Era da pós-verdade

'Se o TSE insistir em só remover conteúdo, o processo eleitoral correrá risco'

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4 de setembro de 2022, 8h22

Com a aproximação do período eleitoral, têm se tornado cada vez mais comuns discursos e falas de políticos recheados de informações falsas. Quer sejam proferidas de forma acidental, quer não, essas distorções reverberam pela sociedade e podem ter grande impacto nas eleições.

  Alaor Leite

E, ao que tudo indica, a mera remoção do conteúdo e aplicação de multas pelo Tribunal Superior Eleitoral não tem sido suficiente para prevenir esse tipo de conduta. Essas respostas são apenas fenômenos acompanhantes de uma ilicitude mais profunda, que prejudica todo o processo eleitoral ao colocá-lo em dúvida. Portanto, a resposta judicial deve ir além, em direção à completa interrupção do ilícito.

Uma possível solução, nesse sentido, seria ampliar o alcance das representações para atuar contra os ataques sistemáticos à democracia. Ademais, seria possível criar outro mecanismo além da representação para obter resultados mais satisfatórios.

A desinformação, quando divulgada por políticos de destaque, assume o lugar de um eficiente método de agressão à integridade do processo eleitoral, uma vez que visa a substituir a vontade popular pelos interesses de seu emissor. Quando se trata de mecanismos já comprovadamente íntegros, como a urna eletrônica, a publicação de fake news é ainda mais maliciosa.

Assim, restam alguns impasses: qual o limite da liberdade de expressão, quando confrontado com a possibilidade de se propagar notícias falsas? E, mais do que isso, qual a diferença entre a retórica eleitoral lícita e a desinformação ilícita?

Essas reflexões todas são de autoria de Alaor Leite e Ademar Borges, que assinam um parecer que dá base à representação ao TSE que discute os possíveis modos de mitigar a desinformação no período eleitoral sem interferir na livre expressão e na propaganda lícita.

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  Ademar Borges

O parecer foi elaborado a pedido das organizações Artigo 19, Comissão Arns e Conectas, que, a partir da Representação nº 0600741- 16.2022.6.00.0000, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, argumentam que é preciso apurar a alegada prática de propaganda eleitoral antecipada por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, em um discurso feito para embaixadores estrangeiros no dia 8 de julho. Naquela ocasião, diversas informações falsas foram divulgadas pelo presidente.

No texto, os autores tentam estabelecer as fronteiras entre o discurso livre, a retórica política e o abuso da liberdade de expressão para divulgar informações falsas. Além disso, discutem a proteção ao sistema eleitoral em tempos de eleições.

Para eles, os mecanismos existentes para frear a divulgação de fake news no contexto atual não são suficientes para garantir a integridade do sistema eleitoral. Segundo a dupla, é preciso pensar além do binômio remoção-multa e contar com a vontade de autoridades e das redes sociais para usar a tecnologia a favor da contenção da desinformação.

No parecer, os especialistas argumentam ainda que a "enunciação de fatos conspicuamente falsos não goza da mesma proteção jurídica conferida à emissão de juízos de valor ou de posicionamentos pessoais" e que a "integridade do processo eleitoral em si, como um todo, compõe consagrado pilar do Estado de Direito e possui conteúdo autônomo em relação a bens tais como a igualdade de chances no pleito eleitoral".

Alaor Leite é doutor e mestre (LL.M.) pela Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique, e docente-assistente junto à cátedra de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Penal Estrangeiro e Teoria do Direito Penal da Universidade Humboldt, de Berlim. Já Ademar Borges é doutor em Direito Público pela Uerj, professor do corpo permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito Constitucional do IDP e visiting scholar na Boston College.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Qual é o tamanho do impacto das fake news no período eleitoral? 
Alaor Leite e Ademar Borges — Talvez convenha, de saída, recordar que o Direito não se preocupa com a mentira em si e nem se põe a tutelar a pureza dos discursos. Sobretudo quando em jogo está a vontade popular, há uma crença benfazeja na autonomia e no discernimento dos cidadãos ao fazerem as suas escolhas. A mentira, contudo, deixa de ser indiferente ao Direito quando inserida em contextos específicos, em que ela se transforma em veículo de agressão a bens relevantes. A integridade do processo eleitoral é indiscutivelmente um bem relevante. Aliás, esse bem é um dos pilares sustentadores do Estado de Direito e da democracia. Se é assim, parece natural dizer que a mentira pode ser um método de agressão a esse bem.

ConJur — Fake news podem mudar o resultado de uma eleição?
Alaor Leite e Ademar Borges — Não conseguiríamos (alguém, de fato, consegue?) cravar que tal ou qual mentira alterou o resultado de tal ou qual eleição. O que podemos, sim, afirmar é que não será qualquer descompasso entre discurso e realidade que afetará a integridade do pleito eleitoral, esse bem tão nobre: a mentira precisa assumir uma robustez, precisa verter-se no que o professor alemão Bernd Schünemann designa de "mentitiva", uma narrativa mentirosa construída em formato empresarial e concertado. Caso a mentira seja robusta, parte de um projeto de desinformação, e tiver como alvo um processo eleitoral concreto, já em curso, temos o casamento de situações que acendem o sinal amarelo para o Direito Sancionatório: um eficaz método de agressão e um bem jurídico relevante em situação de fragilidade.

ConJur — Como o público pode diferenciar a desinformação e a propaganda eleitoral, ainda que exagerada?
Alaor Leite e Ademar Borges — Difícil. Tanto o público quanto as informações são heterogêneos e multifacetários. De toda forma, com o passar do tempo, a base fática sobre a qual são tomadas as decisões a respeito das regras que devem reger o pleito eleitoral em vista se consolida. Surge uma espécie de base fática mínima, sobre a qual muito se pôde debater, até que o Parlamento, a casa do povo, decretasse as normas que disciplinam o sistema de votação, de apuração e totalização dos votos. Todos se submetem a essas regras, sobretudo os candidatos. Ninguém pode substituir essas regras por idiossincrasias pessoais. Essas regras são baseadas em fatos. Como dito, fatos largamente escrutinados pela opinião pública. Se o Parlamento decide ser a urna eletrônica segura, é de se supor que os fatos que sustentam essa decisão são verdadeiros. Iniciado o processo eleitoral em concreto, submetido a essas regras, o Direito passa a se interessar com especial atenção por condutas que possam colocar em risco o processo eleitoral já em curso. E aqui está a diferença entre retórica eleitoral e desinformação ilícita. A tutela jurisdicional incidente sobre ataques discursivos contra a integridade eleitoral se torna mais intensa à medida que se aproxima o pleito, pois, nesse momento, não se trata mais de exercício de especulação sobre o melhor sistema em abstrato, mas de formas concretas de perturbação ou lesão da integridade de um processo eleitoral em curso. Não se trata de proscrever ideias em abstrato, mas de proteger instituições em concreto. Se a desinformação robusta, que visa a substituir a base fática mínima de que falamos, tiver aptidão para lesionar o processo eleitoral já em curso, o Direito se interessa, sim, por ela. Estratégia de desinformação contra um pleito em concreto é coisa diversa de verborragia ou propaganda exagerada.

ConJur — O que explica o fato de que, ainda que haja leis contra a disseminação de fake news, agentes e autoridades continuam propagando-as? Os mecanismos criados não são eficientes?
Alaor Leite e Ademar Borges — A nosso ver, não. Os mecanismos falam a língua da propaganda irregular, e não da tutela da integridade do processo eleitoral como um todo. A dinâmica sancionatória, nesse setor da propaganda, é célere e simples: remove o conteúdo e aplica multa. Essa dinâmica, preocupada com o equilíbrio de chances no pleito, não dá conta da desinformação sistêmica contra a integridade do processo eleitoral. O repertório aqui é vasto e exige uma remodelação das formas processuais. Um caminho é ampliar o escopo da representação para casos sistêmicos, autorizando outras medidas processuais, ou instaurar instrumento apuratório paralelo à representação, no seio do qual se possa reagir com dinamismo e eficiência contra os ataques mais massivos. O tema não admite hesitação. Um projeto de desinformação sistêmica contra o processo eleitoral em curso é uma forma de ataque a um dos pilares do Estado de Direito. Não nos parece ser eficiente proteger o Estado de Direito em seu cerne por meio de remoção de conteúdo e de multa. Ou uma multa irrisória dissuade quem está disposto a promover uma ruptura na periodicidade do voto?

ConJur — Depois das eleições deste ano, espera-se a criação de nova legislação que aborde as questões das fake news e da desinformação?
Alaor Leite e Ademar Borges — O legislador já caminhou muito; temos notícia dos trabalhos do deputado Orlando Silva nesse setor, que relata projeto de regulação da matéria. Também as instituições caminharam: as últimas gestões do TSE tiveram a desinformação como foco de seus trabalhos. Sob o ângulo sancionatório, convém recordar que há um novo Código Eleitoral em fase avançada de gestação, que está sob os cuidados da deputada Margarete Coelho, na Câmara, e do senador Alexandre Silveira, no Senado; antes, esteve à frente do projeto o então senador Antonio Anastasia. Nesse código, há novo tipo penal que proíbe a desinformação contra a integridade do processo eleitoral. Há pouco, o Parlamento incluiu um novo crime de comunicação enganosa em massa no Código Penal (artigo 359.O), prontamente vetado pelo presidente da República.

ConJur — Como é possível reduzir a exposição das fake news sem acabar dando a elas mais notoriedade ainda?
Alaor Leite e Ademar Borges — Definindo melhor o conteúdo desse ilícito eleitoral (ou penal) e aumentando o repertório processual, pensando além do binômio remoção e multa. Por vezes, a remoção e a multa são programadas pelo autor da desinformação: a remoção pode gerar uma comoção tal que a desinformação "punida" acaba por potencializar o seu alcance, à margem dos canais oficiais. A sanção seria um estímulo à prática do que se quer proibir: ninguém diria que essa é uma forma racional de proibir condutas. Por isso, seria providencial uma decisão judicial que oferecesse balizas mais concretas a respeito dos ilícitos eleitorais existentes, formulados em alto nível de abstração pelo legislador. Essa decisão balizadora poderia pavimentar o caminho para a construção de novas formas processuais de reagir ao dinamismo das condutas que se quer proibir. Há alguns caminhos, como o direito de resposta diferenciado, a tutela inibitória, a fiscalização contínua enquanto durar o período eleitoral e outras medidas de cessação do ilícito. Esse léxico é importante. Durante o processo eleitoral em curso, a desinformação é ilícito a ser, sobretudo, cessado. Se o TSE estiver atado à dinâmica "remover conteúdo e multar", a batalha pode estar perdida e o processo eleitoral, eventualmente, em risco concreto. Novamente: não se trata de propaganda irregular, nem necessariamente de abuso de poder, mas de agressão à integridade de um processo eleitoral em curso, que segue regras emanadas do Parlamento e sob a supervisão da Justiça Eleitoral. A desinformação como um projeto pode configurar uma ação perigosa a um bem jurídico relevante. Nada mais real do que isso. Retórica eleitoral sobre o melhor modelo abstrato é outra coisa.

ConJur — Como é possível diferenciar assertivamente entre o agente que espalha desinformação acidentalmente e o agente que o faz de propósito?
Alaor Leite e Ademar Borges — A desinformação como um projeto, naturalmente, pressupõe a consciência da falsidade. Não se trata de vigiar ou sancionar aqueles que divulgam fatos sem verificação. Os cidadãos comuns não têm o dever de verificar a veracidade dos fatos antes de publicá-los em suas redes. Esse mesmo cidadão pode nutrir, em seu devaneio, desejos de um porvir autoritário e manifestar seu descontentamento. O estandarte da liberdade de manifestação de ideias impede a interdição do discurso destoante, invectivo ou cáustico sobre um porvir institucional diverso. Liberdade de expressão tampouco exige têmpera, elegância ou erudição. Essa é, precisamente, a força da democracia, qual seja a de promover (e não proibir) a diversidade da fauna discursiva e a de submeter o agir estatal ao permanente escrutínio dos cidadãos comuns, dos humoristas, dos jornalistas e dos juristas. Também integrantes de poderes podem criticar uns aos outros. O Direito admite a deselegância da formulação, a desmesura gerada pelo calor do momento, a opinião disparatada e até mesmo, em alguns casos, mentirosa, mas não permite a calculista estruturação de uma empresa discursiva, nutrida por opulento financiamento, destinada a desmantelar as bases fundamentais do Estado de Direito por meio de desinformação sistêmica. Essa desinformação visa a subtrair o substrato fático que sustenta as regras jurídicas vigentes, retirando-lhes o chão e, no limite, impedindo que elas, como produtos de deliberação congressual que espelham a vontade do povo, imponham-se in concreto como normas cogentes. Essa empresa discursiva será mais grave se o processo eleitoral já estiver em curso e se provier de candidato que ostenta o status dúplice de presidente da República e candidato. A proibição jurídica da desinformação contra a integridade do sistema de votação visa, enfim, a impedir que o processo eleitoral seja pautado e regido por caprichos pessoais de um Creonte redivivo, em substituição à vontade popular expressada em lei. O limite à verborragia, como visto, não está no conteúdo das ideias, mas no método escolhido para exercer o direito de tomar parte no debate público.

ConJur — Como injetar vida nova no artigo 9-A da Resolução TSE nº 23.610/2019 (que regulamenta a propaganda eleitoral e veda expressamente a veiculação de conteúdo sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado que atinja a integridade do processo eleitoral)?
Alaor Leite e Ademar Borges — Entendendo que ele não é apenas mais um desdobramento da tutela da regularidade da propaganda eleitoral, mas um dispositivo mais nobre que tutela a integridade do processo eleitoral como um todo. Entre outras coisas, é por isso que a legitimidade ativa exclusiva para a representação por infração ao 9-A da resolução é do Ministério Público (e não de demais candidatos ou partidos), e o léxico sancionatório é de "cessação do ilícito", e não remoção e multa. O juiz eleitoral, por provocação do Ministério Público, pode, então, decretar as medidas legais e proporcionais a essa cessação, sem, portanto, agir de ofício. O espartilho da propaganda não deixa que o artigo 9-A ganhe vida. É preciso libertá-lo. Hoje, sob o ângulo sancionatório, apenas a combinação entre o artigo 9-A da resolução e o artigo 359-L do Código Penal oferece real tutela ao processo eleitoral enquanto pilar do Estado de Direito. Oxalá o artigo 9-A da resolução ganhe vida antes que o processo eleitoral corra risco de morte.

ConJur — Qual a importância do direito de resposta ao organismo eleitoral atingido por afirmações sabidamente inverídicas ou gravemente descontextualizadas contra a integridade do processo eleitoral?
Alaor Leite e Ademar Borges — O direito de resposta, entre outras coisas, restabelece a base fática mínima, amplamente discutida antes do início do período eleitoral e que sustenta a regra vigente para o pleito. É possível dela divergir, mas não é possível não se submeter a ela durante o pleito e nem alegar desconhecê-la. Um dos principais desafios que a desinformação contra o processo eleitoral apresenta é justamente o fato de que a mera retirada de circulação de um link específico nas redes sociais não é capaz de reparar o dano causado pela disseminação massiva da informação falsa. Primeiro, porque, como se sabe, memes e vídeos que costumam expressar concretamente esse tipo de desinformação transitam de diferentes formas nas mais diversas redes sociais e simplesmente continuam a ser replicados em outros aplicativos. Segundo, porque o simples bloqueio de um conteúdo desinformativo não possui aptidão para fazer chegar ao público que foi por ele atingido a informação correta. Daí porque se pensou em mobilizar o direito de resposta para impor àquele que divulga o fato sabidamente inverídico sobre o processo eleitoral a obrigação de disseminar nas suas próprias redes sociais a informação verdadeira. Isso permitirá reparar, em alguma medida, o dano anteriormente produzido, especialmente porque, aí, sim, a correção dos fatos anteriormente distorcidos chegará à mesma audiência que sofreu os efeitos negativos da desinformação. É, enfim, uma tentativa de furar a bolha na qual a disseminação de notícias falsas sobre o processo eleitoral circula.

ConJur — Como evitar que um indivíduo que tem muito a ganhar com a propagação de fake news, como um candidato à Presidência, divulgue desinformação?
Alaor Leite e Ademar Borges — É preciso pensar com criatividade, com amplitude, para além da implementação de sanções. Não há dúvidas de que o programa contra a desinformação desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral produziu avanços importantíssimos nesse campo nos últimos três anos. A presidência do ministro Luís Roberto Barroso, como é reconhecido, foi um divisor de águas nessa matéria, especialmente em razão das inúmeras parcerias firmadas com as redes sociais para aperfeiçoar o sistema de combate à desinformação, tudo mantido e ampliado pelas presidências subsequentes. É consensual o diagnóstico de que programas como o que foi desenvolvido pelo TSE desde 2020, que envolvem agências independentes de checagem, a autoridade eleitoral e as redes sociais, são fundamentais para responder a um desafio complexo e multifatorial como o da desinformação no ambiente eleitoral. Não há saída possível para esse problema que não passe por uma vontade das autoridades e das redes sociais de utilizar a tecnologia para a contenção da desinformação. Mas, além disso, é preciso criar mecanismos de controle e responsabilização mais adequados. Uma das saídas está justamente em atualizar e aperfeiçoar a tutela jurisdicional da integridade do processo eleitoral contra a desinformação. O processo eleitoral tradicional parece não dar conta da dimensão sistêmica do fenômeno contemporâneo da desinformação dirigida contra o processo eleitoral. E as sanções de retirada de conteúdo online associada à multa também não atendem, como dissemos, às exigências de proteção suficiente do bem jurídico tutelado. Por isso, além da necessária criação de um regime legal mais abrangente e atualizado sobre o tema, ainda em discussão no Congresso Nacional, a resposta judicial do TSE a esse fenômeno deve ser capaz de efetivamente fazer cessar o processo desinformativo e, ainda, disseminar, na maior medida possível e preferencialmente para o mesmo público atingido pelo ilícito, as informações corretas a respeito dos fatos dolosamente falseados.

ConJur — Afinal, o que o TSE tem de fazer? Se a atual dinâmica não funciona, então qual funciona?
Alaor Leite e Ademar Borges — A nosso juízo, dar vida plena ao novo artigo 9-A quando provocado pelo Ministério Público, dentro dos limites legais e de proporcionalidade, como expusemos nas respostas anteriores. Cessar o ilícito é coisa diversa de remover o conteúdo. Nesse setor, em que há tensão entre a liberdade de expressão e a tutela da integridade do processo eleitoral, tudo é delicado e está sempre por um triz. Em seu fraternal acolhimento ao diverso, a democracia põe a mesa em que seu inimigo mortal graciosamente se senta, antes de ardilosamente virá-la. Há um breve espaço entre o convite para sentar-se à mesa e o momento que antecede a sua virada, e é precisamente nesse entreato, no "breve espaço entre a luz e a sombra", para rememorar título de romance de Cristovão Tezza, que a proteção eleitoral e penal ingressa, resoluta, no recinto: um legítimo instrumento sancionatório protetor do Estado de Direito não interdita o convite para sentar-se, nem cassa previamente a palavra do convidado, mas impede a virada de mesa. A essa altura, com o pleito em curso, pode até mesmo ser que o convidado já tenha "gritado fogo em um teatro lotado".

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