração do procedimento próprio com um escopo maior e mais abrangente seria uma possibilidade mais adequada, segundo ela.

Limites do TSE
Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, lembra que o TSE já vem sendo acusado de censura e arbitrariedades. Portanto, é necessário cuidado.

Segundo ele, a Justiça Eleitoral não pode pura e simplesmente censurar a internet. "A intervenção tem de ser pontual e firme", opina. Na visão do advogado, isso é exatamente o que vem acontecendo. A postura não resolve todos os problemas, mas representa os esforços possíveis.

"As pessoas precisam também checar as informações, saber o que estão lendo, qual é a fonte. Não dá para a Justiça Eleitoral ficar tutelando 100% da informação do eleitor. O eleitor tem de fazer a parte dele e se informar", ressalta Rollo.

Isabel concorda que "o combate às fake news deve ser constante e para além das eleições e do próprio conteúdo político, porque a disseminação de desinformação enquanto fenômeno mundial já tem nos dado exemplos de graves consequências e prejuízos".

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