Opinião

Como aferir a legalidade da evolução patrimonial de político ou agente público

Autores

5 de setembro de 2022, 11h11

Com a chegada do calendário eleitoral, a discussão sobre a legalidade da evolução patrimonial de agentes públicos sempre ganha a capa dos noticiários, e nos leva a refletir sobre a seguinte questão: quais são os limites legais para a evolução patrimonial de um agente público (servidor ou político)?

Esta discussão ganha especial relevância no momento do registro de candidatura dos pretendentes a cargos eletivos. Isso porque a legislação eleitoral estabelece a obrigatoriedade de os candidatos apresentarem sua declaração de bens (artigo 11, §1º, IV, da Lei no 9.504/97).

Os eleitores e a sociedade são os destinatários destas informações. A partir delas que estes farão seu juízo político para tomar sua decisão nas urnas. Exatamente por este motivo que não há um dever de verificação ou confirmação da veracidade das informações lançadas na declaração de bens. O crivo da "moralidade para o exercício do mandato" (artigo 14, §9º, da Constituição) deve ser realizado pelo cidadão-eleitor, no momento do voto.

Nada obstante, o Tribunal Superior Eleitoral tem dado cada vez mais relevância a estas informações  tendo, inclusive, atentado para a possibilidade da prática de crime de falsidade ideológica eleitoral (artigo 350, do Código Eleitoral) por aquele que declara informações inverídicas ou omite dados da declaração de bens (REsp nº 4931/AM, relator ministro Edson Fachin, DJe 25.10.2019), caso evidenciada a intencionalidade de obter benefícios com a mentira e/ou confundir o eleitorado.

Se a fiscalização da evolução patrimonial dos bens de agentes políticos não é de competência da Justiça Eleitoral, então quais seriam os instrumentos jurídicos que possibilitam tal controle?

No âmbito do serviço público, caso haja indício de evolução patrimonial incompatível com a remuneração legítima e comprovada dos servidores, pode-se cogitar de instauração de processo para averiguação de responsabilização disciplinar, civil e por atos de improbidade administrativa.

Os limites legais para evolução patrimonial dos agentes públicos, portanto, estão no regime jurídico (conjunto de regras e princípios aplicáveis ao caso) dos cargos que ocupam.

No caso do serviço público federal, regulado pela Lei nº 8.112/90, há um regramento específico para exploração de atividade econômica por servidores federais, que apenas podem integrar sociedades privadas na qualidade de acionistas, cotistas ou comandatários, mas nunca como administradores ou gerentes (artigo 117, X da Lei nº 8.112/90), salvo em caso de licença não remunerada para interesses particulares (art. 91 da mesma legislação).

Para que se caracterize o exercício de gerência ou administração por servidor público federal, por sua vez, há que se verificar a presença de dois requisitos, estabelecidos pela Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério Economia, por meio Portaria Normativa nº 6 de 2018, que são: 1) atividade da sociedade privada, ainda que irregularmente (artigo 3º, I da referida portaria); 2) atividade "efetiva, direta, habitual e com poder de mando" do servidor público à frente da gerência ou administração da sociedade privada (artigo 3º, II).

Caso não se verifiquem estes requisitos, qualquer oscilação patrimonial decorrente de exploração de atividade econômica por servidores públicos será, a princípio, considerada lícita.

No caso de ministros de Estado, diretores e presidentes de empresas estatais ou agências reguladoras, por exemplo, há que se pedir autorização à Comissão de Ética Pública da Controladoria-Geral da União para exercício de atividades privadas (artigo 10, II do Decreto nº 10.571/2020).

A fiscalização da evolução patrimonial de agentes políticos é feita por meio da declaração de bens e rendas, disciplinada pela Lei nº 8.730/93, aplicável a todos os cargos eletivos e comissionados do Legislativo, Executivo e Judiciário, incluindo magistratura e ministério público federal, Presidência e Vice da República, ministros de Estado e membros do Congresso.

Os servidores públicos civis são igualmente obrigados a declararem seus bens, rendas, mas a origem da obrigação está na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90).

Os agentes públicos podem, inclusive, substituir a declaração de bens por autorização que possibilidade à Controladoria-Geral da União, por meio de sua Comissão de Ética Pública, acessar suas declarações anuais de Imposto de Renda apresentadas à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, vinculada ao Ministério da Economia (artigo 3º, §1º do Decreto nº 10.571/ 2020, que regulamenta conjuntamente as três leis citadas no parágrafo anterior).

Já a Lei do Conflito de Interesse (Lei nº 12.813/13) obriga todos os agentes públicos a declararem situações que possam gerar conflito de interesse no exercício de suas atribuições. Esta última se aplica, inclusive, a ministros de Estado e cargos de presidência, direção ou equivalentes de empresas estatais, agências reguladoras, fundações e autarquias.

A declaração de conflito de interesses, exigida pela respectiva lei, não se confunde  com a declaração de bens, e deve ser apresentada individualmente, informando da existência de cônjuge, companheiro ou parente que exerçam atividades potencialmente conflitantes (artigo 10, I do Decreto nº 10.571/2020); da relação de atividades privadas exercida no ano calendário anterior, com o pedido de autorização para exercício de atividade privada encaminhado à Comissão de Ética Pública da CGU (artigo 10, II do Decreto nº 10.571/2020); e da identificação de qualquer situação patrimonial que suscite conflito de interesse (artigo 10, III do Decreto nº 10.571/2020).

Caso a apresentação de qualquer das declarações (bens ou conflito de interesse) não ocorra, ou ocorra de maneira falseada, o agente público sujeita-se à responsabilização disciplinar, ética ou até mesmo por ato de improbidade administrativa, a depender do caso.

Se, porém, o agente público apresentar as declarações, e a CGU ou a sua Comissão de Ética Pública detectarem alguma inconsistência, poderão as referidas autoridades notificá-lo para prestar esclarecimentos ou informações (artigo 12 do Decreto nº 10.571/2020). Caso tais medidas não logrem êxito em resolver a controvérsia, as referidas autoridades podem instaurar um procedimento administrativo sigiloso e não-punitivo, de natureza contábil, destinado a investigar indícios de evolução patrimonial ilícita, que se denomina "Sindicância Patrimonial" (artigo 13 do mesmo decreto), ao fim da qual pode-se opinar pela instauração de processo administrativo disciplinar e/ou remessa dos autos para órgãos de controle, notadamente Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Contas da União (TCU).

No âmbito desta Sindicância Patrimonial, por outro lado, não se pode quebrar sigilos bancário, fiscal ou de dados dos investigados, eis que, nos termos do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), exarado quando do julgamento do RE nº 389.808, de relatoria do ministro Marco Aurélio, cabe tão-somente ao Poder Judiciário tal prerrogativa.

Estes procedimentos de investigação podem ser realizados mesmo após o encerramento do vínculo do agente público com a administração, caso haja indícios que a evolução patrimonial se deu durante sua vigência ou que tenha relação com o exercício das atribuições do cargo.

Por fim, é necessário anotar que o princípio da presunção de inocência também se aplica no curso de investigações patrimoniais. Por isso que a mera oscilação patrimonial é insuficiente para se cogitar da prática de ilícitos pelos agentes públicos.

Os agentes, por terem o dever legal de atualizar periodicamente as declarações, podem incorrer na prática de ilícitos omissivos caso assim não o façam. Não se pode, porém, confundir a ilicitude decorrente da ausência de atualização da declaração, com a ilicitude da origem de algum patrimônio que não tenha sido informado em razão da omissão. O nexo de causalidade entre conduta potencialmente ilícita e oscilação patrimonial também constitui elemento essencial para caracterização de qualquer ilícito.

Assim, neste breve panorama, pode-se observar que existem mecanismos de responsabilização tanto de ordem política, como nos casos daqueles que contendem por um mandato eletivo; quanto de ordem administrativa, através dos procedimentos supracitados. No entanto, embora tais normativas visem tutelar bens jurídicos semelhantes – isto é, a moralidade em maior ou menor grau – seus microssistemas não podem ser confundidos.

O registro de candidatura, como é sabido, é o momento de aferição das condições para disputar o pleito eleitoral (artigo 11, §10º, da Lei nº 9.504/97). Desta feita, todos os procedimentos  judiciais ou administrativos  que digam respeito ao patrimônio de eventual servidor só podem afetar a pretensa candidatura se tiverem deslinde antes da data do envio do requerimento de candidatura para Justiça Eleitoral.

É dizer: caso um servidor público tenha sido condenado por ato de improbidade administrativa enquadrado no artigo 9º, VII, da Lei nº 8.429/92 ou esteja sofrendo um PAD que possa levar a sua demissão nos termos do artigo 132, X, da Lei nº 8.112/90, este só poderá ser impedido de concorrer se a decisão — judicial no primeiro caso e administrativa no segundo — for tomada antes do registro de candidatura. Neste caso, o agente público estará enquadrado nos incisos da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inelegibilidades).

Caso contrário, não se pode impedir uma candidatura por mero perigo abstrato à moralidade pública ou para exercer o mandato eletivo. Deve ser preservada a presunção de inocência e o devido processo legal em questões que tratam de direitos fundamentais e, não se pode olvidar em momento algum, que os direitos políticos  tanto de votar (jus suffragii) como de ser votado (ius honorum)  são direitos fundamentais.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!